Enfrentar ou alimentar o problema?
As mudanças climáticas renovam a polêmica sobre transgênicos, enquanto se questiona se a solução está na maior intervenção humana nos sistemas naturais
A controvérsia científica que coloca frente a frente defensores e opositores da transgenia tem tudo para aumentar. O debate sobre as consequências do cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) ganha força diante das novas condições de plantio que surgirão por conta das mudanças climáticas. Seriam os transgênicos a melhor alternativa para um mundo de temperatura elevada e menor disponibilidade de água em determinadas regiões? As alterações no clima e nos regimes hídricos são resultado direto da intervenção desmedida do homem sobre o meio. Para remediar isso, a solução é intervir novamente na natureza, criando organismos que se adaptem aos desastres causados?
Para Rafael Cruz, coordenador da campanha de transgênicos do Greenpeace – conhecido pelo combate ao uso de OGMs –, a resposta para essas duas perguntas, naturalmente, é a mesma: não. “Espécies transgênicas vêm sendo plantadas no Brasil há mais de 15 anos e, até agora, nenhum dos benefícios prometidos por essa tecnologia foi comprovado”, afirma. Segundo Cruz, o desenvolvimento tecnológico tem buscado espécies de OGMs resistentes a herbicidas e inseticidas, o que inegavelmente melhora de imediato a produção. Mas, com o passar do tempo, os efeitos colaterais geraram novos problemas. “Hoje, quem planta soja transgênica tem problemas de erva daninha resistente aos defensivos agrícolas. Ou seja, é uma solução que gera outro problema”, diz.
Para ele, o que precisa ser modificado é o paradigma da agricultura brasileira. O clima é que deveria se manter estável, para garantir a conti Nuidade das plantações. Contudo, esse futuro é improvável. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) prevê um aquecimento mínimo de 0,8 grau na temperatura planetária e as negociações em curso no âmbito das Nações Unidas têm com objetivo evitar que o aumento seja superior a 2 graus. Cruz apresenta aquela que seria a solução adaptativa a esse novo cenário: “Temos de valorizar a enormidade de sementes tradicionais produzidas pelos agricultores em todo o País e que formam um enorme banco genético. A primeira medida deveria ser cuidar para que esses recursos não se percam”.
A “culpa” da agricultura
De acordo com o estudo Caminhos para uma Economia de Baixo Carbono no Brasil, produzido pela McKinsey & Company, o setor de agricultura e pecuá-ria representa aproximadamente 25% do total de emissões no País, devendo aumentar para 30% até 2030. Metade dessas emissões originase na pecuária, cuja fermentação intestinal e os resíduos orgânicos dos quase 200 milhões de cabeças do rebanho produzem metano, poderoso gás de efeito estufa. A outra metade das emissões vem de práticas agrícolas, como queimadas para o preparo do terreno antes do plantio e uso excessivo de fertilizantes nitrogenados, que leva à produção de outro gás, o N2O.
No ano passado, o Brasil tornou-se o maior consumidor mundial de agrotóxicos, movimentando cerca de US$ 7 bilhões. Ao utilizar de forma massiva esses insumos fabricados à base do petróleo, a agricultura contribui para o problema das emissões – fazendo com que se tenha sempre de se adaptar a novas condições ambientais. Defensores dos transgênicos alegam que a técnica leva ao menor consumo de agrotóxicos.
E se os transgênicos forem a solução?
Hilton Pinto, diretor associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri-Unicamp), entende que a única saída tecnológica para manter a produção e evitar perdas ao agricultor seria o melhoramento genético, independentemente de ser transgenia ou o melhoramento convencional.
“Há essas duas opções para obter variedades ou cultivares tolerantes a temperaturas mais elevadas e estresse hídrico. Não tem alternativa em termos de adaptabilidade”. O diretor é coautor do estudo Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil, que aponta para perdas de R$ 7,4 bilhões por ano, em 2020, no setor agrícola, por conta das mudanças climáticas.
Para Walter Colli, presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a questão deve ser discutida cientificamente. Para ele, quanto menos gases a atividade agropecuária emitir, melhor. “Mas não pode atrapalhar aquilo que é fundamental para o ser humano: a sua alimentação.”
