Iniciativas para substituir a carne ou produzi-la em laboratório buscam driblar os impactos ambientais e éticos da pecuária, mas ainda esbarram em custos altos e sabor questionável
Um produto vegetariano que imite perfeitamente carne ou frango é o Santo Graal da indústria de alimentos. há décadas, o setor brinca de alquimista, combinando soja e milho a ingredientes insólitos, como proteína de fungos e extrato de algas, na tentativa de sintetizar um alimento com o sabor, a textura e as características nutritivas da proteína animal, mas sem as desvantagens ambientais e éticas da pecuária. Muitos tentaram, mas ninguém chegou lá.
Nos anos 1960, europeus e americanos começaram a importar alternativas vegetarianas com alto teor proteico da Ásia, como o tofu e o tempeh. Mais tarde, as cozinhas industriais descobriram a proteína texturizada de soja, usada para produzir arremedos meia-boca de croquetes e hambúrgueres.
Agora, após atirar para todos os lados, a indústria alimentícia está perto de acertar o alvo. Em maio do ano passado, a rede americana de supermercados Whole Foods envolveu-se num imbróglio em que trocou os rótulos de duas partidas de salada de galinha ao curry, uma com frango de verdade, outra com uma versão vegana, produzida com soja e ervilhas pela marca Beyond Meat. Nenhum consumidor percebeu a diferença. Eu mesma testei o produto – tem cara, textura e um gosto bem próximo dos de frango. Só não estou bem certa se é gostoso–mas essa é outra história.
O que não falta, nesse mercado, são opções. Pelo menos duas dezenas de empresas já exploram o filão nos Estados unidos. A demanda também não para de crescer, apesar do preço salgado da carne de mentirinha. uma bandeja de 240 gramas de tiras de “frango vegetariano” comercializado pela Beyond Meat não sai por menos de US$5. As vendas de alternativas à carne cresceram 8% nos Estados Unidos entre 2010 e 2012, chegando a US$ 553 milhões anuais, segundo pesquisa da Mintel, empresa especializada em pesquisas de mercado.
Outro estudo da empresa, divulgado em 2013, indicou que mais de um terço dos americanos adquiriu substitutos da carne, sobretudo tofu e tempeh, embora apenas 7% dos entrevistados se identificassem como vegetarianos. Mais importante: 51% dos consumidores ouvidos pela Mintel acreditam que esses substitutos são mais saudáveis do que a carne.
Esse mercado também despertou o apetite, inesperado, de bilionários do Vale do Silício, como Biz Stone e Evan Williams, do Twitter, e Bill Gates, da Microsoft. Mas nenhum deles mergulhou mais a fundo nesse exercício de reinvenção gastronômica do que Sergey Brin, um dos fundadores da Google.
Brin é um dos principais investidores do chamado “bife de laboratório”, o mais revolucionário entre todos os substitutos de produtos de origem animal. Ele doou mais de 250 mil euros para a equipe de Mark Post, titular da cadeira de Fisiologia da universidade de Maastricht, na Holanda, para que provasse a viabilidade de produzir carne em uma placa de Petri [1] (mais aqui). Os pesquisadores estimularam a produção de fibras musculares a partir de células-tronco bovinas submetidas a uma proteína promotora do crescimento de tecidos e nutridas por açúcares, aminoácidos e sangue de cordão umbilical de bezerros.
[1] Recipiente redondo usado em laboratório para cultura de micróbios
Em agosto do ano passado, Post apresentou ao mundo o primeiro hambúrguer de proveta durante entrevista coletiva em Londres. As poucas pessoas convidadas a experimentá-lo disseram que o gosto era razoável, apesar de lhe faltar o caldinho da carne convencional.
Em uma conferência sobre nutrição animal em Bangcoc, na Tailândia, em abril, Post declarou a uma plateia de pecuaristas que vê a carne de laboratório como complemento do produto tradicional, já que a pecuária não tem condições de atender à crescente demanda global. Ele admitiu que o bife sintético ainda apresenta custo proibitivo e que tem muito chão pela frente.
“Uma boa alternativa para o produto da pecuária precisa ser eficiente, sustentável e mimetizar a carne”, afirmou. “nós também precisamos aperfeiçoar a sua cor, o sabor, o teor de gordura e de ferro. Nosso objetivo é criar um bife de verdade em um espaço de quatro a cinco anos.”
Ninguém discute o mérito desta e de outras 30 iniciativas que tentam sintetizar carne em laboratório. Mas todos os desbravadores dessa nova fronteira terão de baixar custos, acertar no tempero e convencer a população de que um alimento altamente “engenheirado” e processado é uma alternativa saudável e apetitosa, capaz de competir com o bifinho que a vovó passava na chapa ou a
picanha vendida a preço de ouro nos rodízios da vida. haja mistureba e marketing para vencer batalha tão inglória.
