Há alguns anos pequenas empresas européias começaram a buscar maneiras de compensar emissões de gases de efeito estufa causadas, por exemplo, por viagens aéreas de seus funcionários e eventos que promoviam. A partir daí, projetos do gênero aumentaram em tamanho e número, e, há dois anos, uma ONG, a Iniciativa Verde, foi formada visando compensar emissões de corporações e grandes eventos através de restauro florestal de matas nativas em áreas degradadas de preservação permanente.
O novo preceito valia-se de metodologias aprovadas pela ONU e representava um vetor de combate ao principal responsável, no Brasil, pelo agravamento do efeito estufa, o desmatamento. Com esse mecanismo inédito, os projetos de neutralização de emissões têm ganhado muitos adeptos e alguns críticos. Experiências fantásticas às vezes confundem-se com atitudes de agentes financeiros que tentam apenas se valer de um momento de mídia. Num ambiente tão repleto de diversos tipos de adesões e proponentes, a principal dúvida diz respeito à efetividade dos projetos de neutralização de emissões e a sua significância cultural e comportamental.
A civilização tem passado por importantes mudanças de comportamento ao longo da história. Talvez as mais cruciais sejam derivadas de grandes crises — como pestes, guerras, perdas irreparáveis de capacidade de produção, crashes econômicos — ou de novos contextos, como a revolução do acesso a informação propiciada pela internet. Quando pensamos em fazer frente às mudanças climáticas, a alteração de comportamento poderá decorrer tanto de grandes catástrofes ou seus efeitos quanto do surgimento de oportunidades geradas pelo engajamento em tentativas de mitigação do problema.
Impõe-se, portanto, uma questão: quais são as iniciativas capazes de estabelecer um círculo virtuoso baseado em práticas redutoras de impactos ambientais e na indução de mudanças comportamentais?
Se “nós construímos a realidade que nos constrói”, como dizia Edgard Morin, temos de atentar para a existência dos ciclos comportamentais, virtuosos e viciosos, na sociedade contemporânea como balizadores dos nossos modos de vida, e também de nossa capacidade, como coletividade, de assimilar mudanças.
O mecanismo voluntário da compensação de emissões de gases de efeito estufa por restauro de mata nativa tem um resultado objetivo e uma série de outros, indiretos. Parte-se de um levantamento de emissões causadas por atividades industriais, coletivas ou individuais. Os métodos de cálculo devem ser públicos, disponíveis em diversos sítios da internet, inclusive o da ONU, e devem permitir a utilização de ferramentas de cálculo freeware, que podem ser baixadas por qualquer cidadão do mundo. Basta, para sua adoção correta, um mínimo de familiaridade com conceitos de física e com a atividade a ser compensada. Os critérios para a determinação da mata nativa de compensação deveriam também seguir o mesmo princípio. Claro que a atividade de implementação de unidades de restauro é mais complexa e deve atender os critérios relativos a perpetuidade, resgate de biodiversidade, combate a desertificação, preservação de recursos hídricos, entre outros.
As ações voluntárias de compensação de emissões de gases de efeito estufa que defendemos contemplam os critérios internacionalmente aceitos para levantamento de emissões e de quantidade de mata nativa a ser restaurada, os parâmetros de sustentabilidade das áreas de restauro e ainda, de quebra, o envolvimento efetivo dos representantes das empresas interessadas na discussão sobre os procedimentos a ser adotados.
Desde que estabelecemos esse mecanismo no Brasil não tivemos um único caso em que a decisão de implementá-lo, por parte de uma empresa, não tenha resultado em elevação do nível de conscientização sobre o tema no interior da corporação. Isso, acreditamos, se deve a duas características do processo.
O cálculo correto tanto dos impactos ambientais envolvidos quando da extensão e complexidade do restauro correspondente evidencia, para todos os envolvidos, a natureza do problema com que se está lidando e o grau de engajamento necessário para que se obtenham ganhos ambientais, sociais e corporativos reais e consistentes. Além disso, a imprescindível transparência e o caráter público de todas as etapas elevam a ação adotada, mesmo quando inicialmente pensada apenas como alternativa de marketing, a um novo patamar de legitimidade social.
Vejamos um exemplo concreto, e curioso. A neutralização das emissões do lançamento da nova turnê da banda Jeito Moleque, no Claro Hall, em 2006, no Rio de Janeiro.
Mudança de comportamento
O resultado prático imediato foi o plantio de 100 mudas em área de preservação permanente, mata ciliar, no município de São Carlos (SP). No show houve a presença de 5 mil pessoas, quase todos adolescentes, que viram um vídeo de 10 minutos explicando o efeito estufa e a importância da neutralização e do restauro de mata nativa. Os mais de 5 mil folhetos do lançamento do “Jeito Moleque Verde” esgotaram-se em minutos e, posteriormente, o público pôde, ao entrar no site da banda, rever dados do projeto e começar a entender em que consistem as mudanças ambientais em curso e os novos comportamentos necessários para lhes fazer frente.
A partir daí, os principais shows da banda – que tem público recorde na rede de relacionamento Orkut – vêm seguindo a mesma lógica, e hoje ela já inicia outros projetos socioambientais, motivados pelo sucesso do primeiro.
O Jeito Moleque, sozinho, não salvará o planeta. Mas pôs em movimento um círculo virtuoso de redução de impactos, disseminação de informações e valores, e indução de mudanças comportamentais que pouca gente, até então, associaria a um grupo de pagode.
A discussão está aberta e sempre precisando de aperfeiçoamentos e de sábios apontamentos. Partamos apenas das mesmas premissas de transparência, consistência, coerência e eficácia para que possamos evoluir com esses mecanismos e estabelecer outros, talvez mais interessantes e eficazes. Lembrando sempre que mudar uma realidade é algo a ser feito na prática.
Francisco Maciel é diretor da ONG Iniciativa Verde.
Este artigo dá continuidade a um debate sobre neutralização de carbono iniciado na edição 6 de Página22.