Reinterpretada com plantas e cores, uma antiga favela emerge na forma de obra de arte para rememorar a vida de seus moradores e ser um espaço de convívio e transformação social
O cenário é o coração da maior megalópole da América Latina. São Paulo, bairro da Lapa. De um lado, a Marginal do Rio Tietê e a Ponte Júlio Mesquita Neto. Ao redor, shopping centers, TV Cultura, Sesc Pompeia e prédios de habitação popular. No centro dessa concentração de prédios está a Favela Aldeinha – três ocupações e 500 famílias em um terreno de 17 mil metros quadrados. A Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras do município cria um projeto de construção da alça de acesso à ponte e a Secretaria de Habitação inicia a remoção, encaminhando parte dos moradores para o bairro do Itaim Paulista, Zona Leste da capital, e concedendo cheque-despejo para a porção de moradores que se alojará em moradias populares vizinhas. No início de 2009, a Secretaria fecha o terreno, para evitar novas invasões e preservar uma área natural no mar de escassez verde paulistano. Histórias de vida e sentimentos dos moradores ficam ali, no solo da Aldeinha.
Diferente de tantas histórias de remoção que terminaram em desolação e esquecimento, parece que neste terreno foram plantadas algumas sementes de transformação. Um projeto socioambiental que reúne esforços públicos, privados e da sociedade civil pretende recuperar essa área degradada por meio de uma obra de arte viva e efêmera: um jardim de folhagens coloridas que vai reproduzir a planta original da favela – suas casas, ruas e becos – para fazer nascer ali um local de lazer e encontro entre as diferentes classes socioeconômicas de São Paulo.
O conceito da obra é do artista francês Jean Paul Ganem, conhecido pelo trabalho de landscape art realizado no interior da França, em aterros sanitários no Canadá e em pistas de aeroportos. “O Brasil tem adotado a política europeia de realocar a população de baixa renda na periferia. Mas aqui a favela ainda está dentro da cidade e, no entanto, seus moradores são invisíveis. E eles querem ser vistos. Essa obra de arte vai rememorar as pessoas da Aldeinha e levar a classe média para dentro da favela, por meio de um único vetor: plantas”, diz Ganem. Quem não gosta delas?
O artista escolheu folhagens nativas que crescem o ano inteiro para compor toda a obra, e, na área que reproduz as moradias, vai usar 80% de grama colorida e 20% de pedras portuguesas retiradas durante uma reforma das calçadas da Avenida Paulista.
Educação ambiental, capacitação profissional, geração de renda e reinserção social constituem o cerne do projeto, encabeçado pela Brazimage Productions, empresa que reuniu organizações sociais para atender a todas essas demandas. O Instituto Romã promoverá a sensibilização ambiental com a vizinhança, realizando oficinas de reaproximação com a natureza para favorecer o convívio com o novo espaço. Uma obra de arte ao lado do Rio Tietê pode alertar a população de que os ciclos e fluxos naturais, embora escondidos sob grandes obras urbanas, sempre existiram na cidade.
A subprefeita da Lapa, Soninha Francine, está animada com um projeto que prevê, por meio de um jardim, a inclusão social e o acesso a áreas verdes. “É muito importante recuperar uma área permeável ao lado da várzea do Rio Tietê, pois hoje a marginal é sinônimo de via expressa e não de área natural. Acho que esse projeto corrige uma barbaridade urbanística. Poderia ser um bosque, mas um jardim evidencia a engenhosidade humana”, opina.
A Associação Reciclázaro incumbiu-se de executar um programa de formação de quinze jardineiros que vão auxiliar na implementação da obra e manter o jardim depois de pronto, e também criar o Viveiro Escola, um espaço destinado à produção de mudas e aprendizagem do cultivo e outras técnicas de jardinagem.
Depois disso, a ONG Design Possível vai ministrar curso para formar15 marceneiros, cujo tema será o mobiliário urbano, para a produção bancos e assentos, lixeiras e outros equipamentos desenvolvidos com materiais reaproveitados, que serão expostos no local. A ideia é fomentar a criação de cooperativas que absorvam a mão de obra recém-qualificada e colaborar na sua inserção no mercado de trabalho. Enfim, o Projeto Arrastão foi chamado para fazer a implementação de todas as ações sociais.
A viabilidade financeira do projeto está baseada em pequenos aportes de recursos para cada área específica. “Estamos buscando o apoio de bancos para criar um modelo de financiamento de microcrédito para as cooperativas e um patrocinador do mercado de celulose para investir na marquise de papel que será a area de exposições do Projeto Aldeinha”, explica Mozart Mesquita, da Brazimage. O mesmo deve acontecer para a construção de um bicicletário e de um parque infantil lúdico.
O modelo de parcerias adotado pelo Aldeinha aposta na diversidade de atores para garantir investimentos e benefícios que atendam aos interesses de cada um, de todos e da cidade. “Os governos municipal e federal atuam como marcos regulatórios e tentam mediar o mercado e os interesses da sociedade civil, enquanto o setor privado tem a oportunidade criar ações de responsabilidade social mais próximas e contínuas. Faz parte da estratégia de sobrevivência de um negócio capacitar pessoas, ter boa relação com a comunidade local, garantir segurança naquele território. Nenhuma empresa pode ser uma ilha de prosperidade em um mar de pobreza”, analisa a economista Ana Carla Fonseca Reis. Ela vê nessa experiência a oportunidade de agregar valor ao trabalho da turma de aprendizes que o projeto pretende formar.
Assim como os demais trabalhos de Jean Paul Ganem, o Aldeinha foi planejado para ser efêmero, como tudo que tem vida é. “É melhor ficar com a energia da experiência enquanto ela está sendo produtiva. O fim de uma obra não é o fim do aprendizado, a semente da criatividade vai ficar nas pessoas”, explica.
O Aldeinha deve permanecer ali até o início da construção da alça de acesso à Ponte Júlio de Mesquita Neto, que vai ocupar futuramente parte do terreno do projeto – e que pode pode levar três anos ou mais para se realizar, a depender das licenças e dos acordos feitos para a região.
A intenção da Secretaria de Meio Ambiente em garantir uma nova área verde para a cidade e um litígio sobre uma antiga ocupação no terreno ajudariam a prolongar a permanência do Aldeinha. Quem sabe a criatividade brasileira consiga elaborar o caminho do meio e manter, ao mesmo tempo, uma obra viária necessária para a cidade e um novo jardim de folhas coloridas para São Paulo.