Não há solução fácil em sustentabilidade. Pesquisadores alertam que as baterias para carros elétricos poderão causar impacto ainda maior que o uso de combustíveis fósseis. Uma reinvenção profunda da mineração mais do que nunca se faz necessária
Ao longo da história, mineradores são vistos geralmente como pessoas e empreendimentos que criaram fortunas e proveram as matérias-primas que permitiram avanços estruturais e instrumentais, mudando o dia a dia e o futuro da humanidade. A partir de da década de 1970 e até os dias atuais, a indústria de mineração tem vivido sob constante pressão para se reinventar. Isso porque a sociedade em geral, aos poucos, começou a perceber os efeitos cumulativos de um desenvolvimento desenfreado combinado com um ascendente crescimento populacional.
A legislação ambiental introduzida no Hemisfério Norte nos anos 1970 e 1980 começa a delimitar sob quais circunstâncias a mineração seria permitida e, após um período de resistência por parte da indústria, a gestão do meio ambiente finalmente começa a ser internalizada como diretriz corporativa. A década de 1990 já chega com uma crescente em atitudes sociais e expectativas com relação às empresas. Muito disso se deve à globalização e à expansão da internet, o que fez também com que as comunidades impactadas pela mineração se organizem e tenham suas vozes ampliadas.
A mineração, então, torna-se uma atividade econômica questionada em várias partes do mundo quanto ao seu papel e sua contribuição para a sociedade. A atividade começa a ser classificada como uma indústria problemática e “mineração” torna-se um termo pejorativo em vários círculos, associado à poluição e impactos sociais. Com isso, amplifica-se a discussão sobre a relação que a mineração tem com o desenvolvimento sustentável. As empresas, um tanto confusas e reativas, também introduzem políticas e procedimentos em resposta às pressões, muitas respondendo somente quando são forçadas a agir.
É o início da conversa da “licença social para operar” na mineração. O tema, que ficou quente na década de 2010, teve e ainda tem dificuldade de se estabelecer de forma estruturada para toda a indústria no nível global. Os principais obstáculos são a falta de massa crítica e organização para conduzir tal mudança na indústria, e a ausência de um acordo sério entre as mineradoras e seus críticos sobre quais aspectos priorizar e resolver.
Com o tempo, iniciativas são desenvolvidas e se desdobram em novas associações, como o International Council on Mining and Metals (ICMM). Este conselho é criado para focar no desenvolvimento sustentável mineral, dando uma voz global para o setor sobre esse aspecto. A consequência é que atualmente grande parte das empresas no mundo está seguindo padrões internacionais e recomendações sobre como cuidar de sua responsabilidade com a sustentabilidade.
Ainda assim, conflitos envolvendo mineradoras, ativistas, ONGs e comunidades têm crescido muito nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a indústria continua respondendo de forma reativa, como nos casos do Investor Mining and Tailings Safety Initiative[1] e da Global Tailings Review[2], que surgiram depois dos rompimentos das barragens de Fundão, e em Brumadinho, ambas em Minas Gerais.
Um novo momento para a indústria
Com o avanço das agendas de sustentabilidade pelo mundo e o avanço da ciência no que diz respeito aos alertas do aquecimento global e da necessidade de adaptações climáticas contínuas, fica cada vez mais clara a transição dos sistemas de energia baseados em combustíveis fósseis para sistemas dominados por metais e minerais.
É assim que o boom das baterias para carros elétricos ganha força nos debates climáticos mundiais. Junto com a euforia dessa gigantesca mudança e repaginação da indústria de mineração, vem também a constatação por diversos estudos acadêmicos: a indústria não tem capacidade de produção para atender a essa nova demanda global. Os mercados atuais dos materiais que estão envolvidos na cadeia de valor para as baterias de veículos elétricos são muitas vezes pequenos e mal regulados.
Um caso que chama a atenção é a extração do cobalto. Este ano, o preço do mineral aumentou cerca de 40%. Um salto tão grande na demanda do cobalto em um país pobre como o Congo, que detém cerca de metade desse mercado, provoca uma tendência forte para práticas de corrupção entre políticos e agregados.
Fora que, quando se trata dos minerais de terras raras, a demanda seria duplicada a cada quinze anos para atender a crescente demanda. Atualmente, a China detém mais de 85% desses minerais em seu território, além de dominar dois terços dessa cadeia global. O monopólio tem sido visto como um grande risco e ameaça por outros países, principalmente os Estados Unidos.
