Uma análise de 1.018 produtos “ecologicamente corretos” nos EUA chegou a conclusões cabeludas. Na hora da compra, duvidar ainda é preciso
Por Regina Scharf*
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Quando o gigante supermercadista Wal-Mart decidiu dobrar o espaço dedicado aos orgânicos em suas gôndolas nos EUA, alguns celebraram a popularização dos produtos fabricados sem agrotóxicos e fertilizantes químicos. Outros torceram o nariz, temendo que a rede oferecesse mercadorias de procedência duvidosa.
Talvez o temor tenha algum fundamento.
Um estudo recente avaliou a confiabilidade de 1.018 produtos com diferenciais teoricamente sustentáveis — de pasta de dentes a cartuchos de impressoras — vendidos em lojas americanas e canadenses do porte do Wal-Mart.
A conclusão foi cabeluda.
Apenas um produto — uma marca de papel higiênico produzido sem cloro, com conteúdo reciclado — cumpriu plenamente aquilo que prometia. Ou seja, 99,9% dos exemplares avaliados eram mentirosos ou, pelo menos, dúbios. O levantamento foi feito pela TerraChoice Environmental Marketing, consultoria especializada no desenvolvimento de produtos sustentáveis e no reposicionamento de empresas nesse mercado.
“Os consumidores recebem uma enxurrada de produtos que apregoam ser ecologicamente corretos”, diz Scott McDougall, presidente da TerraChoice.
“Pois nós encontramos uma terrível quantidade de ofertas enganosas.” Esse tipo de estelionato é particularmente vantajoso, já que os consumidores conscientes costumam aceitar preços mais salgados.
A empresa identificou seis pecados recorrentes. O mais comum é o da “cortina de fumaça”, verificado em 57% dos casos analisados. Trata-se da celebração de uma qualidade real que desvia a atenção dos problemas existentes. Embora não se trate de uma falsidade, não resiste a uma análise mais aprofundada do ciclo de vida do produto. Para McDougall, é como o mágico que mostra uma mão para que o público não preste atenção na outra.
Entre os exemplos citados pela pesquisa estão o dos eletrônicos de baixo consumo energético, mas com altos teores de metais pesados, e o do papel reciclado branqueado com cloro.
Pecados e pérolas
O segundo pecado mais comum, presente em 26% das ocorrências, é o da falta de comprovação. É o caso de um xampu que se diz orgânico, mas não oferece evidência nesse sentido, nem no rótulo nem no site da empresa. Da mesma forma, muitos produtos de higiene e beleza cujos rótulos informavam que não foram testados em animais não apresentavam nenhuma prova disso.
Em 11% das análises, as informações prestadas eram muito vagas. Muitos desses produtos exploram expressões vazias e ambíguas, como “livre de substâncias químicas”, “atóxico”, “100% natural”, “verde”, “amigo do meio ambiente” ou “ecoconsciente”. Trata-se de besteiras evidentes. Levante o braço quem conseguir citar uma única substância da natureza que não seja química.
O estudo da TerraChoice verificou que, em 4% dos casos, a qualidade apregoada era irrelevante. Aerossóis que indicavam não conter CFC deixavam de informar que o gás, nocivo à camada de ozônio, foi banido desse uso há décadas.
O pecado da mentira foi identificado em menos de 1% dos produtos. Diziam, por exemplo, possuir determinadas certificações socioambientais, dado que não resistia a uma checagem apurada. Entre estes, uma pérola: um detergente para máquina de lavar louça cuja embalagem indicava ter sido produzida com papel 100% reciclado, embora fosse inteiramente de plástico. Por fim, 1% advogava uma ética ambígua, oferecendo o menor de dois males, como os cigarros orgânicos.
Tapear consumidores engajados é um esporte praticado também do outro lado do Atlântico. O Julie’s, restaurante londrino queridinho de celebridades, e que oferecia pratos de carne e frango orgânicos, foi multado em 11.500 libras esterlinas porque os fiscais verificaram que, na verdade, o chef usava produtos convencionais. Seu sócio-gerente — que admitiu culpa, mas disse que se tratava de um escorregão isolado — foi alertado de que, se fosse levado à Justiça novamente pelo mesmo motivo, iria para a cadeia.
O governo britânico desencadeou uma investigação em açougues e supermercados para checar a procedência da carne supostamente orgânica, com a ajuda da Food Standards Agency, que está desenvolvendo um teste capaz de detectar a presença de antibióticos na carne.
Existe uma forma de prestigiar os bons fornecedores e as marcas fidedignas, e desviar-se dos picaretas? Um caminho é ficar de olho em selos e certificados consagrados. O outro é duvidar, duvidar, até prova em contrário.
