Após 70 anos de hegemonia política de um único partido, os eleitores do México já pediam mais promessas que realizações. Essa história, contada pelo cientista político Fernando Luiz Abrucio, demonstra que a política não pode viver só de continuidade, mas também de novas ideias e propostas. No entanto, a democracia não é para os impacientes. As boas inovações, diz ele, são aquelas que se submetem reiteradamente à negociação e ao debate.
É por isso que Abrucio, também professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV), prefere os incrementos pontuais às grandes reformas, que ele chama de “momentos mágicos”, mais afeitos aos regimes autoritários que aos democráticos. Se a disputa eleitoral à Presidência tornou-se plebiscitária, ou mais do mesmo, para o professor isso é sinal de amadurecimento democrático do País. Antes de ser monótona, a escolha do eleitor seria a busca do equilíbrio entre inovação e consolidação do que dá certo.
Não faltaram, nesta entrevista, críticas ao jeito “futebolístico” de fazer política que situa os dois principais partidos do período eleitoral numa polarização inexorável. E também à elite social brasileira, que deveria “reclamar menos e participar mais”. Para quem procura uma gota de fé no oceano de decepção democrática, Abrucio é endereço certo.
Já houve teorias políticas que questionavam na prática a soberania popular, indicando que em todas as sociedades há sempre uma minoria detentora do poder em detrimento da maioria que dele é privada. A democracia substancial, o governo do povo para o povo, é uma utopia?
Embora exista a teoria das elites, embora se acredite que na democracia é importante ter boas elites, os primeiros elitistas não eram democráticos. O primeiro elitista democrático foi o (Max) Weber. Foi o primeiro a dizer que a democracia é inexorável, indispensável no mundo moderno. Eu diria que a ideia do governo do povo para o povo e pelo povo é uma ideia reguladora, para usar um termo clássico do (Emmanuel) Kant. De fato, os governantes são eleitos pelo povo organizado politicamente e há processos de checks and balance e de accountability que levam os governantes a responder ao povo. E o povo tem chance de participar da política para além da eleição. No caso brasileiro, conselhos de políticas públicas, o Ministério Público… Há vários instrumentos nas democracias pelo mundo que levam à participação além da democracia eleitoral, porque senão nós estaríamos condenados à praga dita pelo (Jean-Jaques) Rousseau. Ele odiava os ingleses, e dizia que o povo inglês era o mais soberano no dia da eleição, e deixava de sê-lo no dia seguinte.
Isso se aplica ao Brasil?
Esta é uma crítica à democracia de maneira geral. Mas o Brasil, como outras democracias, não é apenas uma democracia eleitoral. Nós tivemos recentemente um referendo em relação ao controle de armas e leis vindas de iniciativa popular, com o projeto “Ficha Limpa”. É claro que, para que esses instrumentos funcionem, a democracia eleitoral tem de ser de boa qualidade.
Não haveria então uma desproporcionalidade entre o poder da classe política e o do eleitor?
Aí tem a ver com características do sistema político dos diversos países, que podem dificultar a convivência entre a democracia representativa e a semidireta. No que se refere à distância da classe política em relação à sociedade, há características do sistema político-administrativo brasileiro que de fato dificultam accountability e a participação do cidadão. Acho que é essa a discussão. Não que no Brasil não haja democracia, ou que no Brasil não haja uma soberania popular. O que se pode dizer é que é possível e necessário aperfeiçoar constantemente os mecanismos democráticos.
A democracia econômica seria uma desses elementos? De que serve a democracia política sem o equilíbrio nas condições de acesso da população a tudo o que a sociedade produz?
Isso remete ao Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia, que definiu a liberdade como a liberdade de escolha. Para isso é fundamental ter democracias, modos e modelos democráticos, mas também que haja condições sociais que favoreçam as escolhas dos indivíduos. No caso da sociedade brasileira, é preciso democratizar mais a informação. É preciso aumentar a escolaridade média. Quanto mais essas condições estiverem presentes, melhor a qualidade da democracia.