De acordo com Geraldo Berger, diretor de regulamentação da Monsanto do Brasil, as mudanças climáticas que têm sido estimadas demandam o desenvolvimento de plantas adaptadas a essas novas situações. Nesse contexto, os produtos da biotecnologia agrícola seriam parte da solução, juntamente com outras tecnologias, como o melhoramento genético e a fitotecnia – arte de cultivar, multiplicar e reproduzir plantas.
Hilton Pinto conclui, enfaticamente: “Na nossa análise, isso independe de ‘ecologismo’. Se há necessidade de atender a demanda mundial de alimentos e a transgenia for uma solução, ou você a adota ou mata a todos de fome”.
E se não forem?
Contrariando esse tom apocalíptico, recente artigo publicado pelos pesquisadores da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) Edinei de Almeida, Paulo Petersen e Fábio Junior Pereira da Silva apresenta uma análise comparativa entre o desempenho de produtores de milho de Santa Catarina que se associaram às redes locais de inovação agroecológica e o daqueles que seguem o padrão convencional.
O caso é curioso por acontecer numa das regiões afetadas pelos dilúvios que atingiram o estado em 2008. E as diferenças entre os produtores de milho convencionais e os em transição agroecológica – passagem do atual sistema produtivo de baixa sustentabilidade para um modelo que privilegie princípios e métodos de base ecológica – surgiram já na fase de reestruturação das lavouras. Para o segundo grupo tornou-se desnecessário qualquer desembolso, uma vez que suas lavouras são conduzidas com sementes crioulas produzidas na propriedade ou trocadas com vizinhos.
Com a colheita, verificou-se que a produtividade dos sistemas convencionais apresentou média de 4,5 mil kg/ ha, com custos de produção de R$ 2 mil por hectare, gerando aos produtores prejuízos médios de R$ 762 por hectare – considerando o valor da saca de milho a R$ 17. Já as perdas dos produtores que manejavam seus sistemas adotando princípios agroecológicos foram de apenas 20%. A produtividade média deles foi de 4,2 mil kg/ha, com um custo médio de R$ 200, o que corresponde a 744 quilos de milho. Os dados revelam que essas lavouras geraram um saldo econômico positivo de quase 3,5 mil kg/ha.
Os resultados demonstram que os sistemas de produção de milho em transição agroecológica lidaram melhor com os estresses ambientais decorrentes de condições extremas. A conclusão do artigo é clara: “Sob qualquer ângulo, através do qual observemos os desafios atuais relacionados às mudanças climáticas e aos seus efeitos sobre a agricultura e a sociedade, os resultados obtidos explicitam o anacronismo representado pela continuidade dos incentivos governamentais à modernização da agricultura familiar com base nos padrões produtivistas da Revolução Verde.
Mais um argumento contrário à tese de que os transgênicos seriam a melhor alternativa para enfrentar a seca veio da senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, veiculado em 21 de setembro, afirmou: “As pesquisas vêm mostrando que a produtividade e o lucro do plantio tradicional são maiores. E a perda, em relação ao período de seca no Rio Grande do Sul, é maior para a soja transgênica do que para a convencional. Se tivéssemos os dois modelos, poderíamos ganhar duas vezes”.
O presidente do conselho do Centro de Conhecimento em Agronegócios da FEA-USP (Pensa), Decio Zylbersztajn, crê que os transgênicos podem ajudar no caso de adaptação de espécies e cultivares às novas condições climáticas, mas eles pouco ajudarão a mitigar o problema. “OGMs são apenas mais uma tecnologia. Existe espaço para eles, assim como existe espaço para orgânicos”, diz.
A seu ver, as mudanças climáticas podem ser fruto da intervenção humana ou um fenômeno natural. Ou ambos. “Compartilho da percepção de que o homem exagerou na dose da crença de que mais tecnologia resolve os nossos problemas. É tempo de começarmos a pensar em mudança de estilo de vida. Quem quer dar o primeiro passo?”, questiona.[:en]
Enfrentar ou alimentar o problema?