* Jornalista especializada em meio ambiente
Uma análise de 1.018 produtos “ecologicamente corretos” nos EUA chegou a conclusões cabeludas. Na hora da compra, duvidar ainda é preciso
Por Regina Scharf*
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Quando o gigante supermercadista Wal-Mart decidiu dobrar o espaço dedicado aos orgânicos em suas gôndolas nos EUA, alguns celebraram a popularização dos produtos fabricados sem agrotóxicos e fertilizantes químicos. Outros torceram o nariz, temendo que a rede oferecesse mercadorias de procedência duvidosa.
Talvez o temor tenha algum fundamento.
Um estudo recente avaliou a confiabilidade de 1.018 produtos com diferenciais teoricamente sustentáveis — de pasta de dentes a cartuchos de impressoras — vendidos em lojas americanas e canadenses do porte do Wal-Mart.
A conclusão foi cabeluda.
Apenas um produto — uma marca de papel higiênico produzido sem cloro, com conteúdo reciclado — cumpriu plenamente aquilo que prometia. Ou seja, 99,9% dos exemplares avaliados eram mentirosos ou, pelo menos, dúbios. O levantamento foi feito pela TerraChoice Environmental Marketing, consultoria especializada no desenvolvimento de produtos sustentáveis e no reposicionamento de empresas nesse mercado.
“Os consumidores recebem uma enxurrada de produtos que apregoam ser ecologicamente corretos”, diz Scott McDougall, presidente da TerraChoice.
“Pois nós encontramos uma terrível quantidade de ofertas enganosas.” Esse tipo de estelionato é particularmente vantajoso, já que os consumidores conscientes costumam aceitar preços mais salgados.
A empresa identificou seis pecados recorrentes. O mais comum é o da “cortina de fumaça”, verificado em 57% dos casos analisados. Trata-se da celebração de uma qualidade real que desvia a atenção dos problemas existentes. Embora não se trate de uma falsidade, não resiste a uma análise mais aprofundada do ciclo de vida do produto. Para McDougall, é como o mágico que mostra uma mão para que o público não preste atenção na outra.
Entre os exemplos citados pela pesquisa estão o dos eletrônicos de baixo consumo energético, mas com altos teores de metais pesados, e o do papel reciclado branqueado com cloro.
Pecados e pérolas
O segundo pecado mais comum, presente em 26% das ocorrências, é o da falta de comprovação. É o caso de um xampu que se diz orgânico, mas não oferece evidência nesse sentido, nem no rótulo nem no site da empresa. Da mesma forma, muitos produtos de higiene e beleza cujos rótulos informavam que não foram testados em animais não apresentavam nenhuma prova disso.
Em 11% das análises, as informações prestadas eram muito vagas. Muitos desses produtos exploram expressões vazias e ambíguas, como “livre de substâncias químicas”, “atóxico”, “100% natural”, “verde”, “amigo do meio ambiente” ou “ecoconsciente”. Trata-se de besteiras evidentes. Levante o braço quem conseguir citar uma única substância da natureza que não seja química.
O estudo da TerraChoice verificou que, em 4% dos casos, a qualidade apregoada era irrelevante. Aerossóis que indicavam não conter CFC deixavam de informar que o gás, nocivo à camada de ozônio, foi banido desse uso há décadas.
O pecado da mentira foi identificado em menos de 1% dos produtos. Diziam, por exemplo, possuir determinadas certificações socioambientais, dado que não resistia a uma checagem apurada. Entre estes, uma pérola: um detergente para máquina de lavar louça cuja embalagem indicava ter sido produzida com papel 100% reciclado, embora fosse inteiramente de plástico. Por fim, 1% advogava uma ética ambígua, oferecendo o menor de dois males, como os cigarros orgânicos.
Tapear consumidores engajados é um esporte praticado também do outro lado do Atlântico. O Julie’s, restaurante londrino queridinho de celebridades, e que oferecia pratos de carne e frango orgânicos, foi multado em 11.500 libras esterlinas porque os fiscais verificaram que, na verdade, o chef usava produtos convencionais. Seu sócio-gerente — que admitiu culpa, mas disse que se tratava de um escorregão isolado — foi alertado de que, se fosse levado à Justiça novamente pelo mesmo motivo, iria para a cadeia.
O governo britânico desencadeou uma investigação em açougues e supermercados para checar a procedência da carne supostamente orgânica, com a ajuda da Food Standards Agency, que está desenvolvendo um teste capaz de detectar a presença de antibióticos na carne.
Existe uma forma de prestigiar os bons fornecedores e as marcas fidedignas, e desviar-se dos picaretas? Um caminho é ficar de olho em selos e certificados consagrados. O outro é duvidar, duvidar, até prova em contrário.
* Jornalista especializada em meio ambiente
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