É possível criar uma nova economia dentro do sistema capitalista democrático para que as sociedades humanas vivam de acordo com os limites biofísicos, afirma o economista ecológico australiano Philip Lawn, professor da Flinders University, em Adelaide. Trata-se de uma economia em steady-state que não só limita a quantidade de recursos que consome e a de resíduos que libera no meio ambiente, mas busca melhorar em qualidade ao longo do tempo. Ou seja, produzir melhor em vez de produzir mais. Na opinião de Lawn, é preciso adotar esquemas de cap-and-trade para todos os recursos e resíduos, além de reformular o capitalismo para que beneficie a sociedade e os indivíduos. Os países ricos, onde o crescimento já é “deseconômico”, deveriam parar de crescer imediatamente e permitir às nações mais pobres que tenham o “espaço ecológico” para elevar seu bem-estar. Crescer continuamente é ecologicamente insustentável e torna inevitável a transição para a economia em steady-state, garante Lawn. Melhor pôr mãos e mentes à obra e começar a desenhar.
Parece haver consenso ao redor do mundo quanto à necessidade de “estimular” a economia, criar empregos e infraestrutura “verdes”. Se o objetivo é voltar a crescer, quão “verde” é esse New Deal?
Primeiro, a ideia de criar empregos e investir em infraestrutura verdes é boa. Ao mesmo tempo, se vem embutida em uma política baseada no crescimento, isso não é bom. A transição para empregos e infraestrutura verdes, por si só, não permite que as economias continuem a crescer de uma forma que não danifique o meio ambiente. A principal razão é o chamado efeito de Jevons. Para um determinado nível de atividade econômica, se você cria empregos e infraestrutura verdes, o impacto ambiental diminui. Entretanto, se o volume total de atividade econômica aumenta – e é provável que aconteça se o tal New Deal se baseia na noção de economias em crescimento -, então há a possibilidade de que o efeito de escala supere os benefícios em eficiência decorrentes da transição para empregos e infraestrutura verdes. Neste caso, o impacto ambiental geral é maior.
A única maneira em que mais eficiência reduz o impacto ambiental total é se o aumento percentual em eficiência for maior do que o aumento percentual no volume total de atividade econômica. A infraestrutura tem que ser substituída, temos que assegurar que ela e os novos empregos sejam verdes, mas temos que fazer isso no contexto de uma transição para uma economia em steady-state (SSE na sigla em inglês), que não cresce fisicamente, mas melhora em qualidade ao longo do tempo.
Como os países ricos deveriam agir diante da recessão?
Uma vez que a transição para a SSE levará tempo, os governos precisam, enquanto isso, fazer o possível para reduzir o sofrimento, focando em equidade distributiva. Defendo o mecanismo Garantia de Emprego, simplesmente porque o desemprego é indefensável moralmente. É desenhado para garantir que qualquer pessoa desempregada seja empregada pelo governo e receba um salário mínimo suficiente para viver; garante pleno emprego mesmo durante uma recessão. Nas circunstâncias atuais, torna-se mais importante, porque é uma forma lógica de racionar trabalho no momento em que o PIB está caindo. Na Austrália, o governo gastou 42 bilhões de dólares australianos (A$) em dois pacotes de estímulo, mas o desemprego continua a subir. O Centre of Full Employment and Equity da Universidade de Newcastle estimou que o mecanismo traria pleno emprego ao custo de A$ 9 bilhões.
Como funciona uma economia em steady-state?
É basicamente uma economia que não cresce, mas não quer dizer que estagna ou definha. Nela, bens e serviços são consumidos, o capital se desgasta e precisa ser substituído. Apenas o estoque de riqueza na economia não cresce fisicamente. A SSE busca a melhora qualitativa desse estoque ao longo do tempo – a mesma quantidade de riqueza, mas de mais qualidade. E, se o estoque de riqueza melhora, melhora nosso bem-estar. Aumentar o estoque de riqueza – que é o que tentamos fazer com políticas baseadas no crescimento – não eleva o bem-estar, porque os benefícios adicionais que se extraem desse processo têm rendimentos decrescentes.
E há custos crescentes, pois, ao aumentar o estoque de riqueza, você começa a consumir o meio ambiente, porque precisa de mais recursos. Há também pressões crescentes, mais crime, tensões familiares, porque a sociedade se esforça para produzir mais em vez de melhor. Para produzir mais, temos de trabalhar mais. Produzir melhor significa ter gente pensando sobre como fazer isso. É errado sugerir que há uma escolha entre a economia do crescimento e a SSE. Porque crescimento contínuo é insustentável ecologicamente, a SSE é inevitável – queiramos ou não, ela virá.
A escolha que temos é fazer uma transição suave, desejável, para a SSE agora, ou esperar que a natureza a imponha sobre nós. Ou seja, a escolha é adotar a SSE por desenho ou por desastre. Temos que fazer por desenho e agir urgentemente para evitar o desastre.
Todos devem adotar a SSE ou alguns países ainda se beneficiam do crescimento?
Na minha opinião, os países ricos precisam se mover em direção à SSE já. As nações pobres ainda precisam de um pouco mais de crescimento, mas tem que ser o mais limpo, eficiente e equitativo possível, de forma que extraiam o máximo desse crescimento que ainda podem ter antes que, elas também, tenham de caminhar para a SSE. Um dos problemas que os países pobres enfrentam é que o crescimento não produz os benefícios que gerou quando as nações ricas estavam no mesmo estágio. Isso porque o mundo agora tem muito mais gente, muito mais bens e serviços, e porque as nações ricas usaram os melhores recursos, aqueles facilmente acessáveis. Significa que o crescimento para as nações pobres agora é muito custoso se comparado a quando os países ricos se desenvolveram.
