Duas das principais lideranças europeias na agenda climática global, Alemanha e França são questionados na Conferência do Clima de Bonn sobre suas opções polêmicas para geração de eletricidade e a falta de ação imediata para ampliar o uso de renováveis
De Bonn, Alemanha – No tabuleiro político europeu, Alemanha e França formam o núcleo duro da liderança do continente na agenda da mudança do clima. Artífices importantes do Acordo de Paris, firmado há dois anos na capital francesa durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), alemães e franceses sempre fizeram questão de se posicionar como atores proativos nas discussões, pressionando outros países europeus a avançar rumo a medidas e metas de redução de emissões mais ambiciosas.
Na Conferência do Clima de Bonn (COP 23), o cenário não é diferente. Do lado alemão, além de ajudar a UNFCCC e o governo de Fiji a organizar a COP na antiga capital da Alemanha Ocidental, o governo de Angela Merkel destaca medidas em energia limpa e mobilidade urbana como exemplos da ambição do país na luta contra a mudança do clima.
Do lado francês, o governo de Emmanuel Macron faz questão de se colocar como um dos grandes defensores do Acordo de Paris, sem medo de se contrapor explicitamente à posição dos Estados Unidos e de seu presidente, o cético da mudança do clima Donald Trump. Durante a campanha para sucessão de François Hollande, no primeiro semestre, Macron chegou a reaproveitar o principal slogan eleitoral de Trump para destacar seu engajamento com ação climática – “make the planet great again”, fazer o planeta grande novamente.
Entretanto, nem tudo são flores na fronteira franco-alemã no que diz respeito a clima. Nesta primeira semana da COP 23, os dois países foram alvos de críticas fortes de organizações da sociedade civil por conta de suas políticas energéticas e os perigos que elas podem acarretar para o esforço global contra a mudança do clima e para o meio ambiente em geral – no caso alemão, a dependência do carvão para geração de eletricidade; no caso francês, a dependência de energia nuclear.
França e energia nuclear: solução para a mudança do clima, problema para o meio ambiente
A relação dos franceses com a energia nuclear é antiga e desperta polêmicas dentro das discussões sobre mudança do clima desde o começo. Os principais pontos de contenda são, por um lado, o potencial de atendimento da demanda energética sem emitir qualquer gás de efeito estufa e, por outro, os perigos e temores associados ao uso de tecnologia nuclear para geração de energia.
Para muitos países desenvolvidos, o principal setor econômico em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE) é o de geração de eletricidade. Nesses lugares, a utilização de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, acaba intensificando as emissões. Opções renováveis, como solar e eólica, estão sendo implementadas gradativamente, mas de maneira complementar, com representatividade baixa na matriz elétrica.
Nesse contexto, a energia nuclear surge como uma opção interessante para a geração de eletricidade de baixo carbono. Por um lado, ela é capaz de atender às demandas energéticas dessas economias, sem reduções efetivas no nível do consumo. Por outro, a fonte nuclear é praticamente neutra em emissões de carbono, já que sua operação não gera gases de efeito estufa.
No entanto, a despeito dos argumentos favoráveis, permanecem diversas preocupações relacionadas a uma possível expansão do uso de energia nuclear para descarbonizar a geração de eletricidade no mundo. Isso porque, mesmo considerando o potencial de se evitar emissões em um setor econômico historicamente intenso em carbono, a tecnologia nuclear não é vista como segura do ponto de vista ambiental e de saúde humana.
Para os franceses, a discussão sobre energia nuclear está no centro de sua política elétrica. Hoje, 75% da eletricidade do país é produzida por usinas nucleares, um dos maiores índices desse tipo no mundo.
Pouco antes da COP 21, o governo do então presidente François Hollande (2012-2017) aprovou uma lei sobre transição energética que estabelecia como meta a redução da representatividade da fonte nuclear para 50% até 2025. Macron, que o sucedeu em junho passado na comando da França, tinha se comprometido a manter este objetivo.
