A adoção ainda é prática pouco comum neste mundo que se tornou populoso demais
Os filósofos Aristóteles e Jean-Jacques Rousseau eram. Os imperadores romanos Augusto e Tibério e o estilista Clodovil idem. Steve Jobs, o multimilionário fundador da Apple, é. Essas personalidades fazem parte de um clube extremamente restrito – o dos adotados.
A cada ano, 260 mil crianças são adotadas formalmente no planeta – a metade delas nos Estados Unidos. É pouquíssimo. Menos de 12 em cada 100 mil menores de 18 anos são adotados. E, em boa parte dos casos, eles ocorrem dentro de uma mesma família (padrastos que dão seu nome a enteados, por exemplo).
Esses dados são da Divisão de População do Departamento de Negócios Econômicos e Sociais do Secretariado das Nações Unidas. Ela acaba de publicar um raro estudo sobre o tema, Child Adoption: Trends and Policies (acesse aqui). Segundo o documento, além dos Estados Unidos, os recordistas são a China (46 mil por ano) e a Rússia (23 mil).
O estudo tem lá seus problemas. As estatísticas são dos primeiros anos do milênio e os dados brasileiros são parciais, limitando-se ao estado de São Paulo. Por isso, devemos olhar com alguma desconfiança a informação de que o País tem índices de adoção semelhantes aos da Alemanha, da França, da Espanha e do Canadá, que estão empatados na faixa de 4.500 crianças por ano.
No entanto, o documento da ONU indica tendências importantes. Ele aponta, por exemplo, que o número de crianças adotadas é 60 vezes menor que o de menores órfãos – e esse dado nem sequer inclui crianças abandonadas. Só na África, há pelo menos 70 milhões de candidatos à adoção, boa parte deles filhos de vítimas da Aids. O número de adoções locais teria de aumentar 2 mil vezes para dar conta desse contingente.
Vários fatores explicam por que as adoções são tão raras. Candidatos a pais adotivos enfrentam um sem-número de barreiras burocráticas, desorganização e longas listas de espera, que podem arrastar-se por anos.
Outro fator foi a revolução cultural dos últimos 40 anos. Hoje é muito mais fácil evitar uma gravidez indesejável e as mães solteiras já não enfrentam o estigma em boa parte do mundo, de modo que muitas decidem ficar com seus bebês. Essa mudança fez com que a “oferta” de crianças caísse nos países ricos. Um exemplo: em 1970, 175 mil recémnascidos foram adotados nos Estados Unidos. No começo desta década, esse número havia caído para menos de 7 mil.
Isso também ajuda a explicar por que as adoções internacionais estão se popularizando nos países ricos. Quase 85% dos processos ainda envolvem residentes de um mesmo país, mas o número de casais que buscam bebês em outras partes do mundo está aumentando rapidamente. Na Europa, por exemplo, eles já representam mais da metade do total.
A maior parte das crianças adotadas por estrangeiros vem do Leste Europeu e da Ásia, sobretudo Rússia, Ucrânia, China e Coreia do Sul, e segue para os Estados Unidos, a França e a Espanha. Na América Latina, só a Guatemala se destaca – em 2007, uma em cada 110 crianças nascidas no país foi enviada para os Estados Unidos. Mas esses números despertaram suspeita. Quando ficou claro que criminosos estavam raptando recém-nascidos para envio ao exterior, o governo guatemalteco teve de rever seus procedimentos. Esse tipo de comércio humano também levou a Romênia, a Bulgária e o Camboja a suspenderem temporariamente as adoções internacionais.
Por fim, as adoções são limitadas pelo alto grau de exigências das famílias, que dão preferência a meninas mais novas, saudáveis e que sejam da sua própria etnia. Nos orfanatos, são raros aqueles que se encaixam nesse perfil.
Cerca de 60% das crianças adotadas têm menos de 5 anos. Crianças mais velhas e adolescentes geralmente são adotados por familiares, não por estranhos.
Segundo o estudo, meninas são adotadas com mais frequência por razões que variam de país para país. Em alguns, é porque há mais garotas colocadas para adoção; em outros, as famílias as consideram mais fáceis de criar, ou esperam que elas ajudem com o trabalho doméstico e cuidem dos pais adotivos na velhice.
Essa visão “utilitária” não é, propriamente, novidade. Até o século XIX, as adoções eram associadas a interesses políticos ou à necessidade de obter mão de obra barata. O imperador Augusto, por exemplo, foi adotado postumamente por seu tio-avô, Júlio César, que não tinha herdeiros do sexo masculino que pudessem sucedê-lo. Só recentemente o processo passou a ser associado ao desejo de se constituir família, à solidariedade ou ao amor por uma criança.
O estudo da ONU mostra que ainda persiste um grande desencontro legal e uma falta de instituições que azeitem o processo para que as adoções se tornem viáveis e frequentes. O clube dos filhos do coração ainda deverá continuar restrito a poucos e bons por algum tempo.