Os EUA, quando se desenvolveram, tinham petróleo de alta qualidade no Texas, enquanto para países como a China boa parte do petróleo vem do Oriente Médio. A distância e a baixa qualidade do óleo significam que o custo de crescer é muito maior e que os chineses não obtêm o mesmo aumento de bemestar com o mesmo nível de crescimento no mesmo estágio de desenvolvimento que os EUA obtiveram.
Do ponto de vista global, é possível limitar o crescimento sem limitar a população?
A resposta curta é não. Podemos limitar o crescimento do PIB, adotar a SSE e aumentar a população por algum tempo ainda, mas isso significa reduzir o bem-estar per capita, e isso não é desejável. Não me oponho à ideia de mais pessoas, mas, se não fizermos nada em relação ao crescimento da população, podemos ter mais pessoas vivendo agora – e uma grande proporção delas miseravelmente – e poucas pessoas vivendo no futuro, caso danifiquemos a base biofísica de toda a vida. Se fizermos algo para conter o crescimento da população, teremos menos pessoas vivendo agora – e uma proporção menor delas na miséria – e, desde que adotemos a SSE e preservemos a base biofísica da vida, muitas gerações por vir. Portanto, ao controlar o crescimento da população agora, vamos maximizar o número total de pessoas que vão viver. Se não, haverá menos pessoas experimentando a alegria de viver.
Como se daria a transição para a SSE? Que tipo de política é necessário? Bastam políticas macroeconômicas?
As políticas macroeconômicas são importantes, porque frequentemente envolvem gastos do governo, e isso afeta o nível da demanda por recursos e a quantidade de bens produzidos. Ou seja, afeta a escala da economia e o fato de a economia crescer ou não. Haveria ajustes nas políticas macroeconômicas, mas não acho que elas sejam tão importantes quanto outras políticas. A mais importante, na minha opinião, é a autoimposição, pelo país como um todo, de restrições quantitativas na taxa de throughput dos recursos, ou seja, a quantidade de recursos que entra na economia e a quantidade de materiais que volta para o meio ambiente. É preciso se certificar de que a taxa de throughput é ecologicamente sustentável e para isso há três regras básicas.
A primeira é que a taxa de uso dos recursos renováveis não deve exceder a taxa em que eles se regeneram. Segundo, é preciso assegurar que a exploração dos recursos não renováveis não supere a taxa em que podem ser substituídos por recursos renováveis. Terceiro, temos de garantir que a taxa com que geramos resíduos não exceda a capacidade do meio ambiente de assimilá-los. Este ponto é muito importante – nos anos 70, quando o Clube de Roma lançou o relatório Limites do Crescimento, a ênfase estava nos recursos que entram na economia. Isso ainda é importante, mas os problemas ambientais que enfrentamos hoje, como a destruição da camada de ozônio e o aquecimento global, surgiram porque a taxa de geração de resíduos excede a capacidade do meio ambiente de assimilá-los. O lado dos resíduos da equação da sustentabilidade é tão importante quanto o dos recursos.
Como impor limites e adotar a SSE no sistema capitalista-democrático que existe em boa parte do mundo?
A melhor maneira, na minha opinião, é impor esquemas de cap-and-trade. O cap determina o limite, o trade permite que as pessoas negociem o acesso aos recursos e aos sistemas que assimilam resíduos.
O senhor propõe cap-and-trade para todos os recursos e sistemas de absorção de resíduos?
Sim, desta maneira é possível limitar as taxas de consumo de recursos e de geração de resíduos, sempre observando as três regras. A chave em relação aos esquemas de cap-and-trade é que o preço dos recursos refletiria sua escassez não em relação a outros recursos – quão escasso é o petróleo em relação ao carvão -, mas quão escassos são todos os recursos. Os recursos se tornariam mais caros, mas isso incentivaria as empresas a buscar formas de economizá-los ou de reduzir a poluição. Também incentivaria o desenvolvimento de infraestrutura verde e, por consequência, haveria mais empregos verdes. Apenas a transição para a SSE não é suficiente, é preciso garantir que ela melhore qualitativamente, ou seja, que a qualidade daquele determinado estoque de riqueza melhore ao longo do tempo. O cap garantiria que se trata de uma SSE, enquanto o trade daria incentivo para o tipo de tecnologia que eleva o nível de eficiência e facilita o aumento da qualidade da riqueza.
O resultado é uma economia que não apenas não cresce, mas em que a qualidade aumenta, o que significa que todos se beneficiariam, pois não teríamos de trabalhar tanto e disporíamos de mais tempo para o lazer.
É difícil é estabelecer um sistema de cap-and-trade apenas para o CO2. Quão realista é a ideia de esquemas para todos os recursos?
A Europa tem um sistema de cap-and-trade, mas não há exemplos de países que o tenham aplicado para todos os recursos e resíduos. Por algumas razões. Primeiro, os políticos estão obcecados com o crescimento, e o público em geral pensa que a economia precisa crescer. Em uma sociedade democrática, se este é o pensamento do eleitorado, mesmo se houvesse um candidato que defenda a SSE, as pessoas não votariam nele. Se seu interesse é ser eleito, você defende as políticas que as pessoas querem, e elas querem crescimento, então as políticas são baseadas no crescimento. Outro fator importante é a globalização. Eu vejo a globalização como o desaparecimento das fronteiras nacionais por meio do livre comércio e da mobilidade do capital. Por exemplo, a Austrália poderia ter padrões ambientais mais duros do que tem, mas em um ambiente em que o capital se move facilmente, há a possibilidade de que empresas transnacionais que operam no país se mudem para outro lugar e o desemprego aumente.
A pressão sobre os governos para que não introduzam padrões ambientais é enorme. É o que acontece com o sistema de cap-and-trade australiano, cujo início foi adiado (para 2011) – um dos principais argumentos do setor privado é que vamos exportar empregos. Muitos pensam que a realocação da produção para países pobres com padrões baixos é boa para estes países, pois tira muita gente da pobreza. A maioria das pessoas a que se referem deixou de ganhar menos de US$ 1 por dia para ganhar US$ 2. Embora US$ 2 seja melhor que US$ 1, o aumento ocorreu à custa de degradação ambiental, deslocamento social e mais horas de trabalho – perdas de bem estar que não aparecem no discurso dos defensores da globalização.