* Jornalista especializada em meio ambiente, escreve para os blogs De Lá Pra Cá e Deep Brazil
[:en]
Iniciativas para substituir a carne ou produzi-la em laboratório buscam driblar os impactos ambientais e éticos da pecuária, mas ainda esbarram em custos altos e sabor questionável
Um produto vegetariano que imite perfeitamente carne ou frango é o Santo Graal da indústria de alimentos. há décadas, o setor brinca de alquimista, combinando soja e milho a ingredientes insólitos, como proteína de fungos e extrato de algas, na tentativa de sintetizar um alimento com o sabor, a textura e as características nutritivas da proteína animal, mas sem as desvantagens ambientais e éticas da pecuária. Muitos tentaram, mas ninguém chegou lá.
Nos anos 1960, europeus e americanos começaram a importar alternativas vegetarianas com alto teor proteico da Ásia, como o tofu e o tempeh. Mais tarde, as cozinhas industriais descobriram a proteína texturizada de soja, usada para produzir arremedos meia-boca de croquetes e hambúrgueres.
Agora, após atirar para todos os lados, a indústria alimentícia está perto de acertar o alvo. Em maio do ano passado, a rede americana de supermercados Whole Foods envolveu-se num imbróglio em que trocou os rótulos de duas partidas de salada de galinha ao curry, uma com frango de verdade, outra com uma versão vegana, produzida com soja e ervilhas pela marca Beyond Meat. Nenhum consumidor percebeu a diferença. Eu mesma testei o produto – tem cara, textura e um gosto bem próximo dos de frango. Só não estou bem certa se é gostoso–mas essa é outra história.
O que não falta, nesse mercado, são opções. Pelo menos duas dezenas de empresas já exploram o filão nos Estados unidos. A demanda também não para de crescer, apesar do preço salgado da carne de mentirinha. uma bandeja de 240 gramas de tiras de “frango vegetariano” comercializado pela Beyond Meat não sai por menos de US$5. As vendas de alternativas à carne cresceram 8% nos Estados Unidos entre 2010 e 2012, chegando a US$ 553 milhões anuais, segundo pesquisa da Mintel, empresa especializada em pesquisas de mercado.
Outro estudo da empresa, divulgado em 2013, indicou que mais de um terço dos americanos adquiriu substitutos da carne, sobretudo tofu e tempeh, embora apenas 7% dos entrevistados se identificassem como vegetarianos. Mais importante: 51% dos consumidores ouvidos pela Mintel acreditam que esses substitutos são mais saudáveis do que a carne.
Esse mercado também despertou o apetite, inesperado, de bilionários do Vale do Silício, como Biz Stone e Evan Williams, do Twitter, e Bill Gates, da Microsoft. Mas nenhum deles mergulhou mais a fundo nesse exercício de reinvenção gastronômica do que Sergey Brin, um dos fundadores da Google.
Brin é um dos principais investidores do chamado “bife de laboratório”, o mais revolucionário entre todos os substitutos de produtos de origem animal. Ele doou mais de 250 mil euros para a equipe de Mark Post, titular da cadeira de Fisiologia da universidade de Maastricht, na Holanda, para que provasse a viabilidade de produzir carne em uma placa de Petri [1] (mais aqui). Os pesquisadores estimularam a produção de fibras musculares a partir de células-tronco bovinas submetidas a uma proteína promotora do crescimento de tecidos e nutridas por açúcares, aminoácidos e sangue de cordão umbilical de bezerros.
[1] Recipiente redondo usado em laboratório para cultura de micróbios
Em agosto do ano passado, Post apresentou ao mundo o primeiro hambúrguer de proveta durante entrevista coletiva em Londres. As poucas pessoas convidadas a experimentá-lo disseram que o gosto era razoável, apesar de lhe faltar o caldinho da carne convencional.
Em uma conferência sobre nutrição animal em Bangcoc, na Tailândia, em abril, Post declarou a uma plateia de pecuaristas que vê a carne de laboratório como complemento do produto tradicional, já que a pecuária não tem condições de atender à crescente demanda global. Ele admitiu que o bife sintético ainda apresenta custo proibitivo e que tem muito chão pela frente.
“Uma boa alternativa para o produto da pecuária precisa ser eficiente, sustentável e mimetizar a carne”, afirmou. “nós também precisamos aperfeiçoar a sua cor, o sabor, o teor de gordura e de ferro. Nosso objetivo é criar um bife de verdade em um espaço de quatro a cinco anos.”
Ninguém discute o mérito desta e de outras 30 iniciativas que tentam sintetizar carne em laboratório. Mas todos os desbravadores dessa nova fronteira terão de baixar custos, acertar no tempero e convencer a população de que um alimento altamente “engenheirado” e processado é uma alternativa saudável e apetitosa, capaz de competir com o bifinho que a vovó passava na chapa ou a
picanha vendida a preço de ouro nos rodízios da vida. haja mistureba e marketing para vencer batalha tão inglória.
* Jornalista especializada em meio ambiente, escreve para os blogs De Lá Pra Cá e Deep Brazil