Graças a intensas chuvas que caíram meses atrás a milhares de quilômetros de distância e a uma boa precipitação in loco, a bacia do Lago Eyre, no coração da Austrália, está cheia de água, animais, plantas e turistas. O que há poucas semanas era deserto hoje é uma imensa área alagada e há esperança que as águas que ainda correm, vindas do norte, encham o lago pela primeira vez desde 1974. É o grande boom depois de décadas de vacas magras.
Trata-se do segundo ano consecutivo que a região, no estado de South Australia, registra cheias. Em 2009 o nível da água atingiu o pico em junho e não chegou a encher o lago. No século XX, isso só aconteceu três vezes. Toda vez, as águas trazem um ciclo de renovação, acordando os peixes que permaneceram dormentes nos waterholes que resistem à seca – este ano foram identificadas 20 espécies. Vindos da costa, milhares de pássaros, incluindo cisnes, pelicanos e gaivotas, convergem para o lago para reproduzir. Os cientistas buscam responder como as aves sabem quando há água no coração seco do continente.
Quanto aos turistas, com extensa cobertura da mídia, começa a peregrinação para ver a exuberância da região, com a maioria fazendo sobrevôos. Mas é possível também participar de uma regata, organizada por um insuspeitado yatch club que opera nos anos de enchente.
Até o século XIX, os colonos ingleses acreditavam que o interior australiano abrigava um imenso mar, pois era quase inimaginável que tão grande continente não contasse com rios capazes de encher um oceano. Várias expedições foram enviadas ao interior em busca do mítico lago, nunca encontrado. Hoje sabe-se que o grande corpo d’água está debaixo da terra, na chamada Grande Bacia Artesiana, um dos maiores e mais profundos aqüíferos do mundo, que se estende por baixo dos estados de South Australia, New South Wales e Queensland. A água das chuvas nos estados mais ao norte – Queensland e New South Wales – recarregam o aqüífero e, em anos bons, correm para o sul em direção ao lago.
A enchente no outback, além de um espetáculo de vida, traz a boa nova de que a seca de quase uma década foi interrompida. Em 2006, com os reservatórios de água reduzidos a menos de 20% da capacidade em 2006, o estado de Queensland resolveu agir. Além das restrições de uso da água em áreas externas – jardins e quintais, por exemplo –, o governo lançou uma campanha para reduzir o consumo dentro de casa. Chamada de Target 140, incentivou medidas voluntárias para manter o consumo abaixo de 140 litros por pessoa por dia. Bem sucedida, a campanha não só reduziu o consumo de 180 para 112 litros per capita diários, como manteve-o nesse patamar mesmo quando a meta foi elevada para 170 litros. Hoje Queensland tem a menor taxa de consumo de água da Austrália – prova de que, assim como o sertão pode virar mar, é possível mudar o estado coisas.