Mecanismos envolvendo impostos indicam aos agentes econômicos que a conservação pode trazer recompensa
Uma maneira de influenciar o comportamento em benefício da conservação ambiental é trabalhar com os impostos e, quando se trata de impostos, o Brasil sempre se destaca. Entre outros mecanismos, inventou o ICMS Ecológico, que agora é aperfeiçoado nos estados – caso do Paraná, que vem experimentando o repasse da receita do tributo diretamente para proprietários de terras que se comprometem a conservar suas áreas.
Assim como nos esquemas de pagamentos por serviços ambientais, o uso dos impostos visa mudar a matriz de recompensa que um agente econômico analisa ao decidir o uso que fará da terra, por exemplo. Com o imposto, é possível taxar e tornar caras as atividades consideradas “insustentáveis”, ou subsidiar e incentivar aquelas sustentáveis.
Esta última é a base do ICMS Ecológico – repasse de parte da arrecadação do ICMS pelos Estados para municípios que abriguem mananciais e Unidades de Conservação (UCs). Em geral, o repasse é feito às prefeituras, que não são obrigadas a destinar os recursos para conservarção. O Paraná, entretanto, vem desenvolvendo a proposta de repassar os recursos diretamente aos proprietários de Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs).
O processo envolve desde a organização dos proprietários até a fiscalização do uso dos recursos, com o objetivo de incentivar a conservação de fragmentos florestais no Estado, que até 2001 tinha apenas 0,8% de florestas remanescentes em pé.
“O ICMS ecológico opera como mecanismo de precaução”, esclarece Wilson Loureiro, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP). “Não é preciso esperar o sujeito desmatar para ir lá multar”. Segundo Loureiro, todo o processo é orientado pelo Tribunal de Contas do Estado e os recursos têm de ser investidos na conservação da área. O repasse para particulares precisa ser estabelecido por lei municipal, por isso o esforço envolve desde os órgãos ambientais estaduais até prefeitos e legisladores locais.
A iniciativa, embora válida, ainda é pontual, afirma Clóvis Ricardo Schrappe Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), com sede em Curitiba. Para ele, a idéia de gerar incentivos para áreas de particulares é a única solução imediata que pode impedir o desaparecimento de fragmentos de floresta remanescente. “A decisão é movida pelo desespero: ou se criam artifícios para manter essas áreas, que são pouquíssimas, ou elas desaparecem”, resume.
Criado em 1991, o ICMS-Ecológico é uma tentativa de compensar danos ambientais. Além do Paraná, é adotado em mais nove estados: São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Tocantins, Amapá, Pernambuco e Rondônia.
Trata-se da utilização de uma possibilidade aberta pelo artigo 158 da Constituição Federal, que permite aos Estados definir em legislação específica parte dos critérios para o repasse de recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, a que os municípios têm direito.
De acordo com a Constituição, 25% do ICMS arrecadado é dos municípios. Desse total, 75% têm de seguir o critério do valor adicionado para repasse. Sobram 25% para dispor. “No Paraná, pegamos 5% desse montante e repassamos para municípios com mananciais e com Unidades de Conservação em seus limites”, informa Loureiro. Os recursos para os proprietários de RRPNs saem da parcela destinada às Ucs. O Paraná tem hoje 187 RPPNs, a maioria criada nos últimos 15 anos.
No Brasil, segundo o IBGE, 389 municípios recebem repasse do ICMS Ecológico. Para a assessora jurídica do WWF-Brasil, Georgia Pessoa, a vantagem é que ele redistribui o dinheiro do ICMS. “Os municípios que não produzem mercadorias não recebem repasse. O ICMS Ecológico tenta corrigir isso”.
Ainda em déficit
Piraquara, no Paraná, é um bom exemplo. A cidade tem a maior arrecadação de ICMS Ecológico do Estado: cerca de R$ 800 mil por mês, ou 25% de sua receita. Com mananciais que incluem as nascentes do rio Iguaçu, Piraquara abastece de água 50% da região metropolitana de Curitiba. Aproximadamente 97% da área do município é composta por Ucs.
“O ICMS Ecológico ajuda, mas não basta para compensar as pesadas restrições ambientais que temos. Somos a segunda pior arrecadação proporcional do Paraná”, compara o prefeito Gabriel Samaha, do PPS, lembrando que o município não pode ter indústrias poluentes, mas tem um déficit de saneamento básico da ordem de 70% dos domicílios. “Dos 100 mil habitantes de Piraquara, 40 mil estão em áreas irregulares, ou seja, em mananciais”.
