A região do Médio Juruá (AM), antigo berço de movimentos sociais contra a exploração injusta do trabalho extrativista nos seringais, é hoje reconhecida como um polo de referência na organização comunitária, fundamental para o sucesso das relações do território com poder público, instituições de pesquisa, ONGs e empresas no contexto da bioeconomia.
Óleos vegetais para a indústria de cosmético, borracha, açaí e pirarucu – carro-chefe dos produtos da sociobiodiversidade na região – são responsáveis por 50% da renda familiar, complementada pela aposentadoria dos idosos, Bolsa Família e outros auxílios sociais, movimentando a economia local. “Hoje o modelo está sendo replicado em outras áreas da Amazônia”, revela Ronnayana Silva, coordenadora de programas territoriais da Sitawi, instituição responsável pela gestão do Projeto Território Médio Juruá (PTMJ).
A iniciativa nasceu em 2017 como estratégia coletiva no âmbito do Fórum Território Médio Juruá, instância que reúne cerca de 20 membros entre organizações de base comunitária, instituições de apoio técnico e empresas. Com R$ 7 milhões da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), somados a uma contrapartida de igual valor da Natura e Coca-Cola, a primeira fase do projeto refletiu o diferencial da abordagem integrada dos componentes econômicos, ambientais e sociais. Além da conservação de quelônios e do apoio a cadeias produtivas de óleos vegetais, as ações abrangeram investimentos em educação, comunicação, energia elétrica e acesso à internet.
Após três anos, a segunda fase recebeu um total de R$ 6 milhões para evoluir nas estratégias anteriores e incluir a formação de novas lideranças e mulheres empreendedoras. Diante do avanço da criminalidade em áreas remotas da Amazônia – problema que culminou no assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari em 2022 –, o projeto no Juruá mobilizou iniciativas para o fortalecimento de salvaguardas, defesa de direitos e monitoramento dos territórios. A tentativa de invasão de reservas ambientais da região por balsas de garimpo acendeu o sinal de alerta.
Com a organização comunitária fortalecida, o território atrai atenção dos serviços públicos e instituições da sociedade civil para novas parcerias e investimentos no empreendedorismo, além da educação, melhorias de infraestrutura nas comunidades e outras soluções para a qualidade de vida na floresta como estratégia para mantê-la viva.
Nas cadeias produtivas, o principal resultado foi a consolidação do manejo sustentável do pirarucu, peixe amazônico que atualmente gera renda de R$ 6 mil por safra para cada produtor. No médio-Juruá, 350 famílias dependem do pirarucu para o sustento, mas há o desafio de preços mais justos. Estudo da Sitawi indica que o valor razoável para remunerar os manejadores precisaria considerar custos atualmente não previstos, como o trabalho das comunidades na vigilância dos lagos contra a pesca predatória.
“Queremos uma central de distribuição do pirarucu em Manaus e de lá chegar a outras capitais, com qualidade e melhores preços”, revela Manoel Cruz, diretor da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), que fatura R$ 10 milhões ao ano, também com a venda de borracha, açaí e óleos vegetais. O cenário de tradição na organização social atrai número crescente de parcerias em projetos de melhorias socioprodutivas, como as apoiadas pelo Fundo JBS, com aporte de R$ 4 milhões em três anos, e pelo Fundo Vale, de R$ 6 milhões. O BNDES analisa o aporte de R$ 38 milhões para estruturar a logística e consolidar as principais cadeias produtivas da região.
No PTMJ, a prioridade neste ano é investir em arranjos produtivos para reforçar a cadeia de oleaginosas que no passado já foi mais desenvolvida a partir do uso tradicional do óleo de andiroba, ucuuba e murumuru. O projeto pretende fazer esse bioproduto gerar pelo menos R$ 2 mil de renda por família ao ano. Em paralelo, estão ações de fortalecimento do associativismo, com formação de jovens lideranças para garantir maior autonomia e preservar a história de tradição na organização comunitária.