Mais de seis meses depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG) – a maior tragédia ambiental da história brasileira -, o governo brasileiro pode ter de responder internacionalmente por falhas na proteção das populações atingidas pela indústria de mineração. Em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizada nesta quarta (08/6) em Santiago (Chile), um grupo de 15 organizações da sociedade civil encaminhou denúncia contra as autoridades públicas do Brasil por violações aos direitos humanos cometidas no contexto do desastre no rio Doce.
“O objetivo é levar ao conhecimento da comissão o que está acontecendo no Brasil, tentar que a pressão seja feita no país e que a reparação das vitimas, de fato aconteça, da maneira mais justa”, justificou Raphaela Lopes, advogada da ONG Justiça Global, uma das proponentes da denúncia, durante a audiência em Santiago.
Sob a responsabilidade da empresa de mineração Samarco, a barragem rompeu-se em 05 de novembro passado, despejando 55 milhões de m3 de lama tóxica ao longo da bacia do rio Doce até a costa do Espírito Santo e causando a morte de 19 pessoas. Mais de 3 milhões de pessoas foram afetadas direta e indiretamente pelo rompimento da barragem, que continua jogando lama tóxica na água.
A denúncia apresentada contra o Brasil inclui outros 13 casos em que há registro de graves violações aos direitos humanos provocadas pela atividade mineradora no país. Na relação, constam grandes empreendimentos de mineração no Brasil, como o projeto de expansão do Complexo Carajás e o projeto Minas-Rio. De acordo com os denunciantes, as autoridades brasileiras foram incapazes de proteger os direitos humanos das populações do entorno desses empreendimentos de mineração. Os relatos dos casos mostram repetidas violações dos direitos à moradia, a um trabalho digno, à integridade cultural, a vida, ao território e à consulta prévia, livre e informada de populações indígenas.
No caso particular de Mariana, a denúncia também aponta a falta de participação das comunidades afetadas pelo desastre na negociação do acordo bilionário de reparação fechado pela União, Minas Gerais, Espírito Santo e a Samarco. O acordo foi firmado no final do mês passado, mas já sofre críticas inclusive de dentro do governo – o ministro José Sarney Filho (Meio Ambiente) já afirmou que deseja revisar alguns pontos no texto.
A denúncia também aponta para iniciativas legislativas que visam enfraquecer o processo de licenciamento ambiental, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65/2012, em discussão hoje no Senado Federal. Apresentada pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO), esta PEC prevê que a apresentação de um estudo de impacto ambiental (EIA) bastaria para que obras de infraestrutura não pudessem ser canceladas, o que descartaria efetivamente a exigência do licenciamento ambiental para a sua realização. De acordo com o Ministério Público Federal e com organizações ambientalistas, a PEC 65/2012 promoveria o desmanche da legislação de proteção ambiental no Brasil.
A CIDH ainda precisa decidir se aceita a denúncia. Caso ela seja acolhida, a Comissão poderá formular recomendações aos Estados e/ou iniciar ação contra um Estado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (ainda que suas deliberações não possuam caráter obrigatório). Não existe prazo para que a CIDH tome qualquer decisão sobre a petição.