Fala-se em eleições presidenciais plebiscitárias, este ano. Ao mesmo tempo, alguns analistas apontam que nem isso se tem, já que haveria mais semelhanças que diferenças entre as duas grandes forças políticas brasileiras. A escolha do eleitor caiu em monotonia, uma não escolha?
Acho que é difícil falar em não escolha, porque o Brasil teve durante longos anos um regime autoritário. O nosso avanço é muito grande. Muitas vezes, no Brasil, as pessoas se esquecem do que foi feito nos últimos 20 anos. Haver certa quantidade de ideias semelhantes não é ruim para a democracia. Se a democracia fosse o terreno do tudo ou nada, as chances de quebras democráticas seriam muito altas, como, aliás, aconteceu muitas vezes em países da América Latina. Se você tem uma situação de tudo ou nada, o perdedor tem pouquíssimo compromisso com a democracia. E o vencedor, se perceber reações do perdedor, dará um golpe. Isso ainda acontece em grande parte do mundo. Talvez na maior parte dos países haja um pequeno grau de continuidade na agenda pública e isso se reflete na verdade em autoritarismo, não em democracia.
Seria então um sinal de maturidade democrática?
Sim. A candidata Marina Silva concorda com boa parte das coisas que PT e PSDB fizeram, embora não seja uma candidata do arco plebiscitário. E duvido que ela consiga criar uma proposta muito diferente. Nós viemos de uma longa jornada de amadurecimento democrático, e esse amadurecimento significa ter agendas públicas para além dos partidos em ocasião. Há diferenças de biografia entre os candidatos, no modo de fazer política e até no terreno das ideias. De fato, comparando (o governador de São Paulo, José) Serra e Dilma (Rousseff, ministra da Casa Civil), não há grande diferença como alguns esperariam, mas há alguma.
E o que pode ser alternativo? O que significa ser progressista hoje no Brasil?
Quem quiser ser progressista precisará também de continuidade com as políticas existentes, não vai poder inventar a roda. Novamente citando a Marina, a política macroeconômica dela mudaria muito? Acho que não. Ela mudaria as políticas de transferência de renda? Acho que não. O que ela pode mudar são outras questões, o modo de relacionamento com o Congresso, a política ambiental. A eleição também é escolher aquele que terá melhor capacidade de continuar o que está dando certo.
Mas claro que é bom ter alternativas. Quando o PRI (Partido Revolucionário Institucional) dominou por mais de 70 anos a política do México, num desses comícios ao final do regime tinha uma faixa de eleitores dizendo o seguinte: “Chega de realizações. Queremos promessas”. Isso é importante do ponto de vista democrático. Claro que as pessoas não querem apenas continuidade. Querem ideias novas, problemas e questões novas.
No programa feito no congresso do PT, há uma ênfase muito grande em educação, ciência e tecnologia que não há no governo Lula. Desde que Marina se apresentou como candidata, tanto o governador Serra quanto a ministra Dilma se tornaram mais ambientalistas, digamos assim. Nesta eleição vai haver mais continuidade do que mudança, mas algum espaço de mudança há. O voto do eleitor é uma combinação entre essas duas coisas. A questão educacional, a urbana e a ambiental são temas que devem ter um espaço maior do que tiveram em outras eleições.
As regras do jogo democrático compõem um campo fértilou refratário para essas novas ideias e temas, que possam se transformar de promessas em realizações?
É como se diz em administração pública: nem toda inovação é boa. Na Venezuela, as inovações são enormes com o presidente Hugo Chávez. Mas eu acredito que a maioria delas não é de boa qualidade. Acho que a inovação pode se tornar positiva, quanto mais debate público houver.