De toda forma, a União Europeia (UE), que há mais de uma década reforça a necessidade da retomada da indústria mineira na região, devido à alta dependência de importação de minerais pelo continente, viu-se acuada. Ao mesmo tempo, tem se mostrado disposta a entrar nessa “corrida do ouro” para alimentar a cadeia das baterias. No final do ano passado, notícias pelo mundo alardearam o anúncio da UE de que o bloco seria autossuficiente em baterias já em 2025. Com uma capacidade de produção pronta para ser expandida, o continente já está construindo 15 fábricas de grande escala de células de bateria. Essas fábricas seriam capazes de produzir células para alimentarem pelo menos 6 milhões de carros elétricos em 2025.
O Parlamento Europeu veiculou uma proposta de um novo marco regulatório para baterias na região, enfatizando a necessidade de se estabelecer critérios de sustentabilidade. Startups europeias estão recebendo investimentos milionários para reverterem soluções em rastreamento e garantias sustentáveis na cadeia de valor das baterias. Recentemente, o jornal Financial Times divulgou um relatório das empresas europeias líderes em questões climáticas. A Boliden, uma mineradora sueca, foi a única empresa de metais e minerais a ser incluída no ranking. Seria esse o começo de um futuro mais verde e socialmente inclusivo para as mineradoras?
Cobre de um lado, descobre do outro
Sustentabilidade, mudança climática e transições para sustentabilidade são temas conhecidos como wicked problems. São assuntos complexos, é difícil entender por que começaram e quais são as melhores alternativas para solucioná-los. Por exemplo, estudos recentes mostram quão difícil é fazer os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU funcionarem na prática. Como os ODS são muito interligados entre eles, o progresso em um dos objetivos está também ligado a respostas complexas em relação aos outros. Ainda não existe uma avaliação completa sobre essas integrações e seus desafios.
Uma equipe de pesquisadores alemães desenvolveu um estudo com 227 países e suas metas nacionais para os ODS. Eles concluíram que existem os dez “melhores” pares e os dez “piores” em termos de sinergia ou trade-off. Entre os piores pares, sete deles envolvem o ODS 12 – Produção e Consumo Responsáveis. Segundo o estudo, isso significa, na prática, que investimentos responsáveis acabam, muitas vezes, por afetar negativamente outros ODS, como a redução da desigualdade, a eliminação da pobreza, questões sanitárias e de água limpa, bem-estar e saúde, qualidade da educação, equidade de gênero e fome zero.
Há um risco de que algo parecido seja o resultado dessa avenida na acelerada corrida das transições para sustentabilidade. Acadêmicos mais radicais, como Alexander Dunlap, já estão classificando a saída das baterias de carros elétricos não como uma alternativa que reduz os problemas associados ao atual uso dos combustíveis fósseis e não-renováveis, mas como uma solução que gera um impacto ainda maior do que o sistema atual – classificada, por isso, como combustíveis fósseis + (fossil fuel plus).
Fontes:
Danielson, L. (2006). Architecture for change: An account of the mining, minerals and sustainable development project. Berlin, Global Public Policy Institute.
Financial Times (2021). Special Report Europe’s Climate Leaders 2021. Link para acesso: https://www.ft.com/reports/europe-climate-leader
Lyra, M. G. (2019). Challenging extractivism: Activism over the aftermath of the Fundão disaster. The Extractive Industries and Society, 6(3), 897-905.
New Yorker (2021). The Dark side of Congo’s cobalt rush. Link para acesso: https://www.newyorker.com/magazine/2021/05/31/the-dark-side-of-congos-cobalt-rush
Pradhan, P., Costa, L., Rybski, D., Lucht, W., & Kropp, J. P. (2017). A systematic study of sustainable development goal (SDG) interactions. Earth’s Future, 5(11), 1169-1179.
Thomson, I., & Joyce, S. (2006). Changing mineral exploration industry approaches to sustainability. Special Publication-Society of Economic Geologists, 12, 149.
[1] Um esforço de engajamento iniciado por investidores ativos na indústria extrativa, tendo um comitê executivo comandado pelo Conselho dos Fundos de Pensão da Igreja Inglesa e pelo Conselho Sueco de Ética dos Fundos AP. Juntos, eles buscam maior transparência no setor com relação à gestão de barragens de rejeito.
[2] Uma iniciativa conjunta do ICMM, da ONU e do PRI (Princípios para o Investimento Responsável) para prevenir falhas catastróficas e aumentar a segurança das barragens de rejeito na mineração. O objetivo é cumprir a meta de zero danos às pessoas e ao meio ambiente, e tolerância zero para fatalidades.
*Mariana Galvão Lyra é pesquisadora em transições para sustentabilidade na Escola de Negócios da Universidade do Leste da Finlândia
[Foto: Georgie Sharp/ Flickr Creative Commons]