Não existe inovação sem pesquisa, mas até que ponto é necessário envolver animais? A evolução está em aprimorar métodos que os substituam ou minimizem sua dor
O assunto é um tabu, da indústria à academia. Animais deveriam ser usados em pesquisas científicas e testes em laboratório? Entidades de defesa dos animais clamam por uma abolição dessa modalidade de uso. Por outro lado, pesquisadores argumentam ainda não ser possível abolir animais da experimentação científica [1].
A maioria das substâncias que compõem os produtos do dia a dia, de fármacos a tintas que revestem celulares, precisou ser testada para garantir a segurança toxicológica. Muitos desses testes foram feitos ao longo dos séculos sem qualquer observância ao bem-estar animal, influenciados por justificativas como a do filósofo René Descartes [2], de que animais não eram capazes de sofrer por não terem alma [3].
[1]Leia aqui o posicionamento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
[2] Nascido em fins do século XVI na França, escreveu o Discurso sobre o Método. Seu pensamento e obras são considerados um marco do racionalismo iniciado na Idade Moderna.
[3] Entenda aqui a evolução dos direitos dos animais em experimentos
Uma vez reconhecida a sensibilidade dos animais à dor e ao desconforto, foram criados protocolos para minimizar o sofrimento das cobaias, buscando cada vez mais avançar nos ganhos da ciência e, ao mesmo tempo, diminuir os custos à vida animal.
Três princípios básicos guiam a conduta ética na experimentação animal: substituição (sempre que possível, trocar por modelos de teste in vitro [4]), redução (usar o mínimo necessário de cobaias) e refinamento (aprimorar as técnicas de manejo, tornando-as cada vez menos invasivas e permitir que apenas agentes bem treinados as realizem).
Com a Lei Arouca [5], o Brasil passou a regular a experimentação animal com base nos princípios de redução de danos. “O uso de animais recebe, aqui e em muitos países, tratamento de análise por comitês de ética integrados em redes nacionais que têm ação educativa e fiscalizadora”, explica a professora Lígia Ferreira Gomes, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Lígia defende que o País já teve grandes avanços em relação ao conforto animal em experimentos. “Há muitos profissionais trabalhando no desenvolvimento de métodos alternativos [6], mas é necessário divulgá-los.”
[4] Métodos baseados em ensaios com culturas de células de linhagens estabelecidas, microrganismos ou com sistemas de reações químicas
[5] A Lei Arouca, de nº 11.974/08, criou o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), que determina as normas relativas à criação e uso de animais de laboratório, monitora e avalia métodos alternativos de experimentação e credencia as instituições de pesquisa que usam animais
[6] Testes computacionais e in vitro em combinação com estudos clínicos são exemplos de métodos de experimentação que podem substituir o uso de animais
A divulgação dos métodos alternativos de experimentação é essencial para que sejam adotados de forma ampla, principalmente pelas indústrias química, farmacêutica e cosmética.
A diretora de Segurança do Consumidor da Natura, Elizabete Vicentini, explica que atualmente a legislação brasileira já admite o uso de métodos sem o uso de animais validados internacionalmente para aprovar novos ingredientes. Segundo ela, há oito anos, a Natura testa novas substâncias para a sua linha de produtos usando métodos alternativos.
Em setembro de 2012, foi criado o Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos que, junto com a Rede Nacional de Métodos Alternativos, e o Concea, analisa, recomenda e valida métodos de substituição à experimentação animal, incluindo aqueles já validados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
EMPURRÃO NECESSÁRIO
Antoniana Ottoni, assessora legislativa da Humane Society International, defende que o setor brasileiro de cosméticos tem plenas condições de abolir os testes em animais, mas precisa de um “empurrão” da legislação para acelerar a substituição do modelo animal.
“Nos países onde a proibição é realidade, as empresas praticam a inovação responsável. É possível renovar suas linhas de produtos a partir de 5 mil ingredientes seguros já testados. Se um novo ingrediente nunca foi testado, a empresa não o lança enquanto não houver um método alternativo para experimentá-lo”, garante.
Testar cosméticos em animais é proibido na União Europeia, Israel e Índia e no estado de São Paulo.
Antoniana lembra que pequenas e médias indústrias de cosméticos dificilmente fazem testes de novos ingredientes, por ser muito caro, e usam apenas aqueles já aprovados anteriormente. As grandes, por sua vez, que têm condições de investir em modelos animais, poderiam direcionar esse capital à substituição por métodos alternativos. “É uma quebra de paradigmas”, argumenta.
Elizabete, da Natura, concorda que a proibição da experimentação animal na área de cosméticos promoveria uma transformação positiva na indústria: “Está em curso uma mudança de mentalidade na avaliação de segurança de ingredientes sem a toxicologia convencional em animais, por meio da convergência de diferentes tecnologias, e uma lei nacional poderia contribuir para este cenário”.