Eles dizem que não há outra forma para as nações pobres progredirem. Isso é bobagem e reflete a mentalidade de “você está conosco ou contra nós”. A renda das pessoas nas nações pobres poderia ter sido elevada sem os efeitos degenerativos da globalização. Não sou contra o comércio internacional – onde ele é eficiente e pode genuinamente aumentar o bem-estar das pessoas, sou totalmente a favor. Mas o nível de comércio que temos não apenas encoraja o movimento de capital para produzir em lugares onde os padrões ambientais são baixos – o que leva a desmatamento, degradação e poluição -, mas pressiona os governos a não adotar as medidas necessárias para a transição à SSE.
O problema é a mobilidade do capital.
Exatamente, significa que o comércio é governado pelo princípio da vantagem absoluta. Um governo bem-intencionado terá dificuldades de fazer a transição para a SSE, mesmo que o eleitorado queira, principalmente por causa das forças da globalização.
Seria preciso mudar o sistema todo, o que atualmente parece quase impossível.
Vai ser difícil. Acho que os seres humanos se tornaram viciados em crescimento. As pessoas dizem: “Você defende a transição para a SSE, mas estamos em uma recessão global, não estamos crescendo, e o resultado é enorme sofrimento. O que está dizendo é que quer que todo mundo sofra…”
…qual a sua resposta?
As economias do mundo estão equipadas para crescer, é como um carro movido a diesel, se você puser gasolina, não funciona. As economias são desenhadas para crescer, se não crescem há sofrimento. Mas isso não significa que as economias devam crescer. Para muitos países ricos, o Indicador de Progresso Genuíno (mais sobre o IPG na página ao lado) está estagnado ou caindo, apesar de que as economias crescem – há sofrimento associado ao crescimento tanto quanto à falta dele.
Em uma recessão, o sofrimento é maior do que quando a economia cresce, mas isso não significa que crescimento seja bom. Uma SSE é desenhada para não crescer, como um carro movido a petróleo, não a diesel. Quando há cap-and-trade, incentivos e sinais corretos de mercado, caminha-se para a infraestrutura verde, melhora da qualidade em vez de aumento da quantidade.
É uma economia totalmente diferente, redesenhada, não há sofrimento decorrente da falta de crescimento, porque a economia está melhorando ao longo do tempo. (O economista americano) Herman Daly faz uma ótima distinção: a economia de crescimento é como o avião, não pode voar a menos que esteja se movendo para a frente. Quando há recessão e o avião para, ele cai. A SSE é como um helicóptero, não precisa se mover para voar. Não se pode compará-lo a um helicóptero, porque o helicóptero ainda pode voar, é desenhado para voar sem se mover para a frente.
O problema é que temos que, de alguma forma, converter a economia de avião para helicóptero em pleno voo.
Implica mudar o sistema capitalista?
O capitalismo não é o problema. As economias socialistas têm os mesmos problemas. A forma de capitalismo que temos no mundo hoje não é apropriada, temos que buscar uma forma diferente, que reconheça a importância da sociedade e dos indivíduos, não somente da economia. Muita gente diz que o capitalismo colapsa se não há crescimento porque não há lucro suficiente sendo gerado dentro da economia. Leciono em uma escola de negócios e costumo perguntar a meus alunos o que uma empresa pode fazer para aumentar os lucros.
Eles respondem com muitas ideias que cabem basicamente em três categorias. Uma é que se pode produzir mais e vender mais – um exemplo de crescimento. Outra é produzir bens de mais qualidade, que em geral recebem preços mais altos – um exemplo de desenvolvimento.
A terceira é que se pode produzir mais eficientemente de forma a cortar os custos de produção – exemplo de desenvolvimento. Em uma SSE haveria limites quantitativos, o que quer dizer que seria difícil para as empresas elevar a produção, mas há duas outras formas de aumentar os lucros: qualidade e eficiência. Não acredito que a SSE secaria os lucros e, por isso, haveria incentivo para investir. Com os limites de uma SSE, a geração de lucros estaria limitada à produção de bens de mais qualidade e mais eficientes, o que reduziria os impactos ambientais e todo o lucro refletiria coisas que nos fazem melhorar.
No sistema atual, o lucro provém de produzir mais bens, o que melhora a nossa situação apenas parcialmente. Nosso bemestar aumenta, mas a taxas decrescentes, e para produzir mais é preciso mais recursos, o que aumenta o custo ambiental, e é preciso trabalhar. Não acredito que a SSE seja uma ameaça ao capitalismo, mas o atual sistema capitalista não nos beneficia muito, temos de redesenhar o capitalismo que temos.
Que tipo de pacto social e político seria necessário para fazer isso e permitir uma SSE?
Temos que reconhecer que, para que nosso bem-estar seja sustentável a longo prazo, precisamos primeiro garantir que o que quer que façamos seja sustentável ecologicamente. Outra coisa importante é assegurar que a distribuição de renda e riqueza seja justa e equitativa. Uma vez que estes dois aspectos estejam cobertos, então podemos deixar que os mercados aloquem recursos eficientemente para que possamos usá-los para melhorar a qualidade do estoque de riqueza. Os mercados são um mecanismo muito útil em termos de alocação eficiente de recursos. O fato de que muita não gosta dos mercados não é culpa dos mercados em si, mas dos tomadores de decisão que permitiram que os mercados se intrometessem nestas duas dimensões – a quantidade de recursos, que deveria ser determinada por critérios ecológicos e não econômicos, e quem recebe o quê.
