A COP 15 terminou sem acordo vinculante e os lamentos ainda se fazem ecoar pelo mundo. Mas, para o economista José Eli da Veiga, as negociações diplomáticas não são o único nem o principal vetor de impulso para a superação das energias fósseis. Segurança energética e novos negócios são dois fatores preponderantes para a próxima fase do capitalismo. Mesmo que o primeiro seja limitado pela falta de alternativas tecnológicas, o segundo é impulsionado por ela. E ainda corre por fora a possibilidade das barreiras tarifárias de justificativa climática. Embora controversa, a proposta já conta com a aprovação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e poderia vingar na ausência de um acerto internacional.
Professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e um dos principais especialistas brasileiros em ecodesenvolvimento, Veiga analisa ainda o posicionamento de EUA, China, Índia, Europa e Brasil na geopolítica do clima. Para o autor de Mundo em Transe – do aquecimento global ao ecodesenvolvimento, o mais recente de 18 livros, o sistema de governança global dá sinais de estafa, mas poderia ser aprimorado se o G-20 assumisse a costura de um acordo antes das negociações na Convenção do Clima.
Nesta entrevista, Veiga reflete sobre o tempo de definição em cada um dos prazos estabelecidos pela perspectiva global da crise climática – 2020, 2050 e o fim do século. Cada período guarda seus próprios desafios e, certamente, muitas surpresas.
Qual é a influência do fracasso da Cúpula de Copenhague sobre a descarbonização da economia mundial?
Para os países que estão adiantados na corrida tecnológica pelas novas soluções altera muito pouco, porque eles se pautam meio que por ganhar tempo. Então poderia ter sido melhor o resultado, no fundo. Para os países que, ao contrário, tinham de ter entrado no jogo, isso é ruim, porque os deixa outra vez livres sem nenhum constrangimento de ordem internacional que os faça ir além daquilo que eles já estavam dispostos a fazer. De qualquer forma, é um ano. Em princípio, ainda tem aí essa possibilidade de que em dezembro se resolva o que não foi resolvido em Copenhague, então, um ano é pouco num processo como esse.
Como são os sinais desses países que estão na liderança? O desenvolvimento pleno de uma economia verde é algo previsto para as próximas décadas ou apenas para um futuro distante?
A dificuldade é que a gente pensa no longo prazo, por exemplo, em um século. Afinal, o compromisso principal é não deixar que a temperatura aumente mais de 2 graus. Não é 2020 ou 2050, é em relação ao que era no nível pré-industrial, é uma coisa secular. Nesse prazo, uma coisa que a gente nem sabe direito se pode acontecer, mas que pode até ser cogitada, é a fusão nuclear, que resolveria tudo. No prazo de um século, talvez pinte. Normalmente, os cientistas que entendem do assunto falam que no meio do século a gente teria alguns resultados. Depois, tem outras coisas, do tipo: imagine que a gente explorasse as energias solares não do jeito que está sendo feito, mas aproveitando todo o investimento tecnológico no espaço. Hoje em dia, isso está muito avançado para alimentar os satélites, que acumularam energia solar suficiente para continuar funcionando. Será que um dia nós vamos poder usar aqui uma energia captada lá? Também é uma especulação de muito longo prazo. Eu até diria que, como o prazo de esgotamento do triângulo fóssil – petróleo gás e carvão – varia entre 40 e 130 anos, então também nesse prazo alguma alternativa será criada. Ninguém é capaz de dizer com certeza qual vai ser a solução.
Mas esse caminho de redução de intensidade de carbono é irreversível, considerando a finitude dos recursos fósseis?
Aí é que está, porque, quando falamos em intensidade de carbono, a gente está fazendo uma comparação entre o quanto de emissões você tem por unidade de produção, medida pelo PIB. Isso vem caindo muito no mundo inteiro. Mesmo em países sujos como a China caiu muito e vai continuar caindo. Até por isso quiseram que a meta deles fosse colocada nesses termos. Isso é efeito de uma eficiência tecnológica maior, mas, paralelamente, você tem crescimento populacional e crescimento de padrões de vida. Então, isso mais do que compensa a economia. A intensidade pode estar caindo muito, mas o volume das emissões pode continuar aumentando, então não resolve o problema. A queda da intensidade é positiva, mas ela sozinha não resolve.
