Foi anunciada recentemente uma parceria da 32ª Bienal de São Paulo, que tem como tema “Incerteza Viva”, com o Instituto de Botânica, que vai apoiar o trabalho de 5 dos artistas participantes cujos projetos “versam sobre temas como: cultivo de hortas e ocupação do espaço público urbano; migração, extinção, propriedades purificadoras e curativas de espécies vegetais; plantas alimentícias não convencionais; relação entre agricultura e concepções de tempo; o uso de micélio no “cultivo” de objetos vivos para fins utilitários e decorativos; os micetozoários e seu potencial como modelo de inteligência ecológica.”.
Essa não é uma parceria inédita mas neste ano abrange mais obras e estabelece um diálogo em profunda sintonia não só com o tema da mostra mas também com alguns movimentos que vem ganhando cada vez mais espaço: a agroecologia, o conceito de farm to table, os desafios de se alimentar uma população crescente, o slow food e novas formas de consumo.
E não é só na Bienal que temos visto ações nesse sentido: alguns exemplos são o projeto que o MAM desenvolveu em 2012, a série de encontros “Arte e Gastronomia”, e a exposição montada no CCBB em 2015, “Cru: comida, transformação e arte”.
Que reflexões podemos tirar dessa nova relação que se cria entre arte e comida, para além dos chefs superstars, da estética dos pratos minimalistas da gastronomia contemporânea, do açúcar derretido do Vik Muniz (que, convenhamos, né?) e da pieguice do “a arte alimenta a alma”?
Eu comecei a pensar nisso quando um dia, fazendo pão com meu namorado, que é artista plástico, ele disse que podia dissolver o fermento na água porque estava acostumado a fazer isso com a tinta. Na hora eu dei risada, mas fato é que o pão ficou bom e depois disso passei a prestar mais atenção às analogias entre o ofício do agricultor, do cozinheiro e do artista. E elas são muitas!
Não foram poucas as vezes que ouvimos dos pequenos agricultores participantes do projeto Bota na Mesa, realizado pelo GVces em parceria com o Citi, que se consideravam artistas e, de fato, ambos assumem riscos e incertezas na produção, passam por dificuldades em valorar adequadamente o trabalho e acessar mercado e, o que talvez seja mais comum à essência dos dois, devem se submeter ao gosto do outro. Adicionando-se a tudo isso as possibilidades de ação política a que as escolhas de cada um deles podem levar – ocupação do espaço, escolha da matéria-prima etc. – esse encontro se torna necessário e urgente
Não se sabe ainda como serão as obras participantes da Bienal, mas estou curiosa. O que dá pra ter certeza é que essa é uma relação em que todos saem ganhando: o produtor de alimentos, que ganha um interlocutor com grande poder de mobilização da sociedade, e o artista, que ao se aproximar do caráter perecível dos alimentos, afasta-se da obra como objeto de consumo e fetiche e se reencontra com aquilo que a arte pode ter de mais poderoso, que é a fruição do momento e a experiência que escapa, mas deixa alguma coisa.