Em última instância, precisamos de um sistema de transferência capaz de eliminar qualquer tipo de desequilíbrio, o que não significa que todos terão o mesmo em termos de riqueza, mas que a distância entre ricos e pobres não é tão grande e que as pessoas na base da sociedade têm pelo menos uma existência decente.
Nos países pobres, desenvolvimento às vezes é descrito como alcançar o padrão de vida de americanos ou australianos. Com a SSE, mudaria-se a noção de desenvolvimento?
Eu digo que sim. Sem dúvida mudaria nos EUA e na Austrália, que não podem continuar a consumir a quantidade de recursos que consomem. Mas isso não deveria preocupar as pessoas na Austrália, nos EUA, no Brasilou na China. Eis porque: quando as pessoas falam em crescimento econômico, referem-se ao crescimento do PIB – quando o PIB aumenta, temos crescimento econômico. Não vejo dessa maneira. O crescimento do PIB pode ser tanto econômico como “deseconômico”, e só equivale a crescimento econômico quando aumenta os benefícios mais dos que os custos. O que se vê em vários países ricos é que o PIB per capita atinge um determinado nível em que mais crescimento do PIB causa um aumento dos custos maior do que dos benefícios.
É um caso de crescimento deseconômico – o crescimento do PIB nas nações mais ricas do mundo leva o IPG a estagnar ou cair. O IPG indica se o crescimento do PIB é econômico ou deseconômico. Ele é composto de cerca de 20 itens, cerca de 10 são custos e outros 10, benefícios. Se o IPG sobe, os benefícios agregados devem estar aumentando mais do que os custos agregados. Quando o IPG começa a cair, significa que os custos passaram a subir mais que os benefícios. Os estudos iniciais feitos nas nações ricas mostraram que, quando o PIB per capita atinge de US$ 15 mil a US$ 20 mil, o IPG começa a cair e mais crescimento do PIB não faz com que volte a subir. Eu coeditei um livro que estudou o IPG na região da Ásia-Pacífico, com países ricos- Austrália, Nova Zelândia e Japão – e pobres – China, Índia, Tailândia e Vietnã. Descobrimos que o IPG, em termos per capita, já está caindo na China e na Tailândia, apesar de o PIB per capita estar longe dos US$ 20 mil.
O que explica isso?
Quando os países de alta renda se desenvolveram, foram capazes de acessar recursos facilmente, emitir CO2 na atmosfera. Agora é muito custoso para China, Índia, Tailândia e Vietnã, então o mesmo nível de PIB per capita envolve custos per capita muito mais altos. Eles atingiram o ponto em que os custos suplantam os benefícios em um nível muito mais baixo do PIB: no caso da Tailândia, o IPG per capita começou a cair quando o PIB per capita alcançou US$ 7,5 mil; na China, US$ 5 mil. Isso sugere que os países mais pobres jamais vão alcançar o nível de bem-estar sustentável dos países mais ricos do mundo. O IPG per capita deles ainda pode subir, mas será preciso uma fase de crescimento limpo, eficiente e equitativo e que as nações mais ricas parem de crescer e adotem a SSE. O IPG nas nações mais ricas não aumenta mais com o crescimento, e só deve subir no futuro se elas adotarem a SSE – seria benéfico para as nações ricas, mas tem de ser feito de forma a beneficiar as nações pobres, a dar a elas o espaço ecológico que precisam para poder aproveitar um aumento do bem-estar. A menos que se permita que tenham este espaço, o IPG, e portanto o bem-estar sustentável das pessoas nestes países, não vai aumentar.
Os países ricos parecem convencidos de que perdem ao dar espaço ecológico aos países pobres.
Algumas pessoas se beneficiam à custa dos outros, mas o IPG per capita na Austrália, por exemplo, está em queda, o que sugere que já estamos pior por tentar fazer com que a economia cresça. As pessoas sabem que há algo errado, porque têm menos tempo para suas crianças, a vida é estressante, elas trabalham mais. Mas continuam ouvindo que tudo está bem, porque o PIB está crescendo. Quando eu ensino o IPG para meus alunos, é como se uma lâmpada acendesse na cabeça deles. Eles dizem: “Isso explica por que a vida parece piorar, quando deveria estar melhorando”. Não é que o crescimento vai tornar a vida pior no futuro, ele já está fazendo isso.
Como é ser economista ecológico no mundo dominado pelo dogma do crescimento? Como tornar a economia ecológica mais influente?
É uma experiência solitária. Ler e ouvir referências constantes aos benefícios do crescimento do PIB, e ao mesmo tempo ver pouca cobertura da mídia de visões alternativas como a SSE, é um lembrete constante de quão dominante é a ortodoxia econômica.
O fato de que a voz dos economistas ecológicos mal é ouvida diz mais sobre quão poucos somos do que sobre nossa falta de participação no debate público. Por isso, a influência da economia ecológica vaicontinuar limitada por algum tempo. Mas eventualmente teremos um lugar ao sol. Acredito que acabaramse os dias de recursos baratos e as tentativas para continuar crescendo resultarão em inflação de custo. Um dos gatilhos da atual recessão foi o impacto inflacionário dos altos preços do petróleo e das commodities, que caíram recentemente por causa da demanda reduzida.
