A literatura sobre o tema responde mais à questão “como inovar” do que “para que inovar”. Livro recém-lançado busca preencher essa lacuna
Por André Carvalho
No recém-lançado documentário Encontro com Milton Santos – Ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá, de Silvio Tendler, o eminente pensador brasileiro vaticina ser a doutrina do consumo o principal e mais preocupante fundamentalismo do século XXI. Entendida como exagerada, desmedida ou mesmo mero exercício retórico, a sentença de Milton Santos aponta para um tema central dos nossos dias, considerado por muitos como condição necessária ao crescimento econômico dos países, e por outros como o símbolo da desigualdade e principal componente da crescente pegada ecológica de nossa civilização.
Embora seja assunto candente, já no final do século XVIII o tema consumo (de alimentos) emergiu como preocupação da civilização ocidental, e mesmo que as previsões de Malthus tenham ocorrido em situações localizadas, suas afirmações pessimistas não se confirmaram em escala global, por diversas razões. Entre elas a associação entre ciência e tecnologia nas últimas décadas do século XIX, resultando em inovações científicas e técnicas que viabilizaram métodos de produção em massa.
As discussões sobre consumo vêm sendo mantidas em brasa ardente ao menos desde o fim da década de 1960, quando se passou a questionar o modelo que explica a degradação ambiental do planeta como resultado da pobreza de alguns povos de países não desenvolvidos. Novas variáveis foram incorporadas a essa equação, como o nível de afluência das sociedades, os valores culturais que se espelham nas decisões de consumo, e o nível de evolução das tecnologias empregadas nos processos produtivos de seus parques industriais.
Muitos crêem que este último componente, que reflete a capacidade humana de inovar continuamente, sempre vai atenuar ou mesmo compensar o impacto ambiental crescente, a despeito do crescimento populacional e do incremento dos níveis de consumo de quem já acessa bens e serviços em níveis satisfatórios e daqueles que são convidados a desfrutar do banquete, com a crescente e necessária atenção dada por organizações aos mercados de baixa renda.
O tema inovação tem sido vastamente discutido pelos principais pensadores ligados à área de estratégia empresarial, e estabeleceu-se como um pilar fundamental da busca por vantagens competitivas que podem assegurar longa vida às corporações.
A pesquisa sobre esse tema, do ponto de vista econômico, surge no início do século XX, por meio das publicações do economista austríaco Joseph Schumpeter, para quem o conceito de inovação diz respeito às distintas possibilidades de introdução de novidades no sistema econômico e à alocação de recursos produtivos em usos não experimentados, resultando em novos produtos e processos de produção, ou estabelecimento de novas organizações e estruturas de mercado. Inovação é, nessa abordagem, sinônimo de progresso econômico.
Com a emergência dos desafios socioambientais no século XXI, tornou-se ainda mais relevante o papel das organizações, em especial das empresas, como agentes propositores de novas abordagens e soluções para o atendimento das demandas de sociedades que se encontram em distintos estágios de desenvolvimento.
Nesse contexto, em que a busca por modelos de desenvolvimento sustentável é meta central dos esforços de diferentes atores econômicos e sociais, os motivos que levam uma organização a inovar mostram-se tão ou mais relevantes do que os passos executados para a implementação de inovações. Contudo, na literatura relativa a esse campo de conhecimento, os estudos que enfocam a questão “para que inovar?” Mostram-se mais escassos do que aqueles destinados à pergunta “como inovar?”
CARA E COROA
As organizações são peças fundamentais para que nos aproximemos de um modelo de desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente adequado, tecnologicamente prudente e economicamente eficiente. É essa a temática central do livro Organizações Inovadoras Sustentáveis: uma reflexão sobre o futuro das organizações, de José Carlos Barbieri e Moysés Simantob, professores da Escola Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas ligados ao Fórum de Inovação, que apresenta o trabalho de 11 pesquisadores em busca de respostas à pergunta “O que pode ser entendido como uma organização inovadora sustentável?”
Ao longo do trabalho são levados em conta tanto os fatores internos às empresas, que condicionam seus desempenhos em realizar inovações no ritmo necessário à manutenção da própria competitividade, quanto aspectos externos, capazes de contribuir para que se mantenham competitivas de forma duradoura, tais como as características das cadeias produtivas, o quadro regulatório e o ambiente de ciência e tecnologia.
O conteúdo da publicação é valioso pelo cuidado em apresentar um rico referencial teórico para os interessados em inovação e desenvolvimento sustentável, e também por examinar conjunturas setoriais fundamentais à compreensão da temática e acrescentar uma meticulosa discussão do caso Embrapa, simbólico em nível nacional e internacional.
Seja ou não o consumo o principal fundamentalismo do século XXI, como apregoou Milton Santos, há, no campo de atuação das organizações públicas e privadas, um vasto caminho a ser trilhado rumo a modelos de desenvolvimento sustentável.
Como afirma Barbieri: “Para serem parceiras desse esforço, as organizações devem se tornar inovadoras e sustentáveis, entendendo que a palavra ‘sustentável’ está relacionada com uma concepção socioambiental de desenvolvimento e não apenas com o sucesso na obtenção de condições de competitividade, que é um dos sentidos triviais dados ao termo. Organizações sustentáveis e inovações sustentáveis são cara e coroa da mesma moeda”.