Como e por que a Avaliação de Ciclo de Vida tem gerado receios ao levantar quantitativamente os impactos ambientais de produtos
POR FELIPE GIASSON LUCCAS*
Nem só de aplicativos práticos e maquinários revolucionários vive a tecnologia, mas também de algo tão simples como o pensamento e a informação que ajudam a desmistificar “folclores” e a esclarecer visões preconcebidas sobre o real impacto de nossas atividades no meio ambiente.
Conhecer as matérias-primas ou ler os rótulos atuais dificilmente levará à compreensão dos impactos causados. É aí que se deve utilizar o senso crítico aliado a novos modelos de comunicação e tecnologias. A Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) é uma ferramenta de mensuração de impactos ambientais que se propõe a olhar muito além do que estamos acostumados, provocando uma reflexão anterior à aquisição do bem.
Cada produto que se consome passa por diversas etapas, desde a retirada do primeiro material da natureza até o momento em que é destinado a um aterro sanitário – no melhor dos casos. Ao longo desse processo, várias intervenções antropogênicas ocorrem. Para isso, temos de conhecer o produto: saber do que é feito, como é produzido, que efluentes pode gerar ao ser produzido, qual o consumo energético durante a utilização e quais as suas opções de destinação final.
Esse processo todo, sem que necessariamente seja objeto de uma análise numérica (por meio da ACV), é contemplado pelo chamado “pensamento do ciclo de vida”, um exercício útil para a tomada de decisões em busca de um menor impacto ambiental negativo.
Todavia, em situações mais complexas, como grandes compras ou investimentos, é necessário que esses impactos sejam mensurados de forma a quantificar o impacto ambiental de cada pequena parcela dentro do ciclo de vida dos produtos.
Nesse caso, o pensamento do ciclo de vida pode mostrar-se insuficiente, tornando-se necessária a elaboração de uma ACV. Com o uso atual de computadores, toda essa modelagem e milhares de cálculos tornaram possível a obtenção de um número único dizendo qual o impacto de um determinado produto.
Com esse número, dentro das premissas do estudo técnico, é possível realizar comparações objetivas entre produtos semelhantes. E, como em toda comparação, alguém sairá perdendo.
Ter por resultado um número, afirmando categoricamente a superioridade de um produto dentro de suas premissas de análise, gera muito desconforto. Primeiramente, por ter a capacidade de acabar com greenwashing, quando produtos clamam virtudes ambientais infundadas.
MITOS AMBIENTAIS
Outro desconforto é gerado por desmistificar os folclores ambientais utilizados na tomada de decisão, que, muitas vezes, guia-se mais pela intuição do que por meio de informações técnicas e aprofundadas, podendo gerar erros ou trade-offs [1].
[1] Quando se prioriza uma escolha e, em decorrência disso, geram-se consequências negativas em outros aspectos.
Estudos de ACV podem nos trazer respostas contrárias às ideias preconcebidas. Em estudo da Fundação Espaço Eco, por exemplo, concluiu-se que, para banhos quentes, em três dos quatro cenários analisados, um chuveiro elétrico apresenta melhor ecoeficiência do que seus equivalentes de energia solar ou a gás. [2] Os investidores em energia solar, por medo de que o público generalize esse caso específico abordado – um banho quente durando oito minutos na Região Metropolitana de São Paulo –, também podem entender que alternativas elétricas são sempre superiores à energia solar ou a gás.
[2] Saiba mais pelo link.
Na atual crise hídrica, vemos também decisões baseadas nesse folclore que, por não serem sempre técnicas, ignoram trade-offs ao longo do ciclo de vida. Ao substituirmos copos de vidro por descartáveis para reduzir o consumo de água nas lavagens, ignoramos que há necessidade de água para se produzir o copo de plástico. Além disso, será gerado, no seu final de vida, mais resíduo sólido, ocupando mais espaço em aterros. Ao deixarmos de olhar para o ciclo de vida dos produtos, podemos realizar escolhas equivocadas, ainda que acreditemos estar no melhor caminho. E essa análise tende a incomodar, por exemplo, a cadeia do plástico, que poderia utilizar a crise hídrica como oportunidade.
A ACV traz informações relevantes para a tomada de decisão, mas é importante lembrar que os estudos apenas são válidos dentro de determinadas premissas adotadas. Fazer generalizações desses resultados para outros cenários pode criar um novo folclore ambiental e gerar novos equívocos.
Portanto, é importante que o exercício do pensamento do ciclo de vida e, se necessária, a realização de uma Avaliação de Ciclo de Vida sejam incorporados no cotidiano das tomadas de decisão. Essa evolução crítica do conhecimento é um passo fundamental para um consumo mais sustentável.
*Pesquisador do Programa de Consumo e Produção Sustentáveis do GVces