Tenho certeza que vão escalar quando a economia global voltar a crescer fortemente e isso vai levar à inflação e a mais uma recessão. Ao contrário da inflação de demanda, a inflação de custo não pode ser combatida com taxas de juro mais altas. O crescimento econômico vai ser como passar um camelo pelo buraco da agulha e o público vai exigir soluções. Quando este ponto chegar, a economia ecológica vai suplantar o senso econômico comum. Até lá, os economistas ecológicos podem informar o máximo de pessoas possível sobre o quão indesejável é a continuidade do crescimento do PIB e refinar suas recomendações para que, quando forem chamados, tenham as melhores soluções à mão.[:en]
É possível criar uma nova economia dentro do sistema capitalista democrático para que as sociedades humanas vivam de acordo com os limites biofísicos, afirma o economista ecológico australiano Philip Lawn, professor da Flinders University, em Adelaide. Trata-se de uma economia em steady-state que não só limita a quantidade de recursos que consome e a de resíduos que libera no meio ambiente, mas busca melhorar em qualidade ao longo do tempo. Ou seja, produzir melhor em vez de produzir mais. Na opinião de Lawn, é preciso adotar esquemas de cap-and-trade para todos os recursos e resíduos, além de reformular o capitalismo para que beneficie a sociedade e os indivíduos. Os países ricos, onde o crescimento já é “deseconômico”, deveriam parar de crescer imediatamente e permitir às nações mais pobres que tenham o “espaço ecológico” para elevar seu bem-estar. Crescer continuamente é ecologicamente insustentável e torna inevitável a transição para a economia em steady-state, garante Lawn. Melhor pôr mãos e mentes à obra e começar a desenhar.
Parece haver consenso ao redor do mundo quanto à necessidade de “estimular” a economia, criar empregos e infraestrutura “verdes”. Se o objetivo é voltar a crescer, quão “verde” é esse New Deal?
Primeiro, a ideia de criar empregos e investir em infraestrutura verdes é boa. Ao mesmo tempo, se vem embutida em uma política baseada no crescimento, isso não é bom. A transição para empregos e infraestrutura verdes, por si só, não permite que as economias continuem a crescer de uma forma que não danifique o meio ambiente. A principal razão é o chamado efeito de Jevons. Para um determinado nível de atividade econômica, se você cria empregos e infraestrutura verdes, o impacto ambiental diminui. Entretanto, se o volume total de atividade econômica aumenta – e é provável que aconteça se o tal New Deal se baseia na noção de economias em crescimento -, então há a possibilidade de que o efeito de escala supere os benefícios em eficiência decorrentes da transição para empregos e infraestrutura verdes. Neste caso, o impacto ambiental geral é maior.
A única maneira em que mais eficiência reduz o impacto ambiental total é se o aumento percentual em eficiência for maior do que o aumento percentual no volume total de atividade econômica. A infraestrutura tem que ser substituída, temos que assegurar que ela e os novos empregos sejam verdes, mas temos que fazer isso no contexto de uma transição para uma economia em steady-state (SSE na sigla em inglês), que não cresce fisicamente, mas melhora em qualidade ao longo do tempo.
Como os países ricos deveriam agir diante da recessão?
Uma vez que a transição para a SSE levará tempo, os governos precisam, enquanto isso, fazer o possível para reduzir o sofrimento, focando em equidade distributiva. Defendo o mecanismo Garantia de Emprego, simplesmente porque o desemprego é indefensável moralmente. É desenhado para garantir que qualquer pessoa desempregada seja empregada pelo governo e receba um salário mínimo suficiente para viver; garante pleno emprego mesmo durante uma recessão. Nas circunstâncias atuais, torna-se mais importante, porque é uma forma lógica de racionar trabalho no momento em que o PIB está caindo. Na Austrália, o governo gastou 42 bilhões de dólares australianos (A$) em dois pacotes de estímulo, mas o desemprego continua a subir. O Centre of Full Employment and Equity da Universidade de Newcastle estimou que o mecanismo traria pleno emprego ao custo de A$ 9 bilhões.
Como funciona uma economia em steady-state?
É basicamente uma economia que não cresce, mas não quer dizer que estagna ou definha. Nela, bens e serviços são consumidos, o capital se desgasta e precisa ser substituído. Apenas o estoque de riqueza na economia não cresce fisicamente. A SSE busca a melhora qualitativa desse estoque ao longo do tempo – a mesma quantidade de riqueza, mas de mais qualidade. E, se o estoque de riqueza melhora, melhora nosso bem-estar. Aumentar o estoque de riqueza – que é o que tentamos fazer com políticas baseadas no crescimento – não eleva o bem-estar, porque os benefícios adicionais que se extraem desse processo têm rendimentos decrescentes.
E há custos crescentes, pois, ao aumentar o estoque de riqueza, você começa a consumir o meio ambiente, porque precisa de mais recursos. Há também pressões crescentes, mais crime, tensões familiares, porque a sociedade se esforça para produzir mais em vez de melhor. Para produzir mais, temos de trabalhar mais. Produzir melhor significa ter gente pensando sobre como fazer isso. É errado sugerir que há uma escolha entre a economia do crescimento e a SSE. Porque crescimento contínuo é insustentável ecologicamente, a SSE é inevitável – queiramos ou não, ela virá.
A escolha que temos é fazer uma transição suave, desejável, para a SSE agora, ou esperar que a natureza a imponha sobre nós. Ou seja, a escolha é adotar a SSE por desenho ou por desastre. Temos que fazer por desenho e agir urgentemente para evitar o desastre.
Todos devem adotar a SSE ou alguns países ainda se beneficiam do crescimento?
Na minha opinião, os países ricos precisam se mover em direção à SSE já. As nações pobres ainda precisam de um pouco mais de crescimento, mas tem que ser o mais limpo, eficiente e equitativo possível, de forma que extraiam o máximo desse crescimento que ainda podem ter antes que, elas também, tenham de caminhar para a SSE. Um dos problemas que os países pobres enfrentam é que o crescimento não produz os benefícios que gerou quando as nações ricas estavam no mesmo estágio. Isso porque o mundo agora tem muito mais gente, muito mais bens e serviços, e porque as nações ricas usaram os melhores recursos, aqueles facilmente acessáveis. Significa que o crescimento para as nações pobres agora é muito custoso se comparado a quando os países ricos se desenvolveram.
