Relatos de quando a retirada é a melhor forma de se fazer presente
“Se você quer um peixe pequeno, pode pescar em água rasa. Mas, para algo maior, terá de ir buscar em águas profundas”
(David Lynch, cineasta americano, praticante da meditação há 35 anos, duas vezes por dia)PUBLICIDADE
O não sincronismo entre os ritmos do capitalismo e o da manutenção e regeneração da vida na Terra ecoa, primeiro, dentro de cada um. Num disparate entre os ritmos internos e externos, podemos pensar que acumulamos diferenças diariamente (como a que existe entre o prazo que me pressiona a escrever esta matéria versus meu desejo/necessidade de convivência maior com as fontes ouvidas, num outro lugar e com mais tempo). Para transpor as experiências colhidas, pratiquei meia hora de uma técnica de meditação. Que tempo é esse que me permiti? Sair minimamente das demandas e condicionamentos que me deixavam ansiosa, o prazo, o barulho da rua (fechei as janelas), o correio eletrônico, e me conectar comigo.
Tempos maiores ou menores nosso corpo pede, há chamados ao longo da vida, resta saber se vamos atendê-los – ou se podemos atendê-los. Essas suspensões ou mergulhos para uma volta mais equilibrada, numa outra direção, ou para um simples bem-estar podem ocorrer de várias formas.
A pressa está aí, os estímulos múltiplos e simultâneos da informação, da tecnologia e do consumo parecem que nos vão paralisar ou então nos deixar bem loucos. Página22 foi atrás de histórias de quem submergiu em outros tempos, maiores ou menores, em buscas pessoais e profissionais. Anos sabáticos*, retiros espirituais ou a inserção da meditação no meio de um dia. As empresas e instituições também têm aderido a essas práticas. Para questões cada vez mais complexas, as soluções pedem mergulhos na intuição, momentos de silêncio e, então, a criação, como veremos a seguir.
*O termo é derivado de “sabá”, o qual vem do hebraico shabbath, que no Gênesis refere-se ao descanso do sétimo dia, após os seis dias de trabalho na criação do mundo. A palavra assemelha-se ao verbo shavat, que significa “cessar”.
Tem gente que o sabático mudou até o nome. Fábio acrescentou o “Novo” – permanentemente – ao seu nome depois de três anos em plena ação para mudanças de vida. Ele se deu dois anos sabáticos. “Foram situações em que estava fora de sintonia comigo e pude me realinhar com esses tempos e espaços e definir o que fazer a partir daí.”
O ano sabático, grosso modo, seria um período em que a pessoa não trabalha, viaja e pensa na vida. (Mesmo depois de “meditada”, foram várias interrupções, a faxineira, o telefone, presente, passado, futuro, como é difícil concentrar-se aqui). Desprogramar, descondicionar, deixar de vez velhos preconceitos, hábitos, crenças é o caminho normalmente perseguido pelos sabatizados.
Na primeira vez, Fábio tinha um cargo importante numa empresa de celulose, com grandes responsabilidades, quatro anos sem férias. Em um determinado momento, percebeu que as pessoas em volta falavam coisas que não lhe interessavam. O que estou fazendo aqui? Qualosentido disso tudo? Então seguiu o chamado e passou um ano em Nova York, tinha claro que queria estudar novas mídias, aprofundar-se naquele momento de boom da internet, 1997. Não trabalhou, mas estudou e foi atrás da intuição daquela hora. “Já que a ideia é ter abertura, muitas vezes a pessoa não faz um roteiro e acaba se perdendo. É bom ter a abertura, mas planejar um pouco, não soltar totalmente e se planejar financeiramente”, aconselha.
Em práticas como a Teoria U*, aplicadas na busca de soluções em empresas, projetos, grupos, o mergulho interno é fundamental, em que são usadas técnicas de meditação, relaxamento, mas o externo e prático têm importância equivalente. “É preciso conhecer a realidade, há um momento de imersão e silêncio para uma volta criativa, ativa, colaborativa”, explica a representante do programa Reos no Brasil, Mille Bojer. O Reos se inspira na Teoria U em suas práticas.
*O professor do Massachusetts Institute of Technology Otto Scharmer entrevistou dezenas de líderes das mais diversas áreas para entender melhor as inovações do século XXI, a tomada de decisões e as soluções para problemas complexos. O resultado é a criação da Teoria U, que tem sido adotada por empreendedores e organizações.
