Por Bruno Toledo
É quase um mantra de cientistas e especialistas em mudança do clima: não podemos permitir que o aumento da temperatura média da Terra neste século supere os 2 graus Celsius com relação aos níveis pré-industriais; se formos incapazes de impedir isso, as alterações nos padrões climáticos globais podem ser de tal magnitude e imprevisibilidade que a adaptação a elas será muito mais difícil e custoso.
A bem da verdade, esse “número mágico” nem chega a ser consensual: para muitas pessoas, mesmo esse limite de 2 graus não impede mudanças irreversíveis nas próximas décadas, que afetarão milhões de pessoas em todo o mundo. Existem estudos que apontam que o aumento da temperatura média terrestre em 2 graus pode elevar o nível do mar, inundando ilhas e territórios costeiros em todo o planeta. Para a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS, sigla em inglês), coalizão que reúne mais de 40 países insulares, um limite para o aquecimento global seria, na verdade, ainda menor e concretamente mais difícil que o defendido pela maioria dos especialistas: 1,5 grau Celsius.
Pois bem, se a catástrofe climática na Terra está a apenas 2 graus Celsius de acontecer, já estamos com meio caminho andado. A agência britânica de meteorologia (Met Office) anunciou nesta semana (em 9/11) que, pela primeira vez, a temperatura média mundial na superfície da Terra será um grau centígrado superior aos níveis pré-industriais neste ano de 2015. Para os cientistas do Met Office, estamos entrando em um “terreno desconhecido” em matéria de clima, cenário que pode se tornar ainda mais problemático se o business as usual persistir nas emissões global de gases do efeito estufa (GEE). O próprio Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), apontou em seu relatório mais recente que a Terra caminha para um aquecimento na ordem de 4 graus, o dobro do limite defendido pela maioria dos cientistas.
De fato, o cenário atual é perturbador. De acordo com a Organização Metereológica Mundial (OMM), os níveis de GEE na atmosfera terrestre continuam elevados, com recordes seguidos de alta. No ano passado, a concentração média global de dióxido de carbono (CO2) foi de 398 partes por milhão (ppm). Em abril passado, essa concentração tinha aumentado para 400 ppm. A OMM espera que a média para o ano de 2016 supere os 400 ppm. Quanto maior for a concentração desses GEE na atmosfera, mais forte será o potencial de aquecimento da atmosfera terrestre.
O relatório mais recente do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) reforça o cenário negativo. De acordo com o Pnuma, os planos climáticos (as chamadas INDCs) apresentados pelos países para fundamentar o novo acordo climático, que será concluído na Conferência do Clima de Paris (COP 21), no final do mês, são capazes de retirar da atmosfera entre 4 e 6 bilhões de toneladas de CO2 equivalentes (tCO2e) até 2030, em comparação com as políticas atuais.
Esse limite significa que, em 15 anos, as emissões globais terão subido, no melhor cenário, apenas 2,7% com relação aos números de 2014. Para que a meta dos 2 graus seja possível, o mundo precisaria cortar mais 12 bilhões de tCO2e até 2030. Para o Pnuma, caso os governos não consigam cortar esse montante extra de emissões, o mundo caminhará para um aquecimento de 3 graus até o final do século.
Esses dados alarmantes colocam mais pressão sobre os negociadores em Paris, já que o novo acordo climático precisará considerar esse cenário problemático na hora de definir os compromissos de cada país. Resta saber se a política, mesmo guiada pela ciência, conseguirá responder de forma adequada a essa realidade difícil.