Dois badalados restaurantes parisienses foram acusados em 2013 de discriminar seus fregueses pela aparência: enquanto os mais belos recebiam as melhores mesas, à vista de todos, os menos esteticamente privilegiados eram relegados aos cantos e fundos do recinto. Os garçons que desobedecessem à diretriz eram repreendidos, sob a alegação de que isso era ruim para os negócios.
Cameron Russell expõe o problema de maneira clara: apesar de nossa aparência ser considerada superficial e – relativamente – imutável, ela possui imenso impacto em nossas vidas (ver sua palestra TED). Russell conhece bem um dos lados do problema: ela é uma modelo. Reconhecendo ser o produto de uma loteria genética e de um legado, possui as características físicas socialmente desejadas nos dias atuais. E Cameron foi beneficiada por isso não apenas profissionalmente: sua aparência já a livrou de multas de trânsito e até mesmo serviu de crédito para obter roupas quando esqueceu sua carteira.
Mas os benefícios econômicos vão muito além de ganhar roupas ou escapar de multas. Daniel Hamermesh, economista da Universidade do Texas e autor de O Valor da Beleza, cita pesquisas indicando que, entre trabalhadores americanos, a diferença estética pode representar uma diferença salarial de US$ 230 mil ao longo da carreira.
Hamermesh suspeita que essa diferença possa ser resultado não apenas de discriminação, mas do “retorno econômico” da beleza: consumidores preferem vendedores mais bonitos, alunos avaliam melhor os cursos de professores mais bonitos etc. (ver publicações acadêmicas sobre o tema aqui). Beleza influencia até mesmo o resultado de eleições, assunto para uma próxima coluna.
Não se trata apenas dos privilégios recebidos por quem possui “boa” aparência: Cameron reconhece que muitas pessoas são prejudicadas por sua aparência. Em Nova York, a política do “Stop, Question and Frisk” (parar, interrogar e revistar) chegou a abordar quase 700 mil pessoas em 2011 e mais de 5 milhões desde 2002, a maioria das quais jovens negros e latinos. Em São Paulo, a expressão usada entre policiais para o critério de quem é alvo de revista é ter “cara de B.O.”
Diante desse quadro, Hamermesh levanta uma questão polêmica: a sociedade deveria de alguma maneira proteger ou compensar (inclusive financeiramente) as pessoas mais feias, de maneira similar à qual protege (ou busca proteger) outras minorias discriminadas socialmente ou no mercado de trabalho? Se sim, como tal política poderia ser implementada de fato?
Enquanto não chegamos a um consenso, o economista lembra que a sociedade, que desempenha um relevante papel no problema (pois “demanda” beleza), também pode ser parte da solução. Se não devemos prejulgar as pessoas pela cor de sua pele, tampouco deveria entrar no cômputo de mérito o grau de simetria de seu rosto.
* Doutor em Administração Pública e Governo[:en]
Dois badalados restaurantes parisienses foram acusados em 2013 de discriminar seus fregueses pela aparência: enquanto os mais belos recebiam as melhores mesas, à vista de todos, os menos esteticamente privilegiados eram relegados aos cantos e fundos do recinto. Os garçons que desobedecessem à diretriz eram repreendidos, sob a alegação de que isso era ruim para os negócios.
Cameron Russell expõe o problema de maneira clara: apesar de nossa aparência ser considerada superficial e – relativamente – imutável, ela possui imenso impacto em nossas vidas (ver sua palestra TED). Russell conhece bem um dos lados do problema: ela é uma modelo. Reconhecendo ser o produto de uma loteria genética e de um legado, possui as características físicas socialmente desejadas nos dias atuais. E Cameron foi beneficiada por isso não apenas profissionalmente: sua aparência já a livrou de multas de trânsito e até mesmo serviu de crédito para obter roupas quando esqueceu sua carteira.
Mas os benefícios econômicos vão muito além de ganhar roupas ou escapar de multas. Daniel Hamermesh, economista da Universidade do Texas e autor de O Valor da Beleza, cita pesquisas indicando que, entre trabalhadores americanos, a diferença estética pode representar uma diferença salarial de US$ 230 mil ao longo da carreira.
Hamermesh suspeita que essa diferença possa ser resultado não apenas de discriminação, mas do “retorno econômico” da beleza: consumidores preferem vendedores mais bonitos, alunos avaliam melhor os cursos de professores mais bonitos etc. (ver publicações acadêmicas sobre o tema aqui). Beleza influencia até mesmo o resultado de eleições, assunto para uma próxima coluna.
Não se trata apenas dos privilégios recebidos por quem possui “boa” aparência: Cameron reconhece que muitas pessoas são prejudicadas por sua aparência. Em Nova York, a política do “Stop, Question and Frisk” (parar, interrogar e revistar) chegou a abordar quase 700 mil pessoas em 2011 e mais de 5 milhões desde 2002, a maioria das quais jovens negros e latinos. Em São Paulo, a expressão usada entre policiais para o critério de quem é alvo de revista é ter “cara de B.O.”
Diante desse quadro, Hamermesh levanta uma questão polêmica: a sociedade deveria de alguma maneira proteger ou compensar (inclusive financeiramente) as pessoas mais feias, de maneira similar à qual protege (ou busca proteger) outras minorias discriminadas socialmente ou no mercado de trabalho? Se sim, como tal política poderia ser implementada de fato?
Enquanto não chegamos a um consenso, o economista lembra que a sociedade, que desempenha um relevante papel no problema (pois “demanda” beleza), também pode ser parte da solução. Se não devemos prejulgar as pessoas pela cor de sua pele, tampouco deveria entrar no cômputo de mérito o grau de simetria de seu rosto.
* Doutor em Administração Pública e Governo