Na volta a São Paulo, Fábio tinha algumas clarezas: trabalhar com comunicação, público jovem, ambiente mais leve, juntar música, cultura e, de preferência, perto de casa. Cheio de gás e determinação, foi bater na MTV com um projeto sobre redes sociais, fruto da experiência acumulada no sabático. Passou três felizes anos na diretoria de marketing e internet da rede de televisão, “um período realizador, divertido, bacana”.
Até que bateu a insatisfação. Tirou férias e foi para Caraíva, na Bahia, mas não queria voltar. “As férias são como minissabáticos, por isso o mal-estar generalizado da volta. Você experimenta uma conexão maior consigo por um pequeno período e, de volta pra casa, os desajustes parecem saltar na sua frente.”
Chamada para o segundo sabático. O primeiro teria sido uma aproximação muito boa com o que ele desejava, mas o modelo de vida permanecia mais ou menos o mesmo e a intuição pedia mais. “O segundo foi abandonar radicalmente tudo e me jogar numa viagem que eu não fazia ideia do que seria, tanto geográfica como internamente.”
E o medo? “Na hora não tive, foi uma coisa incontrolável, fiquei com uma mochila e fui. Tive medo no meio, estava na Ásia, e me perguntei o que estava fazendo. Tive receio de perder o fio da meada. Às vezes, por causa do medo, a gente dá um upgrade no software, mas não troca o sistema operacional, sabe? Nesses processos, é tudo ou nada.”
Dos 37 aos 40 anos, Fábio foi atrás de um sentido. “Tive muita ajuda, fiz diversos retiros de meditação, yoga, taoismo, estudei budismo, pratiquei budismo, fiz trabalhos psicoterapêuticos, de respiração, massagens, trabalho corporal, vários tipos de trabalho energético, viagem astral, fui estudando e escrevendo. Tinha livros e cadernos, basicamente. Aluguei o loft onde morava para uma escola de yoga, tive o insight que ia demorar, que eu precisaria de um tempo e não aguentaria trabalhar. Vivi nesse período muito modestamente.”
Hora de emergir
Fábio voltou do sabático fazendo trabalhos voluntários, aos poucos, integrando todas as informações e reflexões colhidas, conectou-se ao Terceiro Setor e definiu-se terapeuta. “Pessoal, estou voltando ao planeta Terra”, anunciou. A casa antes alugada para uma escola de yoga – o que lhe garantiu custear os anos sabáticos – foi retomada em compartilhamento e se transformou num espaço que oferece múltiplas técnicas de meditação, yoga, autoconhecimento, direcionamento pessoal e profissional. Um espelho da jornada do agora Fábio Novo.
Foi ele quem introduziu a meditação na vida de Rodrigo Bandeira de Luna. Por meio de cores e imagens, ele induz o pensamento em três momentos durante o dia e garante que, quando “volta”, está mais em paz e consegue agir mais conscientemente. “A meditação elimina o desperdício de energia e de informação. Ela me mostra qual é a minha, o meu papel consciente. O que é realmente importante aparece depois da meditação. Se estou em paz, transmito para o ambiente onde estou”, explica Rodrigo.
Há preconceito em relação a ouvir a intuição ou assumir práticas espiritualizadas, concorda Mille Bojer. “Mas o importante é que existe o lado prático disso tudo. As soluções antigas não funcionam mais, quem se envolve nesses projetos e práticas tem a sensação de que é preciso algo novo. Essas pessoas partem de um desconforto com o status quo. Muitos são céticos, mas, se você oferece o es paço de mudança, elas percebem que podem chegar aonde desejam”, afirma.
Mas espaço e tempo é só para quem pode? Quer dizer, só classes sociais abastadas se dão esse direito? Fábio acredita que não. “É humano, cósmico e universaloquestionamento. Todos nós em algum momento da vida, pelo menos uma vez, teremos essa abertura, esse chamamento, isso transcende o nível intelectual e social.”
Lembrando aqui, nos “finalmentes”, que Fábio, Mille e Rodrigo usam e abusam da tecnologia. “Você pode estar com a vida aparentemente igual, com carro, casa, iPhone e todo o aparato tecnológico: o que muda é o nível de consciência, estou conectado com tudo, mas, primeiro, comigo.”