No caso brasileiro, melhor seria se as campanhas fossem mais longas. O Brasil optou, na década de 90, por uma redução do período efetivamente eleitoral. Isso é um equívoco. Para o eleitor, quanto maior o tempo de debate, melhor. Aí é possível criar inovações boas, não questões apenas inovadoras e mal formuladas. Outra coisa é a existência de prévias nos partidos, ao estilo das primárias americanas. Acho que o Brasil ganharia muito se houvesse primárias, que fossem pelo menos um ano antes das eleições.
Mas, além das eleições, é comum associar-se a postergação de reformas ao fato de que os responsáveis por realizá-las não estão interessados em mudar o status quo. O exemplo mais recorrente seria a reforma política. É possível romper essa lógica?
Tem havido reformas políticas no Brasil desde 1988. A ideia na imprensa é que a reforma vai ser um momento mágico, a entrada da Alice nos País das Maravilhas. Nas democracias, esses momentos mágicos são raros. Em regimes autoritários e revolucionários eles aparecem constantemente. De tempos em tempos um ditador de ocasião fala: “Vamos matar 30 mil pessoas”. Isso é uma reforma completa. Acho que na democracia as reformas são sempre incrementais, o que não é ruim. Pode ser que você aprenda mais com esse processo. A reeleição teve um impacto gigantesco no Brasil. Tem reformas vinculadas ao horário e ao uso de tempo de TV, reformas vinculadas à questão da fidelidade partidária. A pergunta é se mais reformas são necessárias. Para alguns cientistas políticos, sim, para outros, não…
E para o senhor?
Acho que algumas coisas poderiam ser melhoradas. Mas a melhor forma de fazer isso é pressionando topicamente, em lugar de pensar numa grande reforma, quase uma revolução política. Por exemplo, a discussão sobre a redução dos cargos em comissão é muito mais importante para a forma como funciona a política brasileira do que o sistema eleitoral. Acho que tem havido uma perspectiva muito maximalista das reformas que não só as inviabiliza, como talvez seja indesejável. Quando se muda muita coisa ao mesmo tempo, a capacidade da sociedade de controlar esse processo é menor.
Democracias são assim mesmo. Veja agora o caso do presidente (dos EUA) Barack Obama. A aprovação da reforma da saúde foi uma coisa muito custosa para ele. Quem opta por democracia deve supor que nela o jogo da negociação e da barganha não só seja legítimo, como constante. É claro que é possível ainda melhorar o controle sobre o Congresso para pressioná-lo mais. Um dos mecanismos é que as pessoas participem dos partidos. O problema é que elas não participam.
E por que isso acontece?
Tem a ver com um momento em que o Brasil realizou a sua redemocratização, consolidou-se, e cada qual foi buscar sua vida privada. Ou foi procurar atuar no interesse público em outras esferas, fazer uma revista, trabalhar numa ONG. É legítimo isso. Mas me parece que está faltando gente da elite social brasileira – elite no sentido clássico da palavra, os melhores – que participe dos partidos políticos.
Mas os partidos também não são modelos a se questionar?
Melhor com eles do que sem eles. Os nacional-socialistas diziam, na Alemanha, que os partidos eram modelos fracassados. A experiência foi bastante desastrosa. No caso brasileiro, os partidos têm um monte de defeitos, mas a melhor maneira de mudar é dentro deles. Há um problema grande no País que é a renovação da classe política, mas não nesse sentido vulgar que corre na mídia. Houve uma classe política que realizou o processo de redemocratização do Brasil, que foi muito bem-sucedido. Em comparação aos demais países do BRIC, o Brasil tem um grau de democracia milhões de vezes melhor.
Isso tem a ver com essa geração, da qual participaram Fernando Henrique e Lula. Só que essa geração está encerrando a sua jornada. Uns morreram, outros saíram da política, outros daqui a pouco estão se aposentando…
Outros parecem que não vão se aposentar nunca…
Mas daqui a pouco vão cair. O que me preocupa não é o (senador José) Sarney ser o presidente do Senado aos 80 anos, mas os que não aparecem como alternativa de renovação dentro dos partidos. Acho que há um problema de renovação que tem a ver com características do tempo político, mas também com uma situação em que a elite social brasileira adora criticar a política, mas não botar a mão na massa. Se o Renan (Calheiros, senador) está lá é também porque outros membros da sociedade brasileira não quiseram estar lá. Para que haja uma renovação da classe política, a sociedade tem de participar um pouco mais e reclamar um pouco menos.