As mudanças climáticas renovam a polêmica sobre transgênicos, enquanto se questiona se a solução está na maior intervenção humana nos sistemas naturais
A controvérsia científica que coloca frente a frente defensores e opositores da transgenia tem tudo para aumentar. O debate sobre as consequências do cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) ganha força diante das novas condições de plantio que surgirão por conta das mudanças climáticas. Seriam os transgênicos a melhor alternativa para um mundo de temperatura elevada e menor disponibilidade de água em determinadas regiões? As alterações no clima e nos regimes hídricos são resultado direto da intervenção desmedida do homem sobre o meio. Para remediar isso, a solução é intervir novamente na natureza, criando organismos que se adaptem aos desastres causados?
Para Rafael Cruz, coordenador da campanha de transgênicos do Greenpeace – conhecido pelo combate ao uso de OGMs –, a resposta para essas duas perguntas, naturalmente, é a mesma: não. “Espécies transgênicas vêm sendo plantadas no Brasil há mais de 15 anos e, até agora, nenhum dos benefícios prometidos por essa tecnologia foi comprovado”, afirma. Segundo Cruz, o desenvolvimento tecnológico tem buscado espécies de OGMs resistentes a herbicidas e inseticidas, o que inegavelmente melhora de imediato a produção. Mas, com o passar do tempo, os efeitos colaterais geraram novos problemas. “Hoje, quem planta soja transgênica tem problemas de erva daninha resistente aos defensivos agrícolas. Ou seja, é uma solução que gera outro problema”, diz.
Para ele, o que precisa ser modificado é o paradigma da agricultura brasileira. O clima é que deveria se manter estável, para garantir a conti Nuidade das plantações. Contudo, esse futuro é improvável. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) prevê um aquecimento mínimo de 0,8 grau na temperatura planetária e as negociações em curso no âmbito das Nações Unidas têm com objetivo evitar que o aumento seja superior a 2 graus. Cruz apresenta aquela que seria a solução adaptativa a esse novo cenário: “Temos de valorizar a enormidade de sementes tradicionais produzidas pelos agricultores em todo o País e que formam um enorme banco genético. A primeira medida deveria ser cuidar para que esses recursos não se percam”.
A “culpa” da agricultura
De acordo com o estudo Caminhos para uma Economia de Baixo Carbono no Brasil, produzido pela McKinsey & Company, o setor de agricultura e pecuá-ria representa aproximadamente 25% do total de emissões no País, devendo aumentar para 30% até 2030. Metade dessas emissões originase na pecuária, cuja fermentação intestinal e os resíduos orgânicos dos quase 200 milhões de cabeças do rebanho produzem metano, poderoso gás de efeito estufa. A outra metade das emissões vem de práticas agrícolas, como queimadas para o preparo do terreno antes do plantio e uso excessivo de fertilizantes nitrogenados, que leva à produção de outro gás, o N2O.
No ano passado, o Brasil tornou-se o maior consumidor mundial de agrotóxicos, movimentando cerca de US$ 7 bilhões. Ao utilizar de forma massiva esses insumos fabricados à base do petróleo, a agricultura contribui para o problema das emissões – fazendo com que se tenha sempre de se adaptar a novas condições ambientais. Defensores dos transgênicos alegam que a técnica leva ao menor consumo de agrotóxicos.
E se os transgênicos forem a solução?
Hilton Pinto, diretor associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri-Unicamp), entende que a única saída tecnológica para manter a produção e evitar perdas ao agricultor seria o melhoramento genético, independentemente de ser transgenia ou o melhoramento convencional.
“Há essas duas opções para obter variedades ou cultivares tolerantes a temperaturas mais elevadas e estresse hídrico. Não tem alternativa em termos de adaptabilidade”. O diretor é coautor do estudo Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil, que aponta para perdas de R$ 7,4 bilhões por ano, em 2020, no setor agrícola, por conta das mudanças climáticas.
Para Walter Colli, presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a questão deve ser discutida cientificamente. Para ele, quanto menos gases a atividade agropecuária emitir, melhor. “Mas não pode atrapalhar aquilo que é fundamental para o ser humano: a sua alimentação.”
