Mundo afora, o urbanismo tático reúne soluções temporárias, de baixo custo, concebidas pela comunidade, geralmente sem a chancela das autoridades
A expansão urbana e as longas estiagens fizeram com que Santiago perdesse um quarto de suas áreas verdes ao longo dos últimos 24 anos. A capital chilena espelha a realidade da maioria das metrópoles, em que os espaços públicos se tornam a cada dia menos hospitaleiros. Mas há quem resista. Várias comunidades de base têm buscado formas lúdicas de quebrar, simbolicamente, o cimento, convertendo estacionamentos e terrenos baldios em pracinhas como as de antigamente.
A Fundación Mi Parque, que ajudou as comunidades de 53 municípios chilenos a criar 182 mil metros quadrados de áreas verdes, é um ótimo exemplo desse tipo de militância. Em San Bernardo, cidade periférica de Santiago, mais de 1.500 voluntários organizados pela entidade participaram da recuperação de 14 parques. Ali, eles produziram murais coloridos, instalaram parquinhos, mesas de pingue-pongue e quadras esportivas, formaram jardins, plantaram mais de mil árvores [1]. E a população retomou um território que parecia perdido.
[1] Assista aqui
Esse tipo de intervenção é típico do chamado urbanismo tático ou de guerrilha. Trata-se de um movimento internacional que reúne soluções urbanas temporárias, de baixo custo, concebidas pela própria comunidade, geralmente sem a chancela das autoridades. Suas estratégias incluem a expansão da calçada sobre o asfalto, a introdução de vegetação, bancos, mesas de cafés e estacionamentos de bicicletas; a criação de espaço para a criação artística, com a instalação de pianos ao ar livre e produção de peças tricotadas para decorar hidrantes; e a criação de faixa de pedestres, sinalização de trânsito e ciclovias “informais”.
Nos Estados Unidos, uma das experiências de urbanismo tático mais vistosas dos últimos anos ocorreu em Oak Cliff, área decadente e barra-pesada de Dallas, no estado do Texas. Um quarteirão cheio de imóveis abandonados, sem qualquer comércio de rua e com as calçadas tomadas por veículos converteu-se num polo cultural que serve de inspiração para uma dezena de outros municípios americanos.
Jason Roberts, fundador do grupo de design urbano Better Block, conta numa conferência TED que o renascimento do bairro começou de forma despretensiosa, quando ele e alguns amigos artistas decidiram abrir uma galeria de arte temporária, de apenas um dia, em um teatro caindo aos pedaços. Como chamariz, usaram o mote de que aquele era um lugar histórico, onde foi morto Lee Harvey Oswald, suspeito de ter assassinado o presidente John Kennedy. O evento atraiu 700 pessoas. “Mudar a percepção das pessoas sobre um lugar faz toda a diferença”, lembra Roberts. Daí para a frente, o Better Block começou a montar eventos e projeções de cinema no teatro, que colocou o quarteirão no mapa.
Na sequência, o grupo tirou da manga uma campanha para promover Oak Cliff como meca dos ciclistas, que encontravam pouco espaço em Dallas. Detalhe: até então, a circulação de bicicletas no bairro era praticamente nula. Mais uma vez, centenas de pessoas abraçaram a ideia, e excursões ciclísticas tornaram-se corriqueiras na vizinhança.
O grupo queria avançar ainda mais na humanização do bairro, mas descobriu que uma série de leis com mais de 70 anos impediam que as pessoas se aglomerassem nas ruas ou que a comunidade instalasse floreiras ou marquises que protegessem as calçadas do sol inclemente do Texas.
Roberts resolveu violar todas essas regras em um fim de semana. Durante dois dias, prédios abandonados deram lugar a oficinas de arte para crianças, mercados de flores e cafés temporários. As ruas ganharam deques de madeira, arbustos em vasos e 43 árvores emprestadas por um hotel da região, que ia plantá-las no dia seguinte. Autoridades locais foram convidadas a participar da festa. Tiveram de admitir que a legislação estava caduca e passaram a trabalhar na sua modernização. Hoje, muitas das instalações temporárias propostas pelo Better Block se tornaram permanentes.
Experiências como essas estão ajudando o urbanismo tático a ganhar reconhecimento. A sua emergência em grandes metrópoles, inclusive Rio, Hong Kong, Lagos, Mumbai e Istambul, é tema de uma grande exposição aberta em novembro no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA [2]. E algumas autoridades municipais também começam a perceber que as cidades só têm a ganhar com o engajamento ativo da comunidade.
