[Imagem: Praça Ermida, em esboço de como ficará uma via do Jardim Lapena, na Zona Leste, um dos três bairros que acolheram o Pacto inicialmente]
Iniciativa da sociedade civil aposta no planejamento de longo prazo e no protagonismo dos moradores dos territórios para reduzir desigualdades nas grandes cidades. A busca de soluções apoia-se na governança compartilhada entre poder público e comunidades locais
A sociedade civil organizada da cidade de São Paulo está inovando no planejamento e na gestão do espaço público e acaba de lançar o Pacto pelas Cidades Justas. Trata-se de uma iniciativa que agrega 19 organizações comprometidas com a busca de soluções capazes de melhorar a vida das populações mais vulneráveis das metrópoles do País. O que as propostas têm em um comum é a aposta em uma governança compartilhada entre poder público e comunidades locais, chave para o desenho e a implementação de políticas efetivas, que estimulem a convergência de ações e serviços e que contribuam para a diminuição de desigualdades socioespaciais.
São consideradas “vulneráveis” as áreas que não têm condições básicas de saneamento, emprego e infraestrutura urbana, entre outros fatores. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), São Paulo é uma das metrópoles brasileiras que concentram mais territórios de alta vulnerabilidade, embora essa condição esteja presente em todo o País: em nota técnica sobre a dimensão territorial da pandemia de Covid-19, o órgão pondera que “outros tipos de mortalidade, tal como a materna e os homicídios, também são considerados epidemias, dada a disseminação pelo território brasileiro”. A precariedade socioeconômica torna as bordas das cidades mais suscetíveis às crises sanitárias e aos altos índices de violência; assim, ao lado da atual pandemia, é urgente pensar as “epidemias cotidianas”, como os altos índices de homicídio de jovens nas periferias e de letalidade policial.
O Pacto pelas Cidades Justas nasceu do diagnóstico de que a natureza setorial do Estado tem sido responsável pelo pouco êxito estrutural obtido no combate às desigualdades socioespaciais. Cada território possui sua peculiaridade, exigindo tratamento integral e coordenado e diferentes ações, sejam elas de saúde, educação, infraestrutura urbana ou assistência. É o protagonismo dos moradores desses territórios, somado à organização da sociedade e ao planejamento de longo prazo, que assegurará a prevenção e a solução dos problemas, em oposição ao já ultrapassado padrão histórico de ações isoladas, esparsas e descontínuas do poder público, sem efetiva participação popular.
A novidade do Pacto é a governança compartilhada com foco em ações intersetoriais: vários serviços e políticas em um mesmo lugar, com equipamentos públicos de educação e cultura, cursos de formação, assistência à saúde etc. Ou seja, o que se propõe é a união de instituições, movimentos de base e poder público, em um movimento de convergência no planejamento urbano que permita à máquina pública alcançar territórios e populações que costumam ficar à margem das iniciativas oficiais. A própria comunidade, as pessoas que moram ali, como guardiãs do planejamento local, tornam as ações do poder público, ainda que não integradas entre si, mais assertivas e certeiras.
O Pacto apoia-se no conceito do urbanismo social, que entende o planejamento urbano como um importante instrumento contra a violência das cidades. A eficácia desse conceito foi comprovada pela experiência de Medellín, na Colômbia, cidade que viu, em trinta anos, suas taxas de homicídios caírem de 380 para 20 por 100 mil habitantes, graças a uma transformação integrada de espaços e equipamentos públicos, novas soluções de mobilidade e um investimento contínuo em educação e cultura.
No Brasil, as soluções de Medellín inspiraram a construção dos Compaz, com equipamentos públicos instalados em áreas vulneráveis do Recife, que vêm diminuindo índices de desigualdade social na cidade. O sucesso de tais iniciativas se deve, principalmente, ao fato de que os projetos não são vinculados a uma única gestão ou um mandato, tendo sido mantidos pelas sucessivas administrações e se enraizado a partir da governança compartilhada com as comunidades.
Com esses princípios e exemplos como referência, o Pacto se apresenta à sociedade com soluções em andamento, tanto com o poder público, como com a população: já foi firmada com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo a assinatura de um termo de doação de metodologia, desenvolvimento e implantação do projeto envolvendo saúde, educação, cultura, habitação, transporte e criação e qualificação de equipamentos públicos ao redor de dois futuros CEUs (Parque Novo Mundo e Pinheirinho D’água, ambos na Zona Norte paulistana) e no Jardim Lapena, distrito de São Miguel Paulista, na Zona Leste.
O Pacto também integra o Programa Cidade Solidária, ao lado da Prefeitura de São Paulo, que destina milhares de doações para que territórios de extrema vulnerabilidade social enfrentem os efeitos da pandemia de Covid-19. A iniciativa consiste, portanto, num exemplo positivo de criação de pontes entre poder público e cidadãos, entre periferias e centros, para chegar a cidades efetivamente mais justas. Que o Pacto tenha vida longa e se espalhe pelo Brasil.
*Mariana Almeida, superintendente da Fundação Tide Setubal, professora do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper e doutora em Economia do Desenvolvimento pela FEA-USP.
**Tomas Alvim, editor, cofundador do Arq.Futuro, sócio da BEI Editora, co-coordenador do Laboratório de Cidades do Insper.