Qual é a influência da cultura nisso? O senhor concorda que a cultura política no Brasil é pautada por decepção e descrédito por parte do cidadão com relação aos representantes?
Sim, acho que há decepção, desinteresse, não só no Brasil como em outros países. Ao ler os grandes jornais, parece que há um sentimento blasé da classe média brasileira, misturado a um moralismo udenista que, convenhamos, não faz muito bem à democracia.
Fernando Henrique e Lula deram a cara pra bater. Pode-se discordar de um e de outro, mas eles não ficaram apenas escrevendo artigo em jornal, reclamando que todo mundo é igual, que o Sarney está no poder há 50 anos. Acho que uma parte da elite social brasileira podia fazer o papel que foi feito por esses construtores da democracia: Fernando Henrique, Lula, Ulysses Guimarães, Montoro, Brizola… Eles tiveram um papel maior do que a sociedade admite. Só que uma parte da tarefa deles se esgotou. São necessárias novas ideias, porque novas tarefas aparecem na sociedade.
Mas a que o senhor atribui o afastamento da sociedade em relação à política? E, já que é preciso maior envolvimento, como se realiza isso?
Acho que há uma desarticulação social que tem a ver com uma sensação de que a política é suja. Mas, como diria o velho Mário Covas, política é colocar o pé no barro. Tem que sair da Daslu e colocar o pé no barro. Sair da GV e colocar o pé no barro. Porque senão vira conversa fiada. Como fazer com que eles participem? Eu acho que é mais difícil a resposta em relação a essa pergunta. Se nós soubéssemos exatamente o que mobiliza as pessoas a agir, o mundo seria melhor, mas a gente não sabe. O que eu sei é que quem se mobiliza coletivamente faz história.
Os meios de comunicação de massa têm um papel importante de tratar da política não só como uma coisa suja, mas também como uma coisa nobre. Acho que as universidades deveriam deixar de ser meramente técnicas e se tornar parte da construção da cidadania. A mudança social no País é muito grande nos últimos 20 anos. Se não se entender isso, sempre se vai gritar que os políticos são ladrões, que os eleitores querem apenas políticos ladrões.
É interessante que a redução da desigualdade aumentou o distanciamento entre as elites sociais e os mais pobres, do ponto de vista dos valores. Veja essa discussão sobre as cotas. É uma discussão muito preconceituosa em boa parte da classe média para cima. Cotas para negros não vão resolver o problema da escravidão, mas que há uma desigualdade étnica no acesso aos bens públicos, isso há. Cada vez mais gente da elite social brasileira gostaria de viver num país que não tivesse o Brasil. Como dom Pedro II, que era uma grande estadista no Império, uma pessoa esclarecida, mas que passava o verão em Petrópolis, porque o Rio de Janeiro era fétido. Às vezes me parece que a elite brasileira tem a postura dom Pedro II.
Tem a ver com um sentimento de ineficácia? Afinal, qual o grau de influência do cidadão comum mobilizado, que não é jornalista, nem ongueiro, nem lobista, sobre as decisões públicas?
Eu acho que, para o cidadão-padrão, que é mais pobre e menos escolarizado, isso se dá pela via local mais fortemente, com seu deputado, Com o prefeito. O movimento de saúde na Zona Leste de São Paulo sempre foi muito eficiente e não são apenas médicos que lá estão. A própria questão ambiental tem populações que se organizaram e conseguiram resultados importantes no País. Todo o movimento ligado ao Chico Mendes no Acre não era da elite brasileira. Não necessariamente os mais bem informados são os mais bem organizados.
