Com vontade política e a incorporação de elementos sociais, ambientais e culturais, a tecnologia da informação pode promover não só a inclusão digital, mas a cidadania sustentável
Por Celso Fernandes*
A popularização de computadores, celulares, tevês digitais, laptops de 100 dólares e outras maravilhas tem o claro objetivo de acelerar a inclusão digital de milhões de brasileiros. Mas para que os incluídos e a sociedade como um todo avancem na construção de uma civilização verdadeiramente baseada no conhecimento e orientada para o desenvolvimento sustentável, a tecnologia e a ciência, per se, não serão suficientes. É preciso homens e mulheres com compromisso e vontade política para operar mudanças sociais, tecnológicas e culturais.
As tecnologias da informação e comunicação (TICs), mais do que incluir sujeitos hoje marginalizados, podem ser utilizadas como fator transversal capaz de dinamizar e impulsionar todas as áreas do desenvolvimento humano – um instrumento, portanto, de conscientização e mobilização para a cidadania sustentável. Um movimento dessa magnitude, entretanto, pressupõe a transformação da própria sociedade que acolherá os novos adeptos da tecnologia. Demanda, por exemplo, a reflexão crítica sobre o destino da montanha de lixo tecnológico que a busca pela cidadania digital para os quase 190 milhões de brasileiros vai gerar.
No mesmo ritmo em que se acelera a inclusão digital é preciso acelerar também a regulamentação do tratamento, reciclagem e descarte seguros dos milhões de equipamentos e componentes que deixaremos para trás. Estes resíduos – que contêm produtos tóxicos nocivos à saúde humana e à natureza – são, em grande parte, jogados em lixões ou incinerados. O risco maior recai justamente sobre comunidades mais pobres; catadores de materiais recicláveis e trabalhadores de ferros-velhos, alguns deles crianças, ficam expostos a um coquetel venenoso.
O Brasil navega ao sabor da inclusão digital espontânea, no estilo neoliberalismo tecnológico, e ainda não definiu uma estratégia para tratamento adequado do lixo tecnológico. O País precisa criar as condições sistêmicas – e traduzi-las em políticas públicas – que promovam a emancipação digital de milhões de brasileiros e, ao mesmo tempo, provejam o tratamento ambientalmente correto dos equipamentos ligados às TICs.
Tais políticas devem privilegiar a dimensão cognitiva e as soluções coletivas, fomentando iniciativas que contemplem propostas pedagógicas consistentes e conteúdos educacionais estimulantes e de qualidade. Dessa forma, além da capacitação, instigaremos a reflexão crítica e a ação transformadora dos indivíduos – sobre sua realidade e as condições socioambientais das comunidades em que vivem – para que as tecnologias sejam utilizadas de forma responsável e sustentável.
Além da questão ambiental e da consistência pedagógica, o processo de emancipação digital tem de cuidar ainda da dimensão econômica, incentivando projetos que assegurem a sustentabilidade das iniciativas de inclusão e dos educadores e educandos que delas participam. Tal abordagem fará emergir a discussão de questões vitais para a sociedade contemporânea, visando mudanças comportamentais e culturais, tais como:
* A redução do desperdício, o uso de fontes de iluminação, calor e de eletrodomésticos com baixo consumo de energia, o incentivo à reutilização de materiais e o compromisso com sua reciclagem e descarte seguros.
* O estímulo à capacidade criativa e empreendedora das camadas de baixa renda e à abertura de novos mercados na base da pirâmide social como alternativas reais de utilização de mão-de-obra capacitada dessas comunidades, promovendo a mobilidade social e projetos de geração de renda que atendam a própria comunidade e despertem vocações e lideranças voltadas para o desenvolvimento local sustentável.
* A capacitação de professores e alunos para a utilização das TICs como instrumento transversal de pesquisa e de apoio ao aprendizado de todas as disciplinas, à prestação de serviços pela internet e à integração dos moradores do entorno das escolas públicas. Um mergulho no contexto histórico e sociocultural das comunidades excluídas ajudará a definir abordagens e conteúdos digitais educativos que considerem as dimensões éticas, ambientais, técnicas, metodológicas, políticas e econômicas para consolidar esse processo e assegurar sua sustentabilidade.
A emancipação digital decorrente dessa abordagem permitirá construir a cidadania crítica, o protagonismo e a atitude empreendedora que levarão ao uso responsável, produtivo e sustentável das TICs. Criará, ainda, a sinergia entre tecnologia, capacitação, geração de renda e preservação ambiental capaz de impulsionar o salto do Brasil em direção ao desenvolvimento sustentável.
Para tanto, as ações e os programas de inclusão digital devem contemplar não apenas a melhor solução tecnológica e os melhores conteúdos, mas também capacitar o cidadão a conhecer melhor a si mesmo, suas potencialidades, os principais problemas e prioridades de seu ecossistema e os impactos de sua atuação sobre o equilíbrio do planeta.
Trata-se de uma tarefa gigantesca, que requer união de esforços e convergência de interesses entre os setores público, privado e instituições do terceiro setor. Nossa capacidade de articulação, interconexão e reorganização social é que vai determinar o destino das iniciativas da sociedade da informação e a construção de uma sabedoria coletiva que promova a transformação qualitativa da experiência humana, legando um futuro promissor às novas gerações.
*Celso Fernandes é diretor de Estratégia e Desenvolvimento Institucional do Comitê para Democratização da Informática (CDI). O CDI é uma organização não governamental que há 12 anos pratica um modelo de inclusão digital voltado a capacitar moradores de comunidades de baixa renda a se tornarem educadores e coordenadores de suas Escolas de Informática e Cidadania (EICs). Mais informações: www.cdi.org.br