Os EUA, quando se desenvolveram, tinham petróleo de alta qualidade no Texas, enquanto para países como a China boa parte do petróleo vem do Oriente Médio. A distância e a baixa qualidade do óleo significam que o custo de crescer é muito maior e que os chineses não obtêm o mesmo aumento de bemestar com o mesmo nível de crescimento no mesmo estágio de desenvolvimento que os EUA obtiveram.
Do ponto de vista global, é possível limitar o crescimento sem limitar a população?
A resposta curta é não. Podemos limitar o crescimento do PIB, adotar a SSE e aumentar a população por algum tempo ainda, mas isso significa reduzir o bem-estar per capita, e isso não é desejável. Não me oponho à ideia de mais pessoas, mas, se não fizermos nada em relação ao crescimento da população, podemos ter mais pessoas vivendo agora – e uma grande proporção delas miseravelmente – e poucas pessoas vivendo no futuro, caso danifiquemos a base biofísica de toda a vida. Se fizermos algo para conter o crescimento da população, teremos menos pessoas vivendo agora – e uma proporção menor delas na miséria – e, desde que adotemos a SSE e preservemos a base biofísica da vida, muitas gerações por vir. Portanto, ao controlar o crescimento da população agora, vamos maximizar o número total de pessoas que vão viver. Se não, haverá menos pessoas experimentando a alegria de viver.
Como se daria a transição para a SSE? Que tipo de política é necessário? Bastam políticas macroeconômicas?
As políticas macroeconômicas são importantes, porque frequentemente envolvem gastos do governo, e isso afeta o nível da demanda por recursos e a quantidade de bens produzidos. Ou seja, afeta a escala da economia e o fato de a economia crescer ou não. Haveria ajustes nas políticas macroeconômicas, mas não acho que elas sejam tão importantes quanto outras políticas. A mais importante, na minha opinião, é a autoimposição, pelo país como um todo, de restrições quantitativas na taxa de throughput dos recursos, ou seja, a quantidade de recursos que entra na economia e a quantidade de materiais que volta para o meio ambiente. É preciso se certificar de que a taxa de throughput é ecologicamente sustentável e para isso há três regras básicas.
A primeira é que a taxa de uso dos recursos renováveis não deve exceder a taxa em que eles se regeneram. Segundo, é preciso assegurar que a exploração dos recursos não renováveis não supere a taxa em que podem ser substituídos por recursos renováveis. Terceiro, temos de garantir que a taxa com que geramos resíduos não exceda a capacidade do meio ambiente de assimilá-los. Este ponto é muito importante – nos anos 70, quando o Clube de Roma lançou o relatório Limites do Crescimento, a ênfase estava nos recursos que entram na economia. Isso ainda é importante, mas os problemas ambientais que enfrentamos hoje, como a destruição da camada de ozônio e o aquecimento global, surgiram porque a taxa de geração de resíduos excede a capacidade do meio ambiente de assimilá-los. O lado dos resíduos da equação da sustentabilidade é tão importante quanto o dos recursos.
Como impor limites e adotar a SSE no sistema capitalista-democrático que existe em boa parte do mundo?
A melhor maneira, na minha opinião, é impor esquemas de cap-and-trade. O cap determina o limite, o trade permite que as pessoas negociem o acesso aos recursos e aos sistemas que assimilam resíduos.
O senhor propõe cap-and-trade para todos os recursos e sistemas de absorção de resíduos?
Sim, desta maneira é possível limitar as taxas de consumo de recursos e de geração de resíduos, sempre observando as três regras. A chave em relação aos esquemas de cap-and-trade é que o preço dos recursos refletiria sua escassez não em relação a outros recursos – quão escasso é o petróleo em relação ao carvão -, mas quão escassos são todos os recursos. Os recursos se tornariam mais caros, mas isso incentivaria as empresas a buscar formas de economizá-los ou de reduzir a poluição. Também incentivaria o desenvolvimento de infraestrutura verde e, por consequência, haveria mais empregos verdes. Apenas a transição para a SSE não é suficiente, é preciso garantir que ela melhore qualitativamente, ou seja, que a qualidade daquele determinado estoque de riqueza melhore ao longo do tempo. O cap garantiria que se trata de uma SSE, enquanto o trade daria incentivo para o tipo de tecnologia que eleva o nível de eficiência e facilita o aumento da qualidade da riqueza.
O resultado é uma economia que não apenas não cresce, mas em que a qualidade aumenta, o que significa que todos se beneficiariam, pois não teríamos de trabalhar tanto e disporíamos de mais tempo para o lazer.
É difícil é estabelecer um sistema de cap-and-trade apenas para o CO2. Quão realista é a ideia de esquemas para todos os recursos?
A Europa tem um sistema de cap-and-trade, mas não há exemplos de países que o tenham aplicado para todos os recursos e resíduos. Por algumas razões. Primeiro, os políticos estão obcecados com o crescimento, e o público em geral pensa que a economia precisa crescer. Em uma sociedade democrática, se este é o pensamento do eleitorado, mesmo se houvesse um candidato que defenda a SSE, as pessoas não votariam nele. Se seu interesse é ser eleito, você defende as políticas que as pessoas querem, e elas querem crescimento, então as políticas são baseadas no crescimento. Outro fator importante é a globalização. Eu vejo a globalização como o desaparecimento das fronteiras nacionais por meio do livre comércio e da mobilidade do capital. Por exemplo, a Austrália poderia ter padrões ambientais mais duros do que tem, mas em um ambiente em que o capital se move facilmente, há a possibilidade de que empresas transnacionais que operam no país se mudem para outro lugar e o desemprego aumente.
