[Setores como saneamento, resíduos e transporte ferroviário, que devem ter maior participação de capital privado nos próximos anos, são fortes candidatos a estrearem nos títulos verdes. Foto: Isabel Cruz/ Flickr Creative Commons]
O Brasil já vivencia efeitos da crise climática, sejam físicos, sejam decorrentes de uma economia em transição. A economia real será afetada, exigindo que a variável “clima” seja incorporada às decisões de investimentos
Por Guilherme Teixeira*
O bom desempenho econômico de empresas líderes em sustentabilidade e as perdas financeiras associadas a grandes catástrofes socioambientais são evidências de que decisões de investimento não devem estar dissociadas da agenda de sustentabilidade. Para 2020, o cenário macroeconômico nacional, tendências internacionais e lições aprendidas nos permitem identificar alguns possíveis caminhos nos quais veremos o avanço da agenda de finanças sustentáveis no País:
- O clima exige mudanças
A inércia de alguns governos contrasta com os últimos relatórios científicos sobre o aumento da temperatura na Terra. O Brasil já vem vivenciando efeitos climáticos, sejam físicos (como escassez hídrica, ondas de calor), sejam decorrentes de uma economia em transição (como pressões de mercados europeus). A economia real será afetada, o que requer que a variável “clima” seja incorporada às decisões de investimentos.
Os bancos brasileiros devem avançar neste tema em 2020. A Febraban tem trabalhado para que o setor se alinhe às recomendações da força tarefa do Financial Stability Board sobre transparência de riscos financeiros associados à mudança climática. O BNDES não deve ficar de fora desta agenda, já que em 2019 atualizou sua Política de Responsabilidade Socioambiental para explicitar seu compromisso em apoiar a economia de baixo carbono.
- Efeitos práticos de compromissos voluntários
A sustentabilidade costuma avançar por meio de acordos setoriais voluntários. Se no passado eles se limitavam a intenções pouco práticas, hoje ações concretas tornam-se mais comuns. Mais de 200 investidores signatários dos Princípios para Investimento Responsável (PRI), incluindo o maior gestor europeu (Amundi) e dois nacionais (SulAmérica e Fama), se manifestaram recentemente requerendo do governo e do setor empresarial brasileiros ações para combater o desmatamento na Amazônia. Neste ano, novos engajamentos de investidores junto a companhias brasileiras devem acontecer.
Os Princípios para Responsabilidade Bancária (PRB) também devem motivar avanços. Equivalente ao PRI para o setor bancário, este acordo, assinado em 2019 por CEOs de 130 bancos (incluindo dois nacionais – Bradesco e Itaú), deve atrair novos signatários no País e ações iniciais para sua implementação.
- Aumento da lente ASG no mercado de renda variável
Em 2019, a B3 registrou recorde de empresas interessadas em integrar seu Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), um dos pioneiros no mundo. Com a queda de juros no País, a tendência é de novos IPOs em 2020 e maior oferta de fundos de renda variável.
Diante desta maior diversidade de ativos, passa a fazer mais sentido para o investidor entender quais têm maior probabilidade de perder ou ganhar valor por questões ambientais, sociais e de governança (ASG). Fundos de pensão e seguradoras brasileiras devem aperfeiçoar esta lente em 2020, tendo em vista o menor retorno de suas carteiras de renda fixa, as boas práticas dos pares internacionais e as resoluções do Conselho Monetário Nacional que exigem maior diligência em temas ASG.
- Debêntures e empréstimos rotulados para impacto positivo
Não são apenas investidores que veem na economia real oportunidades para negócios alinhados aos desafios socioambientais. Empresas já acessaram mais de US$ 600 bilhões no mundo por meio de títulos e empréstimos verdes (green bonds e loans).
No Brasil, o interesse vem crescendo: em 2019, nove debêntures tiveram parecer de segunda opinião atestando que o uso dos recursos será direcionado a projetos verdes. A provável expansão do mercado de debêntures certamente levará a números ainda maiores em 2020. Setores como saneamento, resíduos e transporte ferroviário, que devem ter maior participação de capital privado nos próximos anos, são fortes candidatos a estrearem nos títulos verdes.
Ainda discretos, empréstimos com taxas vinculadas ao bom desempenho ASG das companhias ou carimbados para financiar projetos com impacto positivo também são oportunidades para que as empresas se tornem mais sustentáveis e captem recursos com este direcionamento.
- Investimento responsável e de impacto acessível a pessoas físicas
A menor atratividade dos títulos do Tesouro tem contribuído para maior interesse das pessoas físicas no mercado de ações e renda fixa corporativa. Esse investidor é antes de tudo um cidadão que pode se preocupar com o que seu dinheiro nutre: uma empresa que não respeita os trabalhadores ou um negócio que ajuda a evitar as mudanças climáticas? Há também aqueles que já compreendem que investir em certos ativos desalinhados dos desafios globais de sustentabilidade significa perda de valor a longo prazo.
Em 2020, esse investidor terá mais acesso a produtos para investimento responsável. Nos últimos meses, novos fundos com este propósito foram anunciados por gestoras como SulAmérica e Warren. Soluções de investimento coletivo vem usando a tecnologia como aliada e devem permitir que mais pessoas invistam em pequenos negócios de impacto, como o caso da plataforma emprestimocoletivo.net.
É um novo ano com muitas oportunidades. Algumas previsões devem vingar mais que outras, mas a certeza é que o caminho das finanças sustentáveis é sem volta, especialmente se não quisermos abdicar de princípios para investirmos e se não ignorarmos o potencial de tornar o País mais forte economicamente, socialmente justo e respeitando os limites do meio ambiente.
*Gerente de Finanças Sustentáveis da Sitawi Finanças do Bem. É autor da série de publicações Caminhos da Responsabilidade Socioambiental no BNDES, engenheiro de Produção pela UFRJ e mestre em Sustentabilidade pela Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp).