Apesar da aptidão para transformar luz do sol, ventos e biomassa em eletricidade, o Brasil ainda é o país errado quando se fala em alternativas às grandes hidrelétricas
Por Rodrigo Squizato
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O board da empresa japonesa Kyocera aprovou a construção de uma fábrica de painéis fotovoltaicos no Brasil, cujo subsolo guarda uma das maiores reservas do mundo de silício, o principal insumo das células que transformam luz solar em energia elétrica. É uma notícia boa, na hora certa, no país errado. Mais uma vez diante da ameaça de racionamento devido à falta de chuvas, o Brasil segue ignorando as fontes de energia renováveis e prefere acionar as termoelétricas, cujas emissões contribuem para o efeito estufa. Com o aumento do consumo, nem o apelo da eficiência e o da conservação ganham espaço. A opção ainda é pelas grandes hidrelétricas — que alagam enormes áreas e afetam comunidades — e, apesar da notória aptidão para gerar energia a partir da luz do sol, dos ventos e da biomassa, o País não investe em uma política consistente que as torne economicamente viáveis. Ao menos por enquanto. Um projeto de lei (PL no 1.563) elaborado por representantes de diversos partidos e apresentado à Câmara dos Deputados pretende criar a base para introduzir outras fontes na matriz energética nacional. A versão inicial do projeto prevê três programas permanentes, segundo o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que encabeça a lista dos autores.
O Programa de Fontes Alternativas para Sistemas Isolados (Fais) tem o objetivo de reduzir a dependência de combustíveis fósseis nos locais onde Sistema Interligado Nacional não chega. O Programa de Aquecimento de Água por Energia Solar (Paes) visa diminuir a demanda de energia dos chuveiros elétricos. E o Programa de Incentivo à Geração Distribuída (PGD) pretende criar garantias de compra e preço para que os investimentos em fontes alternativas saiam do papel.
Paulo Teixeira espera que o projeto seja encaminhado a uma comissão especial da Câmara entre fevereiro e março. Aprovado, vai a votação no plenário. Ainda em análise por representantes dos principais segmentos de energias renováveis, a proposta a princípio foi bem recebida, pois cria o que inexiste no Brasil: uma política de longo prazo que torne os investimentos em fontes renováveis competitivos em relação às tradicionais.
Sem tal política, a Kyocera não se anima a tirar os planos do papel. “Como investir em uma fábrica se não sei se terei demanda?”, questiona Antonio Granadeiro, presidente da empresa no Brasil.
Pegando o bonde
O projeto é também uma chance de o Brasil embarcar no bonde da história. Mesmo a China e os EUA, principais emissores de gases de efeito estufa, dispõem de programas ambiciosos na geração de energia limpa. A China adotou meta para chegar a 2020 com 30.000 megawatts (MW) de geração eólica. Os EUA instalaram mais de 7.000 MW de aerogeradores nos últimos três anos — potência maior do que a da Usina de Santo Antônio, uma das hidrelétricas com construção prevista no Rio Madeira, que deve entrar em operação em cinco anos.
Apesar do atraso brasileiro, o País está entre os líderes mundiais quanto ao uso de fontes renováveis no consumo total de energia, graças ao potencial hidrelétrico e ao etanol. A energia da biomassa deve continuar aumentando sua participação no setor de transportes, mas na geração de eletricidade as previsões do próprio governo indicam que a matriz ficará mais suja.
A hidreletricidade continua a ter importância na geração, mas não será capaz de atender sozinha ao aumento da demanda, admite o governo. Desde o racionamento de 2001, a solução tem sido gerar mais eletricidade à base de fontes fósseis, principalmente gás, mas também carvão e óleo combustível.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, afirma que não há problema em usar mais as fontes fósseis, porque o Brasil está muito acima da média mundial quando o quesito são as fontes renováveis. Ele defende, contudo, a ampliação do uso da biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Quanto à geração eólica, o Plano Decenal de Expansão Energética mantém a participação dos ventos em meros 0,2% do total.
Também é deixado de lado o fato de que tanto as usinas eólicas quanto as térmicas movidas a biomassa geram energia principalmente no período de estiagem. Apesar de defender o uso dessas fontes, os empreendedores reclamam das regras do governo. A todo o vapor, elas ajudariam a preservar a água dos reservatórios, reduzindo a oscilação de preços. Em janeiro, em meio a um verão raquítico em chuvas, o baixo nível das represas fez disparar
o preço da energia no mercado livre, segmento formado por empresas com demanda acima de 500 kW e que responde por 30% da eletricidade total consumida no País.
Em meados do mês, o preço pago pela energia das térmicas movidas a óleo combustível superou o valor pedido pelos empreendedores do setor eólico — entre R$ 220 e R$ 240 por Mwh. Na terceira semana de janeiro, a média do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) chegou a R$ 569,59 por Mwh. Em janeiro de 2007, era de R$ 22,62 por Mwh.
“Ninguém quer uma matriz só eólica, o ideal é ter a matriz balanceada para aproveitar o potencial do País e mantê-la limpa”, defende Eduardo Lopes, gerente comercial da Wobben, única fabricante de aerogeradores do Brasil.
Com a eólica e a biomassa em cena, ganharia não apenas a hidreletricidade, mas os recursos hídricos em geral, lembra o deputado Paulo Teixeira.
Até hoje, porém, as fontes renováveis avançam aos soluços. O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) abriu espaço para 3.300 MW de energias renováveis, mas o panorama após o fim de 2008 é incerto (reportagem na edição 10 de PÁGINA 22). Além do atraso na construção das usinas eólicas, a regulamentação da segunda fase do Proinfa não foi definida, alimentando as incertezas dos investidores.
Enquanto os reservatórios secam e a política pública continua enredada no timing dos gabinetes de Brasília, o mercado acomoda o que é possível, com destaque para as PCHs e a bioeletricidade. O uso da energia solar térmica para aquecimento de água também avança. A energia eólica e a solar fotovoltaica, entretanto, desenvolvem-se em ritmo lento, assim como o aumento da eficiência energética
[EÓLICA]
A energia eólica no Brasil tem possibilidades imensas. Se fossem aproveitadas integralmente, a potência total seria uma vez e meia o atual parque elétrico brasileiro. Entretanto, apenas 247 MW estão em operação. Pelo Proinfa, foram contratados 1.423 MW, mas a produção de cerca de 1.100 MW ainda precisa ser instalada. O prazo inicial passou de 2006 para o final deste ano.
Nem os fabricantes de equipamentos sabem se a potência total será instalada no prazo. Depois de 2008, o futuro do setor é incerto. Parte do problema é que o preço mínimo para geração ainda supera o de outras fontes, como usinas hidrelétricas e térmicas. Atualmente, o investimento está entre R$ 220 e R$ 240 por Mwh, enquanto a energia da Usina de Santo Antonio foi leiloada a R$ 78,87 por Mwh.
Eduardo Lopes, da Wobben, aponta a Alemanha como modelo de inclusão da eólica na matriz elétrica. Lá foram definidas tarifas atrativas e as distribuidoras foram obrigadas a comprar toda energia fornecida.
Com o passar do tempo, os subsídios caíram. O preço da energia gerada pela força dos ventos era de 1.834 euros por Mwh em 1991. No ano passado, caiu para 745 euros e os investidores sabem que em 2013 não receberão mais do que 580 euros por Mwh.
[BIOELETRICIDADE]
A potência instalada para geração de eletricidade a partir da biomassa é de 4.100 MW, conforme a Aneel.
A maior parte é consumida durante o processo industrial por usinas de açúcar e álcool que usam o bagaço da cana como combustível.
Novas tecnologias de caldeira e turbina devem permitir que uma parcela crescente do bagaço queimado seja transformada em eletricidade. Usinas em funcionamento investem na modernização de equipamentos, ao mesmo tempo que os novos empreendimentos já consideram essas receitas.
O aproveitamento da palha da cana aumenta o potencial da bioeletricidade, pois a energia da cana se divide em três partes quase iguais: o caldo (usado para fazer açúcar e álcool), o bagaço, e a palha.
Apenas com o uso do bagaço é possível aumentar a oferta de energia excedente — que sobra após o consumo da usina — de 875 MW este ano para 2.715 MW em 2011, segundo a Associação Paulista de Co- Geração de Energia (Cogen-SP). O aproveitamento da palha pode elevar o potencial para 4.407 MW, mas para tanto é preciso substituir o corte manual da cana pela colheita mecanizada.
Há entraves, porém, para agregar a energia à rede elétrica, principalmente a dificuldade no acesso à rede de transmissão, o que já impediu empreendimentos de participar de leilões. Hoje as usinas são responsáveis por construir os ramais até a rede de transmissão.
A União vai promover em 30 de abril um leilão no qual espera comprar cerca de 2.000 MW de usinas térmicas à base de biomassa. Caso o plano se concretize, a energia será agregada à rede em 2009 e 2010.
[PCHs]
As PCHs são a versão em miniatura da principal fonte de eletricidade do Brasil. Elas apresentam vantagens sobre suas irmãs maiores, principalmente nos aspectos sociais e ambientais — sem grandes reservatórios, os impactos são bem menores —, mas perdem em preço.
Este fator, aliado à geografia, possibilitou o rápido desenvolvimento dessa fonte a partir do racionamento de 2001. As PCHs respondem por cerca de 2% da potência instalada no Brasil, divididos em mais de 500 empreendimentos com capacidade inferior a 30 MW. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a potência total é de 1.933 MW. Outros 1.154 MW estão em construção.
De acordo com Paulo Toledo, diretor da comercializadora de energia Ecom, as PCHs são a principal opção entre as renováveis no mercado livre.
A preferência se justifica porque as pequenas usinas são competitivas economicamente com a energia da rede e com as fontes fósseis. A geração hídrica é mais barata do que as demais fontes alternativas.
Além disso, como as outras renováveis, conta com um desconto na tarifa-fio — paga pelos grandes consumidores para usar as linhas de distribuição e receber a energia.
As empresas que compram energia renovável ganham 50% de desconto na tarifa-fio, posteriormente coberto pelos consumidores que só podem comprar das concessionárias. É um dos poucos incentivos permanentes para a energia renovável no Brasil.
[EFICIÊNCIA ENERGÉTICA]
O Brasil investe em eficiência energética aproximadamente R$ 300 milhões por ano — quantia que as distribuidoras são obrigadas por lei a aplicar em projetos para tornar o consumo de energia mais eficiente.
Segundo a diretora-executiva da Associação Brasileira das Empresas de Conservação de Energia (Abesco), Maria Cecília Amaral, “o País engatinha se comparado a outras nações”. Parte do problema é regulatório e parte, cultural, avalia.
A parte regulatória se revela na ausência de uma estratégia nacional para aumentar a eficiência energética de forma contínua. “A única vez que o País fez isso foi quando precisou, na época do racionamento”, diz Maria Cecília. O Ministério de Minas e Energia incluiu a eficiência energética no Plano Nacional de Energia, mas não regulamentou a questão. Uma possibilidade é a realização de leilões de eficiência energética: a venda da energia economizada por uma empresa para outra que não obtenha o nível de eficiência determinado pela lei.
Do lado cultural, o problema talvez seja mais grave. Falta o hábito de investir em eficiência, apesar da possibilidade de redução de custos para as empresas. O investimento na aquisição de um novo motor elétrico, por exemplo, representa apenas 1,8% do total que será gasto durante sua vida útil.
[SOLAR TÉRMICA]
Enquanto a energia solar para geração de eletricidade engatinha, o uso dos raios solares para aquecimento de água avança e começa a receber a atenção do poder público.
Ela reduz a necessidade de investimento na rede para atender o consumo no horário de pico, em virtude, principalmente, do uso do chuveiro elétrico. Segundo o diretor de aquecimento solar da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), Carlos Faria, o Brasil tem cerca de 3,2 milhões de metros quadrados de painéis solares instalados.
Convertido em eletricidade, o calor gerado por esses painéis equivale a uma usina de 500 MW.
Em Minas Gerais, a distribuidora de energia, a Cemig, incentiva o uso do aquecimento solar e apoiou a instalação de mais de 7 mil metros quadrados. Segundo o coordenador do programa, Davidson Rocha, 2 mil metros quadrados instalados em 2007 permitiram economia de 1.383 Mwh durante o ano.
O principal empecilho para o desenvolvimento da energia térmica no Brasil é o Código de Obras, lei municipal que traz as normas básicas para as construções. Na maior parte dos municípios, o código não prevê a infra-estrutura para instalação dos coletores solares.
Isso tem mudado nos últimos anos e muitas cidades aprovaram leis que obrigam o uso do aquecimento solar. Em São Paulo, passou a ser obrigatório incluir a energia solar em algumas construções. Apesar dos avanços, “é mais difícil regulamentar a lei do que aprová-la”, diz Faria.
[SOLAR FOTOVOLTAICA]
A energia solar fotovoltaica começa a ganhar corpo em países desenvolvidos, mas deve continuar marginal no Brasil por um bom tempo. Hoje, há apenas 20 kW instalados para geração de eletricidade conectados à rede e mais 12 MW em sistemas isolados.
Embora o Brasil seja um dos países que mais podem se beneficiar dessa fonte, o investimento ainda é proibitivo, em virtude do custo do material, do padrão de renda da população e dos preços da energia. O programa federal Luz para Todos deve aumentar a participação da energia solar com a instalação de painéis em comunidades distantes da rede elétrica.
Mas o desenvolvimento do setor só será sustentável quando for possível instalar os equipamentos e vender a energia excedente para a rede elétrica, a exemplo do que ocorre na Alemanha e no Japão, diz Antonio Granadeiro, da Kyocera.
Nos dois casos, houve apoio oficial, com tarifas atraentes para venda à rede pública. Isso fez com que milhares de painéis fossem instalados em residências. No Brasil, não existe legislação, mas o PL no 1.563 prevê esse tipo de conexão. Segundo Granadeiro, se aprovada, a iniciativa permitiria “o planejamento de longo prazo”.
Apesar da aptidão para transformar luz do sol, ventos e biomassa em eletricidade, o Brasil ainda é o país errado quando se fala em alternativas às grandes hidrelétricas
Por Rodrigo Squizato
O board da empresa japonesa Kyocera aprovou a construção de uma fábrica de painéis fotovoltaicos no Brasil, cujo subsolo guarda uma das maiores reservas do mundo de silício, o principal insumo das células que transformam luz solar em energia elétrica. É uma notícia boa, na hora certa, no país errado. Mais uma vez diante da ameaça de racionamento devido à falta de chuvas, o Brasil segue ignorando as fontes de energia renováveis e prefere acionar as termoelétricas, cujas emissões contribuem para o efeito estufa. Com o aumento do consumo, nem o apelo da eficiência e o da conservação ganham espaço. A opção ainda é pelas grandes hidrelétricas — que alagam enormes áreas e afetam comunidades — e, apesar da notória aptidão para gerar energia a partir da luz do sol, dos ventos e da biomassa, o País não investe em uma política consistente que as torne economicamente viáveis. Ao menos por enquanto. Um projeto de lei (PL no 1.563) elaborado por representantes de diversos partidos e apresentado à Câmara dos Deputados pretende criar a base para introduzir outras fontes na matriz energética nacional. A versão inicial do projeto prevê três programas permanentes, segundo o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que encabeça a lista dos autores.
O Programa de Fontes Alternativas para Sistemas Isolados (Fais) tem o objetivo de reduzir a dependência de combustíveis fósseis nos locais onde Sistema Interligado Nacional não chega. O Programa de Aquecimento de Água por Energia Solar (Paes) visa diminuir a demanda de energia dos chuveiros elétricos. E o Programa de Incentivo à Geração Distribuída (PGD) pretende criar garantias de compra e preço para que os investimentos em fontes alternativas saiam do papel.
Paulo Teixeira espera que o projeto seja encaminhado a uma comissão especial da Câmara entre fevereiro e março. Aprovado, vai a votação no plenário. Ainda em análise por representantes dos principais segmentos de energias renováveis, a proposta a princípio foi bem recebida, pois cria o que inexiste no Brasil: uma política de longo prazo que torne os investimentos em fontes renováveis competitivos em relação às tradicionais.
Sem tal política, a Kyocera não se anima a tirar os planos do papel. “Como investir em uma fábrica se não sei se terei demanda?”, questiona Antonio Granadeiro, presidente da empresa no Brasil.
Pegando o bonde
O projeto é também uma chance de o Brasil embarcar no bonde da história. Mesmo a China e os EUA, principais emissores de gases de efeito estufa, dispõem de programas ambiciosos na geração de energia limpa. A China adotou meta para chegar a 2020 com 30.000 megawatts (MW) de geração eólica. Os EUA instalaram mais de 7.000 MW de aerogeradores nos últimos três anos — potência maior do que a da Usina de Santo Antônio, uma das hidrelétricas com construção prevista no Rio Madeira, que deve entrar em operação em cinco anos.
Apesar do atraso brasileiro, o País está entre os líderes mundiais quanto ao uso de fontes renováveis no consumo total de energia, graças ao potencial hidrelétrico e ao etanol. A energia da biomassa deve continuar aumentando sua participação no setor de transportes, mas na geração de eletricidade as previsões do próprio governo indicam que a matriz ficará mais suja.
A hidreletricidade continua a ter importância na geração, mas não será capaz de atender sozinha ao aumento da demanda, admite o governo. Desde o racionamento de 2001, a solução tem sido gerar mais eletricidade à base de fontes fósseis, principalmente gás, mas também carvão e óleo combustível.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, afirma que não há problema em usar mais as fontes fósseis, porque o Brasil está muito acima da média mundial quando o quesito são as fontes renováveis. Ele defende, contudo, a ampliação do uso da biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Quanto à geração eólica, o Plano Decenal de Expansão Energética mantém a participação dos ventos em meros 0,2% do total.
Também é deixado de lado o fato de que tanto as usinas eólicas quanto as térmicas movidas a biomassa geram energia principalmente no período de estiagem. Apesar de defender o uso dessas fontes, os empreendedores reclamam das regras do governo. A todo o vapor, elas ajudariam a preservar a água dos reservatórios, reduzindo a oscilação de preços. Em janeiro, em meio a um verão raquítico em chuvas, o baixo nível das represas fez disparar
o preço da energia no mercado livre, segmento formado por empresas com demanda acima de 500 kW e que responde por 30% da eletricidade total consumida no País.
Em meados do mês, o preço pago pela energia das térmicas movidas a óleo combustível superou o valor pedido pelos empreendedores do setor eólico — entre R$ 220 e R$ 240 por Mwh. Na terceira semana de janeiro, a média do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) chegou a R$ 569,59 por Mwh. Em janeiro de 2007, era de R$ 22,62 por Mwh.
“Ninguém quer uma matriz só eólica, o ideal é ter a matriz balanceada para aproveitar o potencial do País e mantê-la limpa”, defende Eduardo Lopes, gerente comercial da Wobben, única fabricante de aerogeradores do Brasil.
Com a eólica e a biomassa em cena, ganharia não apenas a hidreletricidade, mas os recursos hídricos em geral, lembra o deputado Paulo Teixeira.
Até hoje, porém, as fontes renováveis avançam aos soluços. O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) abriu espaço para 3.300 MW de energias renováveis, mas o panorama após o fim de 2008 é incerto (reportagem na edição 10 de PÁGINA 22). Além do atraso na construção das usinas eólicas, a regulamentação da segunda fase do Proinfa não foi definida, alimentando as incertezas dos investidores.
Enquanto os reservatórios secam e a política pública continua enredada no timing dos gabinetes de Brasília, o mercado acomoda o que é possível, com destaque para as PCHs e a bioeletricidade. O uso da energia solar térmica para aquecimento de água também avança. A energia eólica e a solar fotovoltaica, entretanto, desenvolvem-se em ritmo lento, assim como o aumento da eficiência energética
[EÓLICA]
A energia eólica no Brasil tem possibilidades imensas. Se fossem aproveitadas integralmente, a potência total seria uma vez e meia o atual parque elétrico brasileiro. Entretanto, apenas 247 MW estão em operação. Pelo Proinfa, foram contratados 1.423 MW, mas a produção de cerca de 1.100 MW ainda precisa ser instalada. O prazo inicial passou de 2006 para o final deste ano.
