Ao buscar novas formas de usar o território e os recursos naturais, o projeto da tecnofloresta planeja áreas de recomposição florestal que crescem junto com núcleos urbanos
Construir novas cidades em um mundo no qual a dinâmica urbana é caracterizada mais pelo adensamento de núcleos existentes do que pelo surgimento de novas aglomerações pode parecer estranho. Mas, se a idéia é trilhar um caminho diferente daquele aberto nos últimos séculos, em que o estabelecimento de vilas e cidades significou a supressão de áreas de florestas e a degradação dos recursos naturais, o resultado pode ser uma tecnofloresta.
“Dentro de um projeto de reflorestamento, é possível conjugar os bens que a floresta produz com o desenvolvimento do século XXI”, afirma João Lutz Barbosa, pesquisador da área de Inovação Tecnológica e Organização Industrial, do Programa de Engenharia de Produção do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Integrante da Associação para o Desenvolvimento de Pesquisa em Design, Lutz é um entre vários pesquisadores – arquitetos, designers de produto, ilustradores, professores, biólogos, engenheiros e, futuramente, antropólogos – dedicados ao projeto. Mais do que redesenhar, diz ele, o importante é planejar, projetar.
“Projetar tem a mesma raiz de projétil, aquilo que se coloca no futuro”. Por isso a tecnologia pode e deve ser usada não só para recuperar ecossistemas e seus serviços ambientais, por meio da recomposição da vegetação nativa, mas para orientar a ocupação humana do mesmo espaço. Eis então a tecnofloresta.
Imaginação e roteiro Quando o projeto é inédito, uma boa dose de imaginação ajuda a estruturar um roteiro de ação. No caso da tecnofloresta, o exercício começa com discussões sobre a idéia e prossegue com as visualizações – primeiro em desenho, depois em maquetes.
A idéia é criar comunidades com cerca de dez famílias, cada uma em média com cinco pessoas, diz Lutz. Cada núcleo contaria com posto de atendimento médico, escola, centro cívico, área de plantio ou de criação de animais domésticos e área para reintrodução de animais silvestres. Além disso, é preciso conjugar o desenvolvimento da floresta e da vila com atividades que já fazem parte do cotidiano das populações locais. Afinal, são os moradores das comunidades, interessados em novas formas de sustento – produção para consumo, manejo de recursos naturais – e em recuperar áreas degradadas, os futuros ocupantes da tecnofloresta.
Surgem aí o terceiro e o quarto passos da empreitada: comprometer parceiros e detalhar materiais, técnicas e estratégias de sustentabilidade. O convívio com a floresta, lembra Lutz, não depende apenas de bens associados aos ecossistemas – produtos de extrativismo, créditos de carbono, água para beber, terra pra plantar. “Existe um fator primordial, que é o viver na floresta”, diz. “Havia um conhecimento ancestral de como operar esse convívio, mas ele vai se perdendo com o tempo.” O fator tecnológico da experiência une os saberes científicos – pesquisa de materiais, design do espaço, tecnologias da informação e técnicas de produção sustentável – a modos de respeitar os limites biológicos da floresta, transmitidos de uma geração a outra. Daí a importância do processo participativo envolvendo os pesquisadores e as comunidades para levar a proposta adiante. Já existe data e local para dar início ao projeto: fevereiro de 2009, Vale do Paraíba.
Vida nova a cidades mortas
O Vale do Paraíba abrange partes do Leste do Estado de São Paulo e do Oeste do Rio de Janeiro, e abriga a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Expoente da produção de café até o início do século XX, a região entrou em decadência com a crise financeira de 1929.
Arapeí, Areias, Bananal, São José do Barreiro e Silveiras, outrora bases de extensas plantações e casarões do café, ganharam do escritor Monteiro Lobato o apelido de “cidades mortas”. A partir dos anos 50, a indústria se desenvolveu na região, mas as cidades ficaram à margem e mantiveram a agropecuária familiar e alguma atividade turística na base da economia.
“A pobreza é sem dúvida grande devastadora do ambiente natural, tal como a ganância”, declara Lutz sobre os dois extremos em que viveu a região. Anos de exploração intensiva da terra levaram à forte degradação ambiental, justamente na região que bordeia os parques nacionais da Serra da Bocaina e de Itatiaia e abriga as nascentes do Rio Paraíba. Os sinais de erosão e esgotamento do solo, a falta de matas ciliares que protegessem o rio e a contaminação de suas águas chamaram a atenção dos educadores, que, em 2005, passaram a atuar na região em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Design, da UniverCidade.
Eles desembarcaram ali para participar do projeto Sala Verde, programa do Ministério do Meio Ambiente para a educação ambiental de comunidades carentes, em parceria com escolas públicas, proprietários rurais, comunidades ribeirinhas, artesãos locais e indústrias.