De acordo com Geraldo Berger, diretor de regulamentação da Monsanto do Brasil, as mudanças climáticas que têm sido estimadas demandam o desenvolvimento de plantas adaptadas a essas novas situações. Nesse contexto, os produtos da biotecnologia agrícola seriam parte da solução, juntamente com outras tecnologias, como o melhoramento genético e a fitotecnia – arte de cultivar, multiplicar e reproduzir plantas.
Hilton Pinto conclui, enfaticamente: “Na nossa análise, isso independe de ‘ecologismo’. Se há necessidade de atender a demanda mundial de alimentos e a transgenia for uma solução, ou você a adota ou mata a todos de fome”.
E se não forem?
Contrariando esse tom apocalíptico, recente artigo publicado pelos pesquisadores da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) Edinei de Almeida, Paulo Petersen e Fábio Junior Pereira da Silva apresenta uma análise comparativa entre o desempenho de produtores de milho de Santa Catarina que se associaram às redes locais de inovação agroecológica e o daqueles que seguem o padrão convencional.
O caso é curioso por acontecer numa das regiões afetadas pelos dilúvios que atingiram o estado em 2008. E as diferenças entre os produtores de milho convencionais e os em transição agroecológica – passagem do atual sistema produtivo de baixa sustentabilidade para um modelo que privilegie princípios e métodos de base ecológica – surgiram já na fase de reestruturação das lavouras. Para o segundo grupo tornou-se desnecessário qualquer desembolso, uma vez que suas lavouras são conduzidas com sementes crioulas produzidas na propriedade ou trocadas com vizinhos.
Com a colheita, verificou-se que a produtividade dos sistemas convencionais apresentou média de 4,5 mil kg/ ha, com custos de produção de R$ 2 mil por hectare, gerando aos produtores prejuízos médios de R$ 762 por hectare – considerando o valor da saca de milho a R$ 17. Já as perdas dos produtores que manejavam seus sistemas adotando princípios agroecológicos foram de apenas 20%. A produtividade média deles foi de 4,2 mil kg/ha, com um custo médio de R$ 200, o que corresponde a 744 quilos de milho. Os dados revelam que essas lavouras geraram um saldo econômico positivo de quase 3,5 mil kg/ha.
Os resultados demonstram que os sistemas de produção de milho em transição agroecológica lidaram melhor com os estresses ambientais decorrentes de condições extremas. A conclusão do artigo é clara: “Sob qualquer ângulo, através do qual observemos os desafios atuais relacionados às mudanças climáticas e aos seus efeitos sobre a agricultura e a sociedade, os resultados obtidos explicitam o anacronismo representado pela continuidade dos incentivos governamentais à modernização da agricultura familiar com base nos padrões produtivistas da Revolução Verde.
Mais um argumento contrário à tese de que os transgênicos seriam a melhor alternativa para enfrentar a seca veio da senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, veiculado em 21 de setembro, afirmou: “As pesquisas vêm mostrando que a produtividade e o lucro do plantio tradicional são maiores. E a perda, em relação ao período de seca no Rio Grande do Sul, é maior para a soja transgênica do que para a convencional. Se tivéssemos os dois modelos, poderíamos ganhar duas vezes”.
O presidente do conselho do Centro de Conhecimento em Agronegócios da FEA-USP (Pensa), Decio Zylbersztajn, crê que os transgênicos podem ajudar no caso de adaptação de espécies e cultivares às novas condições climáticas, mas eles pouco ajudarão a mitigar o problema. “OGMs são apenas mais uma tecnologia. Existe espaço para eles, assim como existe espaço para orgânicos”, diz.
A seu ver, as mudanças climáticas podem ser fruto da intervenção humana ou um fenômeno natural. Ou ambos. “Compartilho da percepção de que o homem exagerou na dose da crença de que mais tecnologia resolve os nossos problemas. É tempo de começarmos a pensar em mudança de estilo de vida. Quem quer dar o primeiro passo?”, questiona.