Nem os fabricantes de equipamentos sabem se a potência total será instalada no prazo. Depois de 2008, o futuro do setor é incerto. Parte do problema é que o preço mínimo para geração ainda supera o de outras fontes, como usinas hidrelétricas e térmicas. Atualmente, o investimento está entre R$ 220 e R$ 240 por Mwh, enquanto a energia da Usina de Santo Antonio foi leiloada a R$ 78,87 por Mwh.
Eduardo Lopes, da Wobben, aponta a Alemanha como modelo de inclusão da eólica na matriz elétrica. Lá foram definidas tarifas atrativas e as distribuidoras foram obrigadas a comprar toda energia fornecida.
Com o passar do tempo, os subsídios caíram. O preço da energia gerada pela força dos ventos era de 1.834 euros por Mwh em 1991. No ano passado, caiu para 745 euros e os investidores sabem que em 2013 não receberão mais do que 580 euros por Mwh.
[BIOELETRICIDADE]
A potência instalada para geração de eletricidade a partir da biomassa é de 4.100 MW, conforme a Aneel.
A maior parte é consumida durante o processo industrial por usinas de açúcar e álcool que usam o bagaço da cana como combustível.
Novas tecnologias de caldeira e turbina devem permitir que uma parcela crescente do bagaço queimado seja transformada em eletricidade. Usinas em funcionamento investem na modernização de equipamentos, ao mesmo tempo que os novos empreendimentos já consideram essas receitas.
O aproveitamento da palha da cana aumenta o potencial da bioeletricidade, pois a energia da cana se divide em três partes quase iguais: o caldo (usado para fazer açúcar e álcool), o bagaço, e a palha.
Apenas com o uso do bagaço é possível aumentar a oferta de energia excedente — que sobra após o consumo da usina — de 875 MW este ano para 2.715 MW em 2011, segundo a Associação Paulista de Co- Geração de Energia (Cogen-SP). O aproveitamento da palha pode elevar o potencial para 4.407 MW, mas para tanto é preciso substituir o corte manual da cana pela colheita mecanizada.
Há entraves, porém, para agregar a energia à rede elétrica, principalmente a dificuldade no acesso à rede de transmissão, o que já impediu empreendimentos de participar de leilões. Hoje as usinas são responsáveis por construir os ramais até a rede de transmissão.
A União vai promover em 30 de abril um leilão no qual espera comprar cerca de 2.000 MW de usinas térmicas à base de biomassa. Caso o plano se concretize, a energia será agregada à rede em 2009 e 2010.
[PCHs]
As PCHs são a versão em miniatura da principal fonte de eletricidade do Brasil. Elas apresentam vantagens sobre suas irmãs maiores, principalmente nos aspectos sociais e ambientais — sem grandes reservatórios, os impactos são bem menores —, mas perdem em preço.
Este fator, aliado à geografia, possibilitou o rápido desenvolvimento dessa fonte a partir do racionamento de 2001. As PCHs respondem por cerca de 2% da potência instalada no Brasil, divididos em mais de 500 empreendimentos com capacidade inferior a 30 MW. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a potência total é de 1.933 MW. Outros 1.154 MW estão em construção.
De acordo com Paulo Toledo, diretor da comercializadora de energia Ecom, as PCHs são a principal opção entre as renováveis no mercado livre.
A preferência se justifica porque as pequenas usinas são competitivas economicamente com a energia da rede e com as fontes fósseis. A geração hídrica é mais barata do que as demais fontes alternativas.
Além disso, como as outras renováveis, conta com um desconto na tarifa-fio — paga pelos grandes consumidores para usar as linhas de distribuição e receber a energia.
