Há sete anos, quando apresentou sua candidatura para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a cidade do Rio de Janeiro afirmou que a qualidade de seu ar estava dentro dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e garantiu que faria melhorias no controle dessa qualidade até a realização da competição. Hoje, faltando poucos dias para o início dos eventos esportivos, o ar carioca está pior do que em 2009 – que, a despeito da declaração oficial, não estava nem perto do recomendado pela OMS.
Segundo levantamento feito pela agência Reuters, usando dados oficiais, o ar na região metropolitana do Rio de Janeiro está duas a três vezes acima do limite anual da OMS para MP 10 (material particulado com diâmetro de 10 mícrons ou menos). Esse material é lançado diariamente para a atmosfera pela frota de 2,7 milhões de veículos motorizados que roda pelas ruas cariocas. De 2010 a 2014, a metrópole carioca apresentou média anual de 52 MP 10 por metro cúbico de ar, segundo dados do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (INEA).
Para efeito de comparação, na última edição dos Jogos, realizada há quatro anos em Londres, o nível de MP 10 era de 23 por metro cúbico de ar. Pelos dados, a cidade do Rio de Janeiro tem o segundo ar mais poluído de todas as sedes olímpicas desde 1988, quando o nível de MP 10 começou a ser aferido. Apenas Pequim, sede dos Jogos de 2008, supera os índices do Rio de Janeiro – na capital chinesa, a concentração de MP 10 chegou a 82 durante a disputa da competição.
De acordo com a OMS, o MP afeta mais pessoas do que qualquer outro poluente atmosférico. Em 2012, a exposição ao MP 10 causou 3,7 milhões de mortes prematuras em todo o mundo, estima a Organização.
“Definitivamente, isso não é ‘ar olímpico'”, apontou Paulo Saldiva, patologista da Universidade de São Paulo (USP), para a Reuters. “Muito se falou sobre a poluição da água no Rio, mas muito mais pessoas morrem por causa da sujeira do ar do que da água. Você não é obrigado a beber água da Baía de Guanabara, mas você é obrigado a respirar o ar do Rio”.
Usando metodologia da OMS, Saldiva calculou que a poluição atmosférica no RJ causou a morte de 5,4 mil pessoas em 2014. Esse número seria superior ao índice de mortes causadas pela violência urbana no ano passado (quase 3,2 mil óbitos), um problema crônico da capital fluminense.
A Reuters, em parceria com Saldiva, realizou 22 testes de uma hora cada separados para níveis do MP 2,5 (a partícula fina que apresenta o maior risco para a saúde) em pontos importantes dos Jogos no Rio de Janeiro: em frente ao Parque Olímpico e à Vila Olímpica; próximo à arena do vôlei de praia (Copacabana); e do lado de fora do estádio do Engenhão, sede das competições de atletismo e futebol. Para essa partícula, a OMS tem como limite seguro 25 MP 2,5 por metro cúbico de ar.
De acordo com a Reuters, os resultados mostraram que os atletas, os moradores do entorno e o público estão expostos a altos níveis de material particulado desse tipo. O Engenhão apresentou pico de 65 MP 2,5 durante um teste em 30 de junho, realizado no período da manhã, no mesmo horário em que acontecerá a competição de atletismo. Copacabana registrou nível 57 no mesmo dia, e a Vila Olímpica, 32.
A má qualidade do ar do Rio de Janeiro pressiona ainda mais o poder público sobre o legado esperado das Olimpíadas para a cidade. A situação das águas da Baía de Guanabara, palco das competição de vela e windsurf, virou polêmica internacional, com atletas temendo efeitos do contato com a água contaminada por dejetos de esgoto da cidade. O entorno do Parque e da Vila Olímpica, na Barra da Tijuca, também é alvo de críticas por poluição: as águas que banham essas instalações estão repletas de esgoto e material orgânico em decomposição, o que resulta em um cheiro fétido que certamente incomodará atletas e público.