Em sua edição de abril, a revista The Atlantic revelou como uma parte da elite planetária encara as mudanças ambientais, econômicas e sociais que o aquecimento global poderá causar. O título da capa anuncia “oportunidades quentes” e o subtítulo explica: “Quem perde – e quem ganha – num mundo em aquecimento”.
Ao longo da reportagem, de Gregg Easterbrook, pouco se diz sobre perdas e perdedores. O leitor é apenas brevemente lembrado de que fome, sede, doenças e guerras poderão dizimar as já depauperadas populações de países situados a baixas latitudes.
Para o Brasil, o cenário aventado é o de uma tamanha piora das condições climáticas em regiões densamente povoadas, como São Paulo, que uma invasão da Argentina em busca de áreas mais habitáveis se apresentaria como séria possibilidade.
Mas o foco de Easterbrook são os prováveis futuros vencedores – que não se diferem muito dos atuais. “O que eu ganho com isso”, pergunta o repórter, sendo “eu” o leitor e “isso”, o aquecimento global.
“Quase todos os benefícios (…) deverão se concentrar no Alasca, no Canadá, na Groenlândia, na Rússia e na Escandinávia”, prevê a matéria, pródiga em dicas para ajudar o leitor-investidor a pôr seus dólares em terras distantes de futuras temperaturas abrasadoras, secas ou inundações.
A reportagem também aborda a dimensão geopolítica e, à idéia corrente de que a China será a próxima superpotência a desafiar os EUA, o autor contrapõe a hipótese de que uma nova ascensão russa ressuscitaria uma rivalidade do século passado, “mas, desta vez, numa guerra do aquecimento em vez de uma Guerra Fria”.
No fim do texto, outra questão é formulada: se as mudanças climáticas podem dar lucro, por que tentar mitigá-las? Segundo Easterbrook, a tentativa faz sentido, principalmente porque quem está na liderança não deve arriscar sua posição permitindo mudanças drásticas demais, com alto grau de incerteza. Ao identificar a principal meta que os americanos devem ter em mente, o autor não menciona prevenção a hecatombes em outras paragens, apenas a manutenção do poder dos EUA.
A The Atlantic comemora 150 de existência este ano. Lida atualmente por 1,5 milhão de americanos, a publicação foi criada por abolicionistas, inspirados pelo ideal da igualdade entre os homens. Hoje, em resposta à crença comum de que a iminência de catástrofes ambientais colocará todos nós, a humanidade, num mesmo barco, os caras-pálidas que seguram o leme da revista retrucam em uníssono com muitos dos poderosos do mundo: “Nós quem?”