A pressão sobre os governos para que não introduzam padrões ambientais é enorme. É o que acontece com o sistema de cap-and-trade australiano, cujo início foi adiado (para 2011) – um dos principais argumentos do setor privado é que vamos exportar empregos. Muitos pensam que a realocação da produção para países pobres com padrões baixos é boa para estes países, pois tira muita gente da pobreza. A maioria das pessoas a que se referem deixou de ganhar menos de US$ 1 por dia para ganhar US$ 2. Embora US$ 2 seja melhor que US$ 1, o aumento ocorreu à custa de degradação ambiental, deslocamento social e mais horas de trabalho – perdas de bem estar que não aparecem no discurso dos defensores da globalização.
Eles dizem que não há outra forma para as nações pobres progredirem. Isso é bobagem e reflete a mentalidade de “você está conosco ou contra nós”. A renda das pessoas nas nações pobres poderia ter sido elevada sem os efeitos degenerativos da globalização. Não sou contra o comércio internacional – onde ele é eficiente e pode genuinamente aumentar o bem-estar das pessoas, sou totalmente a favor. Mas o nível de comércio que temos não apenas encoraja o movimento de capital para produzir em lugares onde os padrões ambientais são baixos – o que leva a desmatamento, degradação e poluição -, mas pressiona os governos a não adotar as medidas necessárias para a transição à SSE.
O problema é a mobilidade do capital.
Exatamente, significa que o comércio é governado pelo princípio da vantagem absoluta. Um governo bem-intencionado terá dificuldades de fazer a transição para a SSE, mesmo que o eleitorado queira, principalmente por causa das forças da globalização.
Seria preciso mudar o sistema todo, o que atualmente parece quase impossível.
Vai ser difícil. Acho que os seres humanos se tornaram viciados em crescimento. As pessoas dizem: “Você defende a transição para a SSE, mas estamos em uma recessão global, não estamos crescendo, e o resultado é enorme sofrimento. O que está dizendo é que quer que todo mundo sofra…”
…qual a sua resposta?
As economias do mundo estão equipadas para crescer, é como um carro movido a diesel, se você puser gasolina, não funciona. As economias são desenhadas para crescer, se não crescem há sofrimento. Mas isso não significa que as economias devam crescer. Para muitos países ricos, o Indicador de Progresso Genuíno (mais sobre o IPG na página ao lado) está estagnado ou caindo, apesar de que as economias crescem – há sofrimento associado ao crescimento tanto quanto à falta dele.
Em uma recessão, o sofrimento é maior do que quando a economia cresce, mas isso não significa que crescimento seja bom. Uma SSE é desenhada para não crescer, como um carro movido a petróleo, não a diesel. Quando há cap-and-trade, incentivos e sinais corretos de mercado, caminha-se para a infraestrutura verde, melhora da qualidade em vez de aumento da quantidade.
É uma economia totalmente diferente, redesenhada, não há sofrimento decorrente da falta de crescimento, porque a economia está melhorando ao longo do tempo. (O economista americano) Herman Daly faz uma ótima distinção: a economia de crescimento é como o avião, não pode voar a menos que esteja se movendo para a frente. Quando há recessão e o avião para, ele cai. A SSE é como um helicóptero, não precisa se mover para voar. Não se pode compará-lo a um helicóptero, porque o helicóptero ainda pode voar, é desenhado para voar sem se mover para a frente.
O problema é que temos que, de alguma forma, converter a economia de avião para helicóptero em pleno voo.
Implica mudar o sistema capitalista?
O capitalismo não é o problema. As economias socialistas têm os mesmos problemas. A forma de capitalismo que temos no mundo hoje não é apropriada, temos que buscar uma forma diferente, que reconheça a importância da sociedade e dos indivíduos, não somente da economia. Muita gente diz que o capitalismo colapsa se não há crescimento porque não há lucro suficiente sendo gerado dentro da economia. Leciono em uma escola de negócios e costumo perguntar a meus alunos o que uma empresa pode fazer para aumentar os lucros.
Eles respondem com muitas ideias que cabem basicamente em três categorias. Uma é que se pode produzir mais e vender mais – um exemplo de crescimento. Outra é produzir bens de mais qualidade, que em geral recebem preços mais altos – um exemplo de desenvolvimento.
A terceira é que se pode produzir mais eficientemente de forma a cortar os custos de produção – exemplo de desenvolvimento. Em uma SSE haveria limites quantitativos, o que quer dizer que seria difícil para as empresas elevar a produção, mas há duas outras formas de aumentar os lucros: qualidade e eficiência. Não acredito que a SSE secaria os lucros e, por isso, haveria incentivo para investir. Com os limites de uma SSE, a geração de lucros estaria limitada à produção de bens de mais qualidade e mais eficientes, o que reduziria os impactos ambientais e todo o lucro refletiria coisas que nos fazem melhorar.
No sistema atual, o lucro provém de produzir mais bens, o que melhora a nossa situação apenas parcialmente. Nosso bemestar aumenta, mas a taxas decrescentes, e para produzir mais é preciso mais recursos, o que aumenta o custo ambiental, e é preciso trabalhar. Não acredito que a SSE seja uma ameaça ao capitalismo, mas o atual sistema capitalista não nos beneficia muito, temos de redesenhar o capitalismo que temos.
Que tipo de pacto social e político seria necessário para fazer isso e permitir uma SSE?
Temos que reconhecer que, para que nosso bem-estar seja sustentável a longo prazo, precisamos primeiro garantir que o que quer que façamos seja sustentável ecologicamente. Outra coisa importante é assegurar que a distribuição de renda e riqueza seja justa e equitativa. Uma vez que estes dois aspectos estejam cobertos, então podemos deixar que os mercados aloquem recursos eficientemente para que possamos usá-los para melhorar a qualidade do estoque de riqueza. Os mercados são um mecanismo muito útil em termos de alocação eficiente de recursos. O fato de que muita não gosta dos mercados não é culpa dos mercados em si, mas dos tomadores de decisão que permitiram que os mercados se intrometessem nestas duas dimensões – a quantidade de recursos, que deveria ser determinada por critérios ecológicos e não econômicos, e quem recebe o quê.