Entretanto, no começo desta semana, ao mesmo tempo em que a COP 23 iniciava em Bonn, o ministro do Meio Ambiente francês, Nicolas Hulot, anunciou que o país não seria capaz de cumprir tal meta. “Será muito difícil manter o objetivo de reduzir o percentual de energia nuclear para 50% até 2025”, disse o ministro, após um encontro ministerial.
De acordo com Hulot, a redução do uso de energia nuclear nos próximos anos poderia gerar escassez de eletricidade e forçar o uso de combustíveis fósseis, como gás natural e carvão, para atender à demanda. Também segundo o ministro, o governo Macron estaria trabalhando com um cronograma que avança entre 2030 e 2035.
O anúncio de Hulot foi mal recebido na Conferência do Clima de Bonn. Na quarta (8 de novembro), a França recebeu o anti-prêmio “Fóssil do Dia” da Climate Action Network (CAN International) por não alinhar a liderança projetada pelo país na agenda climática internacional com suas medidas domésticas no setor elétrico. “Em um tempo de urgência, sua decisão [do governo Macron] envia um sinal ruim para a Europa e para o mundo: ela sugere que um plano de transição energética aprovado legalmente, que procura diversificar as fontes de energia em favor de mais renováveis, pode ser mudado de um dia para o outro sem qualquer diálogo. Ela também manda o sinal errado de que países que dependem de uma fonte em particular podem adiar sua transição, ao invés de fazê-la agora”, disse a CAN International, em comunicado.
Alemanha e o carvão: o combustível do século XIX sobrevive no país do século XXI
Do outro lado da fronteira, a questão elétrica ganha outro tom e novos problemas. Até o começo desta década, boa parte da energia elétrica da Alemanha também era fornecida por geradores nucleares. No entanto, o vazamento radioativo na usina de Fukushima, no Japão, logo após o terremoto e tsunami de 2011, pressionou o governo de Angela Merkel a interromper a operação dos reatores nucleares do país por motivo de segurança.
A desativação das usinas nucleares alemãs, uma demanda histórica do movimento ambientalista do país, veio com um custo: para conseguir atender à demanda energética, o consumo de combustíveis fósseis aumentou exponencialmente, principalmente de carvão. Mesmo com a ampliação recente do uso de fontes como eólica e solar na Alemanha, o carvão representa mais de 40% da matriz elétrica do país, com milhares de empregos associados a ele.
A menos de 50 quilômetros do espaço da COP 23, encontra-se a principal mina de carvão a céu aberto do continente europeu, na floresta de Hambach, com profundidade de 400 metros. Esta região concentra a maior fonte de emissões de GEE de toda a Europa: a cada ano, esta mina e outras na região produzem mais de 30 milhões de toneladas de carvão, que abastecem os grandes polos industriais do sudoeste alemão, ao longo do Rio Reno.
Parte do material extraído nesta mina é escoado pelo Rio Reno, que corta a cidade de Bonn. Das salas de reunião da Zona Bula, principal espaço de negociação da COP 23, é possível enxergar barcos carregados de carvão descendo o Reno quase de hora em hora.
De acordo com relatório da organização Oil Change International, lançado esta semana, as emissões de GEE da Alemanha não são reduzidas desde 2009, o que atenta contra a liderança projetada do governo Merkel dentro e fora do país na agenda climática.
A publicação aponta também que as metas definidas pela Alemanha dentro do Acordo de Paris serão inatingíveis caso a exploração de carvão não seja desativada em 10 anos. Outro ponto levantado pelo relatório é a diferença expressiva entre os investimentos externos alemães em energia: de acordo com o estudo, projetos de exploração de fontes fósseis ao redor do mundo recebem 50% mais investimento do que projetos que incentivam o uso de fontes renováveis.
“A Alemanha se apresenta como líder no cenário global, mas não está cumprindo seus compromissos de mudança dentro e fora do país”, disse Hannan McKinnon, uma das autoras do relatório.