“Com o convívio, percebemos que a região tem elementos interessantes, como o passado histórico e remanescentes importantes de Mata Atlântica, além da estagnação econômica”, afirma Lutz, citando Arapeí, município com o menor índice de desenvolvimento humano do Estado de São Paulo.
A relação com a comunidade em Arapeí ajudou a mostrar possíveis caminhos para a tecnofloresta. A Sala Verde Sertões da Bocaina foi o ponta-pé inicial, conta Lutz, com o desenvolvimento de projetos, exposições, cartazes, palestras sobre a História do Brasil, cursos para a formação de monitores ambientais e reuniões sobre as vocações do município. As iniciativas surgiram de uma demanda da população por projetos culturais e alternativas de trabalho.
“Queremos gerar conhecimento, e não que as pessoas sejam operadoras de uma técnica”, resume Lutz. “É assim que podemos chegar a um produto que tenha valor.” O projeto da Sala Verde em Arapeí segue até janeiro de 2009 e, depois, deve se multiplicar em outras cidades do vale.
As ações a serem transmitidas a outras comunidades são as mesmas que servirão de base para o processo de formação da tecnofloresta a partir de fevereiro: o desenvolvimento com a população de novas formas de uso de recursos naturais no artesanato e de alternativas sustentáveis para os produtores rurais, além do planejamento turístico voltado para a valorização do ambiente natural. A tecnofloresta deve sair do papel em uma área degradada, fora do núcleo urbano de Arapeí, que no futuro funcionaria como corredor ecológico entre os parques da Bocaina e de Itatiaia.
Projetar o futuro
Se vislumbrar a prática é importante, buscar parceiros é fundamental parar chegar ao quinto passo: construir um protótipo. A região está cheia de potenciais apoiadores – CSN, Xerox, Eletronuclear – que, segundo Lutz, teriam interesse em colaborar para reduzir seu passivo ambiental, como a poluição do Rio Paraíba.
A Nokia já apóia uma pesquisa para projetar como estará a região em 2013 com as alterações ambientais e socioeconômias previstas, uma delas a nova ligação rodoviária entre Rio e São Paulo. “Como será feita essa estrada? Haverá discussão pública?”, pergunta Lutz. “Pode trazer resultados positivos, mas também reproduzir o que vimos em outras regiões: a proliferação de postos de gasolina e bordéis.”
Alterações como as mudanças climáticas também precisam ser levadas em conta na hora de projetar, alerta o pesquisador, citando o australiano Tony Fry, teórico do design. “Sabemos que zonas costeiras serão inundadas, temos tornados e vendavais que não existiam antigamente, encontramos pássaros que não encontrávamos, os mosquitos chegam mais alto porque está menos frio.” E, para isso, não bastam os parceiros privados. “O poder público tem que usar os recursos para se antecipar, preparar um futuro melhor.” Se o projeto da vila protótipo – com base na experiência em Arapeí – der certo, a tecnofloresta avançará para a última etapa: ampliar o círculo de parceiros e de comunidades que querem ver crescer não apenas cidades ou florestas, mas ambas em conjunto.
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Trama verde
Em San José, a floresta volta à cidade, conecta espaços públicos e traz qualidade de vida
por Flavia Pardini
É comum que as grandes cidades dos trópicos guardem réstias das grandes florestas que cobriam o território antes da chegada do asfalto, dos arranha-céus e dos carros. Mas em geral elas estão confinadas a parques, transformam-se em áreas a serem visitadas e não fazem parte do cotidiano, e, portanto, da qualidade de vida, dos habitantes. Na contramão está San José, capital da Costa Rica, que decidiu se transformar em floresta urbana.
Aprovado pelo município no ano passado, o projeto do Instituto de Arquitetura Tropical (IAT) foi um de cinco escolhidos para representar a arquitetura sustentável na mostra América Latina: Vistas y re-vistas de un continente, na Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano. O projeto Floresta Urbana quer reflorestar a cidade, não plantando árvores aqui e ali, mas enchendo parques, calçadas, muros de um tecido vegetal que se infiltre no ambiente construído, dê conectividade aos espaços públicos e recupere, pelo menos em parte, funções ambientais prestadas pela floresta. A mata deixa, assim, de ser uma ilha verde sempre diminuta no meio do concreto. E a cidade volta a ser tropical.
Em 2007 e 2008 foram plantadas 27,8 mil mudas e, segundo o IAT, mais virão. “Transformar a cidade em floresta urbana permitirá fixar o CO2 em sua origem, baixar a temperatura da ilha de calor e melhorar a qualidade de vida”, escreveu um dos autores do projeto, o arquiteto Bruno Stagno, no jornal costa-riquenho La Nación.