Em última instância, precisamos de um sistema de transferência capaz de eliminar qualquer tipo de desequilíbrio, o que não significa que todos terão o mesmo em termos de riqueza, mas que a distância entre ricos e pobres não é tão grande e que as pessoas na base da sociedade têm pelo menos uma existência decente.
Nos países pobres, desenvolvimento às vezes é descrito como alcançar o padrão de vida de americanos ou australianos. Com a SSE, mudaria-se a noção de desenvolvimento?
Eu digo que sim. Sem dúvida mudaria nos EUA e na Austrália, que não podem continuar a consumir a quantidade de recursos que consomem. Mas isso não deveria preocupar as pessoas na Austrália, nos EUA, no Brasilou na China. Eis porque: quando as pessoas falam em crescimento econômico, referem-se ao crescimento do PIB – quando o PIB aumenta, temos crescimento econômico. Não vejo dessa maneira. O crescimento do PIB pode ser tanto econômico como “deseconômico”, e só equivale a crescimento econômico quando aumenta os benefícios mais dos que os custos. O que se vê em vários países ricos é que o PIB per capita atinge um determinado nível em que mais crescimento do PIB causa um aumento dos custos maior do que dos benefícios.
É um caso de crescimento deseconômico – o crescimento do PIB nas nações mais ricas do mundo leva o IPG a estagnar ou cair. O IPG indica se o crescimento do PIB é econômico ou deseconômico. Ele é composto de cerca de 20 itens, cerca de 10 são custos e outros 10, benefícios. Se o IPG sobe, os benefícios agregados devem estar aumentando mais do que os custos agregados. Quando o IPG começa a cair, significa que os custos passaram a subir mais que os benefícios. Os estudos iniciais feitos nas nações ricas mostraram que, quando o PIB per capita atinge de US$ 15 mil a US$ 20 mil, o IPG começa a cair e mais crescimento do PIB não faz com que volte a subir. Eu coeditei um livro que estudou o IPG na região da Ásia-Pacífico, com países ricos- Austrália, Nova Zelândia e Japão – e pobres – China, Índia, Tailândia e Vietnã. Descobrimos que o IPG, em termos per capita, já está caindo na China e na Tailândia, apesar de o PIB per capita estar longe dos US$ 20 mil.
O que explica isso?
Quando os países de alta renda se desenvolveram, foram capazes de acessar recursos facilmente, emitir CO2 na atmosfera. Agora é muito custoso para China, Índia, Tailândia e Vietnã, então o mesmo nível de PIB per capita envolve custos per capita muito mais altos. Eles atingiram o ponto em que os custos suplantam os benefícios em um nível muito mais baixo do PIB: no caso da Tailândia, o IPG per capita começou a cair quando o PIB per capita alcançou US$ 7,5 mil; na China, US$ 5 mil. Isso sugere que os países mais pobres jamais vão alcançar o nível de bem-estar sustentável dos países mais ricos do mundo. O IPG per capita deles ainda pode subir, mas será preciso uma fase de crescimento limpo, eficiente e equitativo e que as nações mais ricas parem de crescer e adotem a SSE. O IPG nas nações mais ricas não aumenta mais com o crescimento, e só deve subir no futuro se elas adotarem a SSE – seria benéfico para as nações ricas, mas tem de ser feito de forma a beneficiar as nações pobres, a dar a elas o espaço ecológico que precisam para poder aproveitar um aumento do bem-estar. A menos que se permita que tenham este espaço, o IPG, e portanto o bem-estar sustentável das pessoas nestes países, não vai aumentar.
Os países ricos parecem convencidos de que perdem ao dar espaço ecológico aos países pobres.
Algumas pessoas se beneficiam à custa dos outros, mas o IPG per capita na Austrália, por exemplo, está em queda, o que sugere que já estamos pior por tentar fazer com que a economia cresça. As pessoas sabem que há algo errado, porque têm menos tempo para suas crianças, a vida é estressante, elas trabalham mais. Mas continuam ouvindo que tudo está bem, porque o PIB está crescendo. Quando eu ensino o IPG para meus alunos, é como se uma lâmpada acendesse na cabeça deles. Eles dizem: “Isso explica por que a vida parece piorar, quando deveria estar melhorando”. Não é que o crescimento vai tornar a vida pior no futuro, ele já está fazendo isso.
Como é ser economista ecológico no mundo dominado pelo dogma do crescimento? Como tornar a economia ecológica mais influente?
É uma experiência solitária. Ler e ouvir referências constantes aos benefícios do crescimento do PIB, e ao mesmo tempo ver pouca cobertura da mídia de visões alternativas como a SSE, é um lembrete constante de quão dominante é a ortodoxia econômica.
O fato de que a voz dos economistas ecológicos mal é ouvida diz mais sobre quão poucos somos do que sobre nossa falta de participação no debate público. Por isso, a influência da economia ecológica vaicontinuar limitada por algum tempo. Mas eventualmente teremos um lugar ao sol. Acredito que acabaramse os dias de recursos baratos e as tentativas para continuar crescendo resultarão em inflação de custo. Um dos gatilhos da atual recessão foi o impacto inflacionário dos altos preços do petróleo e das commodities, que caíram recentemente por causa da demanda reduzida.
Tenho certeza que vão escalar quando a economia global voltar a crescer fortemente e isso vai levar à inflação e a mais uma recessão. Ao contrário da inflação de demanda, a inflação de custo não pode ser combatida com taxas de juro mais altas. O crescimento econômico vai ser como passar um camelo pelo buraco da agulha e o público vai exigir soluções. Quando este ponto chegar, a economia ecológica vai suplantar o senso econômico comum. Até lá, os economistas ecológicos podem informar o máximo de pessoas possível sobre o quão indesejável é a continuidade do crescimento do PIB e refinar suas recomendações para que, quando forem chamados, tenham as melhores soluções à mão.