A ascensão do terceiro setor tem relação com o esvaziamento da esfera política como a única via para transformações?
A ascensão do terceiro setor é positiva, porque abre mais espaços públicos de discussão. Pode ser que parcela da população que poderia estar no espaço político-representativo tenha optado pelas ONGs e se afastado. Isso pode ser um processo histórico, uma questão de tempo mesmo. Por exemplo, o (ambientalista João Paulo) Capobianco tem uma história muito importante no terceiro setor, participou do governo e vaiconcorrer agora a um cargo público. Talvez essa migração entre as áreas da política, da sociedade civil, das universidades e do mercado comece a crescer nos próximos anos. Isso seria um fato alvissareiro no Brasil.
Não são apenas as OSCIPS formalmente concebidas, não é? Há muitos outros modelos de organização. Claro. Eu estou falando de espaços de atuação, um espaço público ampliado. Que, repito, é muito bom em si. Mas, se ficar só nisso, é insuficiente. É preciso que haja uma migração dessas pessoas do espaço público ampliado para o sistema político-representativo de algum modo.
Então a política é a seara definitiva?
É a que vai tomar definições centrais. Embora o sistema político-representativo, sozinho, não seja a governabilidade de uma sociedade, que envolve comunidade, terceiro setor, mercado. Não ter nenhuma participação e intersecção entre essas áreas a meu ver é um erro.
Mas a intersecção vem acontecendo, não?
É, mas ainda muito lentamente no Brasil. A pergunta básica da CPI das ONGs era a seguinte: devem existir ONGs no Brasil para participar de algum ponto da política pública? Essa é uma pergunta esdrúxula. Nenhum país democrático no mundo faria essa pergunta. Seria o mesmo que dizer que é possível resolver os problemas da política sem os políticos. Há um debate muito radicalizado em relação a alguns pontos que tem a ver com a sua pergunta original sobre um clima plebiscitário no Brasil. Se o outro lado está dizendo A, eu devo dizer B. Acho isso muito pobre intelectualmente.
Isso não é intrínseco ao processo político, à disputa pelo poder?
Em algum ponto sim, mas a Alemanha recentemente estava sendo governada pelos dois partidos mais importantes do país, o de situação e o de oposição. Quando houve o 11 de Setembro, os republicanos e os democratas votaram juntos no Congresso americano. Então, existe o embate inteligente e o embate burro. A oposição passou um bom tempo dizendo que o Bolsa Família era mero assistencialismo. Passados oito anos, eles descobriram que não era. Do mesmo modo, o PT dizia que o Plano Real era uma ficção. Acho que muitas vezes no Brasil tem-se perdido a inteligência, de ver as diferenças finas que há entre os grupos políticos, não essas completamente grosseiras que viram um modelo futebolístico da política: se eu torço para o Corinthians, obviamente o resto é inimigo do Corinthians.
Já houve algum período de debate político qualificado?
Eu diria que o debate na Constituinte foi mais inteligente. Acho que não tinha tanto essa ânsia pela dicotomia que anima a opinião pública hoje. Os blogs de política hoje são um horror. Tem alguns bons, mas na maioria é uma briga de foice, como matar o seu adversário, quando a democracia não é a lógica ‘amigo-inimigo’ do Carl Schmitt, que é antidemocrático por natureza, um dos inspiradores do nazismo. Na época do mensalão petista teve um senador que disse que era preciso “acabar com aquela raça”, para que ela ficasse 30 anos fora da política. Isso é Carl Schmitt. Na verdade, seria preciso fazer uma crítica e colocar em questão, inclusive por meio do voto, se era preciso acabar com aquela situação. ‘Acabar com aquela raça’ não é uma boa forma de fazer política.
Nas eleições municipais de 2008, os vencedores em primeiro turno de 20 das 26 capitais foram os que tiveram mais tempo de exposição na televisão. Até que ponto o conteúdo programático das candidaturas é relevante para o eleitor, em comparação com o marketing e a construção da imagem do candidato com outros recursos?