Tem gente que tenta enfatizar muito a mudança de comportamento, que também influenciaria. Hoje, a mudança desses comportamentos poderia permitir uma eficiência energética maior e até diminuir a necessidade de energia. Só que, ao mesmo tempo, existem autores mostrando há algum tempo que, quando você obtém essa eficiência em alguma coisa, isso também é compensado por um rebound effect (efeito ricochete). Se troco um carro que emitia pra burro por outro que quase não emite, isso me dá uma eficiência energética, eu gasto menos para encher o tanque e essa economia no fim do ano me leva às Maldivas para passar férias. Ou seja, você pode ter uma economia por causa de maior eficiência energética, só que essa poupança vai se transformar em outro gasto que puxa a energia. Os estudos até agora feitos mostram que isso é muito importante e que esse é um dos motivos que fazem com que a redução das emissões não se verifique na mesma proporção que a chamada intensidade diminui.
A COP 15 levantou grande expectativa, causando até a impressão de que seria o principal momento para que o mundo decidisse seguir por um caminho ou por outro. Existem outros processos tão importantes quanto as COPs? Até que ponto a via diplomática é a principal?
Se eu olho para o processo de descarbonização, acho até que outros dois vetores que não são as negociações internacionais são mais importantes. As grandes potências levam muito a sério seu problema de segurança energética. As soluções que eles encontraram durante o século 20 não podem se manter durante muito tempo e por isso Barack Obama tem um plano bem diferente em relação àquilo que foi a opção anterior dos EUA. O que eles fizeram? “Bom, nós vamos precisar de muito mais energia do que a gente tem, vamos ficar meio dependentes do Oriente Médio, mas, tudo bem, na hora em que eles não se comportarem a gente faz uma guerra.” Essa fórmula já esgotou. Agora eles estão com esse problemão do Iraque e do Afeganistão e não há muita possibilidade que eles inventem uma guerra no Irã. Então, conseguir mais segurança energética e quebrar essa dependência em relação ao petróleo importado é um plano estratégico dos EUA.
Além disso, já que muito antes de acabarem o carvão e o petróleo a substituição por outras soluções em energias renováveis vai ocorrer, há grandes oportunidades de negócios. E isso move muito mais a sociedade do que saber se vai ter acordo.
Esses dois vetores – segurança energética e novos negócios – contrabalançam a dificuldade que há no plano internacional. Como as grandes potências são movidas mais por esses vetores, nas negociações internacionais elas tentam fazer um jogo que as favoreça nesses dois outros planos. Mas acho que grande parte dos analistas concorda que essa fórmula de negociação em que você tem de ter unanimidade de 190 e tantos países sobre aquilo que vai ser proposto dificulta muito.
Diferentemente do que aconteceu com o ozônio, desde o início, as Nações Unidas colocaram a questão do aquecimento global no plano da Assembleia- Geral e não do Pnuma. E isso foi aprofundado quando a convenção optou pela expressão ‘desenvolvimento sustentável’, que é uma coisa muito mais ampla e mais vaga do que a questão ambiental em si. Se você não diz que é ambientalismo, mas desenvolvimento sustentável, você tem de entrar nessa discussão do direito dos povos ao desenvolvimento e complicou bastante.
Alguns analistas sérios acham que esse caminho não vai dar em nada, não é só em Copenhague. Era natural que se tivesse criado uma grande expectativa em relação a Copenhague. Na época da convenção, a opinião pública mundial e mesmo os governos não estavam assim tão convencidos. E na época do Protocolo de Kyoto também não. Já de 2007 pra cá é que a coisa começou a virar e aí então cresceu muito a atenção em relação a essa questão mundial, dos vários ângulos. Como o Protocolo seria reformulado, ou coisa do gênero, em Copenhague, criouse toda a expectativa em torno disso. O resultado pode indicar que a fórmula criada pela comunidade internacional é inviável. Se for mesmo, essa convenção vai falir. Se isso acontecer, esses analistas dizem que alguns países no futuro podem tomar atitudes unilaterais, por exemplo, com o uso da geoengenharia, que seria principalmente colocar partículas na estratosfera, de modo a aumentar a refletividade da Terra. Se fizer isso, depois você vai ter de manter, não tem como voltar atrás. E se tiver efeitos negativos? É tanta incerteza…
O G-20 vai se consolidar como principal fórum das mudanças do clima? Nesse sentido, se a política de governança global se mostra tão falha, não só na questão do clima, mas no combate à fome, na Rodada de Doha, e mais recentemente o Haiti, existe algum modelo que se anuncia como alternativa?