*Jornalista especializada em meio ambiente.[:en]A adoção ainda é prática pouco comum neste mundo que se tornou populoso demais
Os filósofos Aristóteles e Jean-Jacques Rousseau eram. Os imperadores romanos Augusto e Tibério e o estilista Clodovil idem. Steve Jobs, o multimilionário fundador da Apple, é. Essas personalidades fazem parte de um clube extremamente restrito – o dos adotados.
A cada ano, 260 mil crianças são adotadas formalmente no planeta – a metade delas nos Estados Unidos. É pouquíssimo. Menos de 12 em cada 100 mil menores de 18 anos são adotados. E, em boa parte dos casos, eles ocorrem dentro de uma mesma família (padrastos que dão seu nome a enteados, por exemplo).
Esses dados são da Divisão de População do Departamento de Negócios Econômicos e Sociais do Secretariado das Nações Unidas. Ela acaba de publicar um raro estudo sobre o tema, Child Adoption: Trends and Policies (acesse aqui). Segundo o documento, além dos Estados Unidos, os recordistas são a China (46 mil por ano) e a Rússia (23 mil).
O estudo tem lá seus problemas. As estatísticas são dos primeiros anos do milênio e os dados brasileiros são parciais, limitando-se ao estado de São Paulo. Por isso, devemos olhar com alguma desconfiança a informação de que o País tem índices de adoção semelhantes aos da Alemanha, da França, da Espanha e do Canadá, que estão empatados na faixa de 4.500 crianças por ano.
No entanto, o documento da ONU indica tendências importantes. Ele aponta, por exemplo, que o número de crianças adotadas é 60 vezes menor que o de menores órfãos – e esse dado nem sequer inclui crianças abandonadas. Só na África, há pelo menos 70 milhões de candidatos à adoção, boa parte deles filhos de vítimas da Aids. O número de adoções locais teria de aumentar 2 mil vezes para dar conta desse contingente.
Vários fatores explicam por que as adoções são tão raras. Candidatos a pais adotivos enfrentam um sem-número de barreiras burocráticas, desorganização e longas listas de espera, que podem arrastar-se por anos.
Outro fator foi a revolução cultural dos últimos 40 anos. Hoje é muito mais fácil evitar uma gravidez indesejável e as mães solteiras já não enfrentam o estigma em boa parte do mundo, de modo que muitas decidem ficar com seus bebês. Essa mudança fez com que a “oferta” de crianças caísse nos países ricos. Um exemplo: em 1970, 175 mil recémnascidos foram adotados nos Estados Unidos. No começo desta década, esse número havia caído para menos de 7 mil.
Isso também ajuda a explicar por que as adoções internacionais estão se popularizando nos países ricos. Quase 85% dos processos ainda envolvem residentes de um mesmo país, mas o número de casais que buscam bebês em outras partes do mundo está aumentando rapidamente. Na Europa, por exemplo, eles já representam mais da metade do total.
A maior parte das crianças adotadas por estrangeiros vem do Leste Europeu e da Ásia, sobretudo Rússia, Ucrânia, China e Coreia do Sul, e segue para os Estados Unidos, a França e a Espanha. Na América Latina, só a Guatemala se destaca – em 2007, uma em cada 110 crianças nascidas no país foi enviada para os Estados Unidos. Mas esses números despertaram suspeita. Quando ficou claro que criminosos estavam raptando recém-nascidos para envio ao exterior, o governo guatemalteco teve de rever seus procedimentos. Esse tipo de comércio humano também levou a Romênia, a Bulgária e o Camboja a suspenderem temporariamente as adoções internacionais.
Por fim, as adoções são limitadas pelo alto grau de exigências das famílias, que dão preferência a meninas mais novas, saudáveis e que sejam da sua própria etnia. Nos orfanatos, são raros aqueles que se encaixam nesse perfil.
Cerca de 60% das crianças adotadas têm menos de 5 anos. Crianças mais velhas e adolescentes geralmente são adotados por familiares, não por estranhos.
Segundo o estudo, meninas são adotadas com mais frequência por razões que variam de país para país. Em alguns, é porque há mais garotas colocadas para adoção; em outros, as famílias as consideram mais fáceis de criar, ou esperam que elas ajudem com o trabalho doméstico e cuidem dos pais adotivos na velhice.
Essa visão “utilitária” não é, propriamente, novidade. Até o século XIX, as adoções eram associadas a interesses políticos ou à necessidade de obter mão de obra barata. O imperador Augusto, por exemplo, foi adotado postumamente por seu tio-avô, Júlio César, que não tinha herdeiros do sexo masculino que pudessem sucedê-lo. Só recentemente o processo passou a ser associado ao desejo de se constituir família, à solidariedade ou ao amor por uma criança.
O estudo da ONU mostra que ainda persiste um grande desencontro legal e uma falta de instituições que azeitem o processo para que as adoções se tornem viáveis e frequentes. O clube dos filhos do coração ainda deverá continuar restrito a poucos e bons por algum tempo.
*Jornalista especializada em meio ambiente.