As empresas que compram energia renovável ganham 50% de desconto na tarifa-fio, posteriormente coberto pelos consumidores que só podem comprar das concessionárias. É um dos poucos incentivos permanentes para a energia renovável no Brasil.
[EFICIÊNCIA ENERGÉTICA]
O Brasil investe em eficiência energética aproximadamente R$ 300 milhões por ano — quantia que as distribuidoras são obrigadas por lei a aplicar em projetos para tornar o consumo de energia mais eficiente.
Segundo a diretora-executiva da Associação Brasileira das Empresas de Conservação de Energia (Abesco), Maria Cecília Amaral, “o País engatinha se comparado a outras nações”. Parte do problema é regulatório e parte, cultural, avalia.
A parte regulatória se revela na ausência de uma estratégia nacional para aumentar a eficiência energética de forma contínua. “A única vez que o País fez isso foi quando precisou, na época do racionamento”, diz Maria Cecília. O Ministério de Minas e Energia incluiu a eficiência energética no Plano Nacional de Energia, mas não regulamentou a questão. Uma possibilidade é a realização de leilões de eficiência energética: a venda da energia economizada por uma empresa para outra que não obtenha o nível de eficiência determinado pela lei.
Do lado cultural, o problema talvez seja mais grave. Falta o hábito de investir em eficiência, apesar da possibilidade de redução de custos para as empresas. O investimento na aquisição de um novo motor elétrico, por exemplo, representa apenas 1,8% do total que será gasto durante sua vida útil.
[SOLAR TÉRMICA]
Enquanto a energia solar para geração de eletricidade engatinha, o uso dos raios solares para aquecimento de água avança e começa a receber a atenção do poder público.
Ela reduz a necessidade de investimento na rede para atender o consumo no horário de pico, em virtude, principalmente, do uso do chuveiro elétrico. Segundo o diretor de aquecimento solar da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), Carlos Faria, o Brasil tem cerca de 3,2 milhões de metros quadrados de painéis solares instalados.
Convertido em eletricidade, o calor gerado por esses painéis equivale a uma usina de 500 MW.
Em Minas Gerais, a distribuidora de energia, a Cemig, incentiva o uso do aquecimento solar e apoiou a instalação de mais de 7 mil metros quadrados. Segundo o coordenador do programa, Davidson Rocha, 2 mil metros quadrados instalados em 2007 permitiram economia de 1.383 Mwh durante o ano.
O principal empecilho para o desenvolvimento da energia térmica no Brasil é o Código de Obras, lei municipal que traz as normas básicas para as construções. Na maior parte dos municípios, o código não prevê a infra-estrutura para instalação dos coletores solares.
Isso tem mudado nos últimos anos e muitas cidades aprovaram leis que obrigam o uso do aquecimento solar. Em São Paulo, passou a ser obrigatório incluir a energia solar em algumas construções. Apesar dos avanços, “é mais difícil regulamentar a lei do que aprová-la”, diz Faria.
[SOLAR FOTOVOLTAICA]
A energia solar fotovoltaica começa a ganhar corpo em países desenvolvidos, mas deve continuar marginal no Brasil por um bom tempo. Hoje, há apenas 20 kW instalados para geração de eletricidade conectados à rede e mais 12 MW em sistemas isolados.
Embora o Brasil seja um dos países que mais podem se beneficiar dessa fonte, o investimento ainda é proibitivo, em virtude do custo do material, do padrão de renda da população e dos preços da energia. O programa federal Luz para Todos deve aumentar a participação da energia solar com a instalação de painéis em comunidades distantes da rede elétrica.
Mas o desenvolvimento do setor só será sustentável quando for possível instalar os equipamentos e vender a energia excedente para a rede elétrica, a exemplo do que ocorre na Alemanha e no Japão, diz Antonio Granadeiro, da Kyocera.
Nos dois casos, houve apoio oficial, com tarifas atraentes para venda à rede pública. Isso fez com que milhares de painéis fossem instalados em residências. No Brasil, não existe legislação, mas o PL no 1.563 prevê esse tipo de conexão. Segundo Granadeiro, se aprovada, a iniciativa permitiria “o planejamento de longo prazo”.
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