Eu não acho que essa hipótese existe. Vai ser a ONU. Quando você já entrou por um caminho como esse, não tem mais como mudar. A questão é a seguinte: para você chegar a um bom acordo numa reunião desse tipo, ele tem de estar costurado antes. O G-20 é uma instância que permitiria isso. O G-20 foi criado mais voltado só para a questão financeira e funcionou, não é? Quando as diferenças estavam na ponta da crise e ninguém conseguia enxergar direito o que estava acontecendo, o acerto entre Europa e EUA foi feito no G-20, com a presença da China. Mas ele não assumiu a questão climática e o motivo ainda não está claro. Do jeito que os países chegaram a Copenhague, tinha tudo para dar errado. Qualquer reunião internacional que vá exigir consenso, o que na verdade é uma unanimidade, seja qual for o assunto, ou você preparou isso bem antes e no máximo você tem de fazer algumas concessões e correções, ou é melhor nem fazer a reunião.
Se a negociação for entre países centrais, as necessidades das nações pobres não poderiam ser comprometidas?
Com certeza. Mas no G-20, por exemplo, você não tem só os países centrais. Estão muito bem representados os chamados emergentes. Então, de fato, você ainda tem fora do G-20 uma série de países que podem ser vítimas do aquecimento global. Mas eles não têm nada para oferecer, ninguém vai pedir pra eles reduzirem emissões. Eles vão reivindicar mais grana para adaptação. Isso não é difícil. Muito mais difícil é convencer a China ou a Índia a cortar emissões.
Pouco antes da COP15, a China se comprometeu a reduzir entre 40% e 45% a intensidade de carbono até 2020, o que na prática significa mais que duplicar as emissões. Por outro lado, assinou um acordo de cooperação tecnocientífica com os EUA. O interesse chinês em novas fontes de energia é maior do que levam a crer as metas anunciadas?
Aparentemente, em 2020, as novas fontes de energia ainda não serão competitivas. Embora o custo da solar, eólica e geotérmica vá cair muito nesses anos. Neste prazo, tenho a impressão de que vai ter um renascimento da energia nuclear e uma ascensão da CCS (captura e armazenamento de carbono, na sigla em inglês) principalmente voltada ao uso do carvão. Como o carvão vai durar 130 anos e está espalhado, a China e a Índia não vão abrir mão de usá-lo. A CCS custa muito caro e é uma tecnologia muito nova. Então eles vão dizer o seguinte: “Tudo bem, vocês pagam, a gente faz”. A discussão é mais essa, nesse prazo. A mesma coisa em relação à tecnologia nuclear.
Os chineses, enquanto resistem em Copenhague, estão fazendo proezas tanto na eólica quanto na solar. E lá é tudo em escala imensa. No entanto, não dá para comparar o sistema tecnológico e científico da China com o da Alemanha, por exemplo. Essa coisa de enterrar carbono é complicada porque em vários casos, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra, as populações locais se revoltaram, mais do que contra a energia nuclear. Mas esse tipo de coisa não vai ter na China. Eles vão fazer e pronto.
A meta de corte de emissões que tramita no Congresso americano é tímida se comparada à da Europa, por exemplo (cerca de 3% ante 20% até 2020). Se aprovada, a nova lei teria que tipo de impacto sobre os EUA e o mundo?
A lei proposta é tão complexa que eu mesmo não consegui ler até o fim. Acho que no início tinha 900 páginas, agora já está em 1.400. Não é só essa meta que está lá. O importante é que os EUA façam uma inflexão. Se eles fizeram uma inflexão – “nós não queremos mais continuar na trajetória em que tudo está baseado nas energias fósseis e vamos num sentido diverso e isso estará previsto por lei” –, isso para mim é muito mais importante do que saber a meta. Infelizmente, a discussão ficou muito centrada num joguinho, uma espécie de competição de metas. Uma coisa é falar que podemos chegar a quase 40% porque, se parar só o desmatamento, já resolveu. Mas nos países em que a questão central é fazer a transição das energias fósseis e se ninguém enxerga qual é a tecnologia… Eu acho um pouco irresponsável a crítica à lei do Obama. A minha impressão é que isso vai dar aos EUA uma força tão grande quanto a Europa adquiriu quando lançou aquela proposta de 20-20-20 (20% de redução de emissões e 20% de incremento em eficiência energética até 2020). Pegando só pela questão da meta eles não teriam, porque é menos que a da Europa. Mas acho que vão surgir muitas outras coisas.