Samaha pleiteia um aumento no percentual de repasse do ICMS Ecológico junto ao governo estadual e quer receber também royalties pela água. “Se a concessionária nos pagar R$ 0,08 por m³ de água fornecida, a receita do município terá incremento de R$ 6 bilhões por ano”, estima.
A idéia de utilizar o sistema tributário para proteger o meio ambiente não é nova. Na Austrália, Bélgica, Japão e Noruega, despesas com prevenção e controle da poluição podem ser deduzidas dos impostos devidos. Em Portugal investimentos ambientais das empresas podem também ser abatidos. No Canadá, cobra-se uma sobretaxa dos estabelecimentos que emitem mais poluentes do que o permitido pelas autoridades. Neste caso, a tributação pode ser entendida como uma tentativa de mudar o comportamento dos cidadãos, algo que os especialistas chamam de função ‘extra-fiscal’ do tributo.
“O imposto é uma linguagem que as pessoas entendem. Assim como os incentivos”, explica o tributarista Rogério Tubino, salientando que a legislação ambiental brasileira é algo como uma colcha de retalhos. “Existem iniciativas visando objetivos específicos, mas não há sinergia entre elas”.
De fato, no Brasil, o cenário de incentivos fiscais e tributos com o objetivo de proteger o meio ambiente ainda está sendo montado. Um passo recente foi a aprovação, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, da proposta de IR-Ecológico, uma espécie de Lei Rouanet para o meio ambiente.
O substitutivo ao projeto de lei 5974/05 prevê que pessoas físicas e jurídicas poderão deduzir do imposto de renda devido percentagens das quantias doadas a entidades sem fins lucrativos, para aplicação em projetos de conservação do meio ambiente e promoção do uso sustentável dos recursos naturais.
As organizações que desejem receber doações e patrocínios de acordo com a nova lei deverão inscrever seus projetos no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Aprovada a proposta, o proponente tem de procurar seu ‘patrocinador’. O As percentagens são de até 80% dos valores doados para pessoa física e até 40% para pessoa jurídica, respeitando os limites da legislação do IR para dedução, que são de 6% para pessoa física e 4% para pessoa jurídica. “A doação pode ser feita diretamente para ONGs ou para fundos públicos ambientais”, diz Géorgia Pessoa.
O MMA provavelmente ficará encarregado de fiscalizar a execução dos projetos. A proposta ainda tem de ser aprovada pela Comissão de Finanças e Tributação e pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, antes de voltar ao Senado.
“Estamos falando de renúncia fiscal e isso custa para os cofres públicos”, alerta Tubino. “Renunciar às receitas sem a exata noção dos retornos positivos que vamos gerar é um risco. Para Geórgia Pessoa, a proposta está de acordo com o sistema tributário brasileiro. “Foi feito um amplo estudo para calcular os impactos na receita”, assegura. Especialista em meio ambiente e terceiro setor, a advogada Érika Bechara concorda. “O Estado vai abrir mão de uma soma, mas os projetos cobrirão as lacunas deixadas por ele”.
Compensações
O incentivo a projetos que visam a conservação do meio, ou a iniciativas que previnam danos ambientais, ainda é novidade na legislação brasileira, que sempre operou no sentido de mitigar danos ambientais já causados, e não de evitá-los. Nesta seara, o Brasil também inovou ao criar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).
O sistema prevê uma compensação prévia de, no mínimo, 0,5% do valor total de uma obra causadora de significativos impactos ambientais. Em março deste ano uma resolução do Conama detalhou a lei. “Agora, para cobrar acima dos 0,5%, o órgão ambiental competente tem de estabelecer metodologia para definir o grau dos impactos”, informa Érika Bechara.
Ainda com foco na compensação, o Termo de Ajustamente de Conduta às Exigências da Lei, popularmente chamado de TAC, também funciona na área ambiental. Trata-se de um acordo entre o Ministério Público – ou o órgão público ambiental competente – e aqueles que têm ações ambientais a cumprir. “O infrator assume o compromisso de fazer o que está na lei, mas consegue negociar prazos e condições”, explica Érika Bechara.
A primeira instituição pública de pesquisas do País erguida como resultado de um TAC-Ambiental acaba de ser inaugurada em Cubatão – o Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema), construído pela Petrobrás numa área de 20 mil metros quadrados pertencente à Refinaria Presidente Bernardes, com investimentos de R$ 10,8 milhões. Apesar do gasto vultoso, é de se perguntar se a compensação terá o efeito de mudar o comportamento da empresa, como um incentivo faria.