Quando trabalhava no departamento de Estudos Ambientais da Universidade de Newcastle, na Austrália, o filósofo Glenn Albrecht cunhou a expressão “solastalgia”. É uma junção de “solace” (consolo, em inglês) e nostalgia. Serve para descrever a sensação de angústia associada a mudanças no entorno natural de um indivíduo. Ou quando a noção de nosso lugar no mundo é violada
Por Ricardo Barretto*
No Vale da Grande Fenda, que pode separar um dia
o Chifre da África do resto daquele continente,
temores mais prementes abalam o povo Ogyek.
Guardiões da floresta Mau, invadida e agricultada,
assimilam vazio dissociando o elemento espiritual.
Conexões perdidas esgarçam junto identidades.
A orla mediterrânea da Espanha reconhece acanhada
que é insustentável buscar ano a ano areia de fora
para recompor o cenário de praias pela maré lavadas.
Artificiais, duram poucas semanas revigorando o verão.
E de novo serão desfeitas pelo mar que só aumenta,
enquanto rios canalizados não mais trazem substrato.
Na Volta Gande do Xingu, os indígenas estão barrados,
não ganham mais o mundo pelo rio, o peixe minguou,
a ancestralidade Arara perdeu pulso para se perpetuar.
Lá longe, São Paulo, afeita ao progresso, vê no concreto,
que insiste em brotar do chão e das leis, escoar afetos
e sentido de pertencimento à urbe que é caos mas é lar.
Diferentes realidades e intensidades de testemunhar
o significado da palavra estranha, solastalgia, que ecoa
em lugar alterado, erodido de memória e modos de habitar.
Reforço da condição de que mente não só sente ambiente
mas por ele se estende, se afeta, configura e corporaliza
em relação que, não só simbiose, expressa totalidade.
Floresta é nosso pai, terra é nossa mãe e rios que correm
são nosso sangue, diz Laetania do povo Dayak de Bornéu.
Mais do que metáfora ou mito é possível resgatar nisso
o estado de ser ambiente, mente, corpo. Simultaneamente.
Portanto é solastalgia saudade habitada… Por tantos, evoca
coragem de imaginar e mudar para acolher morar pertencido.
*Comunicólogo e educador somático. Pesquisa relações entre o corpo vivo, fluxos comunicativos e o ambiente. Diretor do ConeCsoma (www.conecsoma.com.br)