“Não é tímido, é bem próximo de 40% (…) Eu queria dizer só isso. Pedir a compreensão para o fato de que é uma tentativa forte do governo. Não é um fiasco, pelo contrário”.
Para quem tem a psicologia afiada, a maneira como a ministra Dilma Rousseff apresentou a proposta brasileira para Copenhague, na última sexta-feira, em São Paulo, parece reveladora.
No momento de apresentar uma meta surpreendente, até para os observadores mais otimistas, a ministra se preocupa em registrar que não se trata de um fiasco. “Não é tímido”, diz ela, fazendo uso do linguajar mais recorrente para qualificar metas climáticas (que ou são tímidas ou são ambiciosas).
Parece que a ministra já cansou de ouvir que as ações e promessas do governo no campo climático são sempre, e inevitavelmente, “tímidas”. E dá sinais de quem se deixou atingir pelas críticas a ponto de se antecipar a elas, mesmo quando o que se anuncia está mais para elogio.
Alguma coisa aconteceu com este governo, o que significa que alguma coisa aconteceu com esta sociedade. Nesta mesma época, no ano passado, tínhamos publicado uma reportagem super crítica sobre o Plano Nacional de Mudanças Climáticas. Naquele momento, o máximo que o governo se prestava a fazer era reunir, num mesmo balaio, todos os projetos e políticas que poderiam estar remotamente relacionados com a mudança do clima. Chamava-o de plano, na certeza de que sairia ileso de reprimendas.
As ONGs bradavam por metas quantificáveis, um número que pudesse ser cobrado depois. Agora, aí está o número, que se não pode ser chamado de meta, por causa de fricotes semânticos, é respeitável como ninguém poderia imaginar um ano atrás (quase 40% de redução em relação às emissões projetadas para 2020).
O que se passou com o governo tem a ver com a imprensa, tem a ver com a sociedade organizada, mas parece inegável que tem a ver sobretudo com o que se convencionou chamar de “efeito Marina”.
Ainda este ano publicamos uma reportagem que denunciava o descompasso entre sustentabilidade e política e o risco de um tema tão fundamental passar em brancas nuvens pelas eleições presidenciais. Pouco tempo depois, Marina Silva trocou de partido e tudo mudou. Se fizéssemos essa reportagem hoje, seria completamente diferente.
Não se pode ignorar: o que a meta brasileira tem de ambiciosa, tem de obscura. “O pior nem é não ter o inventário (de emissões, atualizado). É não ter a memória de cálculo. Não sabemos com que números o governo está trabalhando”, nos disse o Fábio Feldmann hoje, por telefone. Ou seja, sem que se conheça em detalhes os dados e as estimativas com os quais o governo compôs sua meta, fica difícil fazer uma análise criteriosa.
Mas nesta fase em que o símbolo de Marina Silva parece tão influente, dá para dizer que a proposta do Brasil também tem um efeito simbólico poderoso: o de impedir o retrocesso. Agora que os compromissos foram lançados e divulgados no mundo todo, é correr atrás de cumpri-los ou sofrer as consequências.