Das agroflorestas às indústrias, o caminho do bioinsumo amazônico transformado em chocolates reúne interações coordenadas entre os diferentes segmentos com vistas à produção que busca critérios de sustentabilidade. “O engajamento cria sinergias para evitar duplicidade de esforços e investimentos, e colocar todos na mesma página”, afirma o consultor Guilherme Salata, coordenador da CocoaAction Brasil.
O arranjo pré-competitivo público-privado articula setores em prol do desenvolvimento sustentável, com base nos desafios comuns da cadeia produtiva do cacau e chocolate, que no Brasil – sexto maior produtor mundial – movimenta R$ 21,6 bilhões ao ano. “Antes o setor trabalhava de forma isolada e mal conseguia estabelecer um diálogo”, revela Salata. “Como projeto pioneiro inovador, foi preciso inicialmente construir relações de confiança para a cooperação”.
Criada em 2018 pela Fundação Mundial do Cacau, que abrange globalmente mais de 100 corporações com 80% do mercado em todos os segmentos, a iniciativa brasileira tem a característica de lidar com a realidade produtiva nacional, dentro do ambiente institucional e regulatório do País. A CocoaAction Brasil é financiada por oito empresas (três processadoras de cacau e cinco fabricantes de chocolate), entre mais de 40 atores que integram a rede. São entidades do setor público federal e estadual, Terceiro Setor, instituições de pesquisa, cooperativas e outras formas de representação dos produtores.
Na agenda comum e participativa, são desenvolvidos programas colaborativos voltados a soluções dos principais gargalos e fomento de um ambiente facilitador de negócios, com impacto transformador – tanto na melhora de produtividade e rentabilidade dos produtores, como na adoção de práticas sustentáveis.
Termo de cooperação com a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), órgão do governo federal, prevê o Plano Inova Cacau 2030, com metas de ciência e tecnologia para o desenvolvimento da cadeia produtiva com critérios socioambientais e econômicos, garantindo rastreabilidade do produto. O objetivo é tornar o País autossuficiente em cacau até o fim da década.
No Brasil, avalia Salata, “o maior desafio é o da baixa produtividade, devido à falta de assistência técnica, crédito e mão de obra, e há espaços para avanços nesses quesitos com vantagens para o País”. No projeto Cacau 2030, financiado por empresas e parceiros, a CocoaAtion implementa atividades de campo, como as que fortalecem cooperativas no Pará. Na região, a rede contribuiu na normativa para recomposição de Reserva Legal das propriedades rurais com cacau em sistemas agroflorestais (SAF), com retorno econômico nas áreas de restauração. “Em locais de pastagens degradadas, o modelo passou a ser uma grande alternativa, e com os atuais preços do cacau em alta histórica, é ainda maior o atrativo”, destaca Salata.
As ações estão baseadas nas diretrizes de um Comitê Nacional composto por um corpo técnico para orientar prioridades e decisões de sustentabilidade. Boa parte da plataforma está no âmbito virtual, mas há iniciativas de campo, oficinas de engajamento e participação de eventos, como o Fórum Anual do Cacau, que na última edição reuniu 600 produtores e representantes da cadeia.
O ambiente saudável de diálogo atrai novas parcerias com instituições que atuam no setor, como Solidaridad, TNC e Ipam, conciliando agendas e potencializando impactos positivos. Em cooperação com a Conexsus, ONG que apoia negócios comunitários, a CocoaAction conecta cooperativas para expandir a assistência técnica aos produtores. E está sendo discutida parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) no sentido de investir na formação para ampliar a rede de técnicos em extensão rural.
Na visão de Salata, desafios complexos precisam de soluções inovadoras e será difícil avançar sem interações em rede. “O modelo traz legitimidade; sem ele o processo ficaria mais longo e não temos mais tempo a perder diante do cenário da Amazônia na urgência da agenda climática”. Ele lembra que a questão ganha força em 2025, quando o País sediará o Partnership Meeting, maior evento global de sustentabilidade do cacau, em São Paulo – e também a COP 30 do clima em Belém.