O tempo de televisão é importante, mas não é decisivo necessariamente. Nas eleições municipais o que decidiu foi a situação socioeconômica do País. É muito difícil ganhar a eleição com um tempo de TV muito pequeno, mas, na eleição de 1989, os candidatos que tinham mais tempo de TV eram Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves. Ficaram lá nos últimos lugares. Vários estudos mostram que, na eleição de 2006, para o eleitor-padrão, o rádio teve mais influência do que outros meios de comunicação. Não é à toa que o presidente Lula adora o seu programa de rádio.
Sobre o conteúdo programático, não há como haver uma democracia de massa, numa sociedade tão grande e complexa, sem comunicação de massa. A pergunta na verdade é como fazer uma comunicação de massa que seja a mais democrática possível. Eu acho que a pluralidade em meios de comunicação já ajuda a fazer isso. As mídias alternativas, em particular a internet, já estão abalando um pouco as estruturas do jogo tradicional. Se você olhar as eleições quantitativamente, em quantas o marketing político foi prioritário, sempre será em minoria.
Como se calcula isso?
É só perguntar ao eleitor quais foram os fatores que levaram ao voto. Você vê que existe uma congruência muito grande entre esses fatores e a situação real dos eleitores. Nas democracias modernas, o indicador que a gente usa mais é o de bem-estar social. Se esse indicador estiver muito alto, por que dizer que foi o marketing político que elegeu? Acho muito difícil um marqueteiro decidir a eleição num lugar que haja um índice de bem-estar social muito ruim. Mário Covas dizia que comunicação é essencial, mas, se não tiver o que comunicar, não adianta nada. O (ex-prefeito de São Paulo Celso) Pitta foi eleito porque o governo Maluf era muito bem avaliado, não só pelo Fura-fila. Alguém também poderia dizer que a Dilma é relativamente desconhecida e é favorita para a eleição presidencial. Mas é porque o governo e o presidente Lula são bem avaliados. O marketing não vai inventar a Dilma do nada. O aerotrem do Levy Fidelix é uma ideia de marketing imbatível, porque resolveria n problemas numa tacada só. Mas os eleitores não são tão bobos assim.
E o fator internet terá alguma relevância inédita nas eleições deste ano?
Acho que vai crescer, mas ainda é pequena, porque você tem um número grande de pessoas que não tem acesso prioritário à internet. Tem crescido muito em lan houses, nas escolas públicas, mas ainda não é o meio mais importante de formação e informação na cabeça das pessoas. A tendência é que a internet cresça nesse processo. Mas não sei se o grau de informação política disponível na internet é tão diferente em relação aos jornais. O espaço de publicação autônoma na internet é muito grande, mas o que se publica de informação igual, de repetição… Acho que nós temos ainda muito a aprender, no mundo todo, sobre o uso da internet para a informação coletiva.
A internet poderia ser mais bem aproveitada na democracia? Que tal um espaço de deliberação para que a cidadania influa nas decisões públicas para além do voto sazonal e de eventuais plebiscitos?
Imagine que você tivesse que acordar todos os dias e fazer uma votação ligando o seu computador no café da manhã. Você teria que votar se um dinheiro vai para uma estrada no Acre ou no Maranhão. Depois, se o Brasil deve comprar caças franceses, suecos ou americanos. O nível de decisão é muito diferente. Acho que a internet pode ser um espaço para algum tipo de decisão. Mas algumas decisões não poderão ser feitas pelo eleitor simplesmente no seu café da manhã.
Outra coisa que me assusta é a possibilidade de tomar decisões sem discutir. O termo deliberação em ciência política significa não só votar, mas votar com algum grau de discussão. Há espaço para o edemocracy, mas tem que ir com muito cuidado. Afinal, para construir a democracia, o mundo demorou séculos. Acho que a melhor forma de pensar a política e as políticas públicas é de forma incremental, aprendendo aos poucos.