[2] Veja mais
* Jornalista especializada em meio ambiente, escreve para o blog De Lá Pra Cá[:en]Mundo afora, o urbanismo tático reúne soluções temporárias, de baixo custo, concebidas pela comunidade, geralmente sem a chancela das autoridades
A expansão urbana e as longas estiagens fizeram com que Santiago perdesse um quarto de suas áreas verdes ao longo dos últimos 24 anos. A capital chilena espelha a realidade da maioria das metrópoles, em que os espaços públicos se tornam a cada dia menos hospitaleiros. Mas há quem resista. Várias comunidades de base têm buscado formas lúdicas de quebrar, simbolicamente, o cimento, convertendo estacionamentos e terrenos baldios em pracinhas como as de antigamente.
A Fundación Mi Parque, que ajudou as comunidades de 53 municípios chilenos a criar 182 mil metros quadrados de áreas verdes, é um ótimo exemplo desse tipo de militância. Em San Bernardo, cidade periférica de Santiago, mais de 1.500 voluntários organizados pela entidade participaram da recuperação de 14 parques. Ali, eles produziram murais coloridos, instalaram parquinhos, mesas de pingue-pongue e quadras esportivas, formaram jardins, plantaram mais de mil árvores [1]. E a população retomou um território que parecia perdido.
[1] Assista aqui
Esse tipo de intervenção é típico do chamado urbanismo tático ou de guerrilha. Trata-se de um movimento internacional que reúne soluções urbanas temporárias, de baixo custo, concebidas pela própria comunidade, geralmente sem a chancela das autoridades. Suas estratégias incluem a expansão da calçada sobre o asfalto, a introdução de vegetação, bancos, mesas de cafés e estacionamentos de bicicletas; a criação de espaço para a criação artística, com a instalação de pianos ao ar livre e produção de peças tricotadas para decorar hidrantes; e a criação de faixa de pedestres, sinalização de trânsito e ciclovias “informais”.
Nos Estados Unidos, uma das experiências de urbanismo tático mais vistosas dos últimos anos ocorreu em Oak Cliff, área decadente e barra-pesada de Dallas, no estado do Texas. Um quarteirão cheio de imóveis abandonados, sem qualquer comércio de rua e com as calçadas tomadas por veículos converteu-se num polo cultural que serve de inspiração para uma dezena de outros municípios americanos.
Jason Roberts, fundador do grupo de design urbano Better Block, conta numa conferência TED que o renascimento do bairro começou de forma despretensiosa, quando ele e alguns amigos artistas decidiram abrir uma galeria de arte temporária, de apenas um dia, em um teatro caindo aos pedaços. Como chamariz, usaram o mote de que aquele era um lugar histórico, onde foi morto Lee Harvey Oswald, suspeito de ter assassinado o presidente John Kennedy. O evento atraiu 700 pessoas. “Mudar a percepção das pessoas sobre um lugar faz toda a diferença”, lembra Roberts. Daí para a frente, o Better Block começou a montar eventos e projeções de cinema no teatro, que colocou o quarteirão no mapa.
Na sequência, o grupo tirou da manga uma campanha para promover Oak Cliff como meca dos ciclistas, que encontravam pouco espaço em Dallas. Detalhe: até então, a circulação de bicicletas no bairro era praticamente nula. Mais uma vez, centenas de pessoas abraçaram a ideia, e excursões ciclísticas tornaram-se corriqueiras na vizinhança.
O grupo queria avançar ainda mais na humanização do bairro, mas descobriu que uma série de leis com mais de 70 anos impediam que as pessoas se aglomerassem nas ruas ou que a comunidade instalasse floreiras ou marquises que protegessem as calçadas do sol inclemente do Texas.
Roberts resolveu violar todas essas regras em um fim de semana. Durante dois dias, prédios abandonados deram lugar a oficinas de arte para crianças, mercados de flores e cafés temporários. As ruas ganharam deques de madeira, arbustos em vasos e 43 árvores emprestadas por um hotel da região, que ia plantá-las no dia seguinte. Autoridades locais foram convidadas a participar da festa. Tiveram de admitir que a legislação estava caduca e passaram a trabalhar na sua modernização. Hoje, muitas das instalações temporárias propostas pelo Better Block se tornaram permanentes.
Experiências como essas estão ajudando o urbanismo tático a ganhar reconhecimento. A sua emergência em grandes metrópoles, inclusive Rio, Hong Kong, Lagos, Mumbai e Istambul, é tema de uma grande exposição aberta em novembro no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA [2]. E algumas autoridades municipais também começam a perceber que as cidades só têm a ganhar com o engajamento ativo da comunidade.
[2] Veja mais
* Jornalista especializada em meio ambiente, escreve para o blog De Lá Pra Cá