Qual o melhor modelo: o cap-and-trade americano ou as taxas sobre carbono da França?
Há um vastíssimo debate sobre isso. Tendo já um sistema de cap-and-trade europeu, a França determinou que os setores que já estão nesse modelo ficariam isentos da taxa e isso foi considerado inconstitucional no finzinho do ano. Em todo caso, a maior parte dos economistas é mais simpática à taxa ou imposto, porque é uma coisa mais conhecida. O cap-and-trade depende de muita engenharia institucional para funcionar. Até agora a experiência exitosa foi no caso da chuva ácida, mas havia pouquíssimos emissores e a tecnologia era conhecida. Então, era dar um prazo para que as empresas retardatárias adquirissem a tecnologia. Não é caso para o aquecimento global. Você não sabe qual é a tecnologia e não são poucos emissores. Tanto é que o cap-and-trade que já está funcionando pega só uma parte da economia. Não tem como funcionar para as residências ou o sistema de transporte como para a indústria pesada. Tem uma terceira ideia que surgiu nos EUA, chamada cap-and-dividend. Você taxa fortemente através de leilão de permissões e tudo o que for arrecadado é devolvido de forma igualitária. Isso era uma proposta das ONGs e agora virou um projeto de lei razoável. O grande problema desses países que querem ter um plano razoável é ver o que eles fazem com os setores da economia que não tomam parte do cap-and-trade. E aí eu tenho a impressão de que a melhor solução é a francesa, que já tinha sido adotada nos países escandinavos, por exemplo, na Noruega.
Na ausência de um acordo global diplomático, a crescente discussão acerca de taxas no comércio internacional sobre produtos de países que não comprovem esforços para reduzir as suas emissões pode ser o principal vetor de inovação?
Na realidade é a possibilidade de criar barreiras comerciais. De um lado, a OMC e o Pnuma fizeram uma relatório em que eles mostram que a coisa já está mais ou menos acertada. Se um país adota uma legislação em razão de um plano de contenção, ele pode ter o direito de dizer que mercadorias foram produzidas em condições de total liberdade de emissões terão uma taxa alta de importação. Basta que o país prove que não está fazendo nada de discriminatório, que isso não é um pretexto. É como se já existisse uma jurisprudência. Mas o que pode complicar muito tudo é a tese que a China andou desenvolvendo e que a Índia aproveitaria. Eles dizem o contrário: o pouco de redução que teve na Europa é porque eles na verdade transferiram a produção de um monte de coisas para a China e estão importando barato. Se eles fizessem, as emissões teriam sido lá. Então, eles fizeram os cálculos e chegaram à conclusão de que 70% das emissões chinesas poderiam ser atribuídas às exportações. Eu confesso que não sei o que isso pode dar, em termos de conflito na OMC.
Mas e se funcionasse?
Acontece que, se houver o acordo, todos esses países emergentes teriam algum tipo de compromisso. Se a China melhorar um pouco a proposta que eles fizeram em relação à intensidade, se a Índia apresentar alguma coisa e isso aparecer no acordo do México, em 2011, ninguém vai poder inventar uma taxa para puni-los, porque eles estarão fazendo a parte que foi acordada na Convenção. Acho que as retaliações comerciais surgem se não houver um acordo.
A participação do presidente Lula nos últimos dias da COP 15 foi muito bem avaliada. O Brasil tem condições de consolidar uma liderança no cenário da descarbonização?
Liderança seria uma palavra muito forte. Mas o Brasil mostrou, nos meses anteriores a Copenhague, e em Copenhague, aquilo que todo mundo vinha dizendo que tinha de ter feito há mais tempo, porque o Brasil ficava se aninhando atrás do biombo da China. Ele passou a ter uma atitude propositiva, ousada, avançada, chegou muito bem na COP. E a atuação do Lula foi espetacular, eu acho. Só que, infelizmente, totalmente apagada por uma atuação desastrosa da Dilma (Rousseff, ministra da Casa Civil), uma pessoa que não tem tradição nenhuma na área, sempre foi contra. Só que inventaram que ela tinha de ir lá para não deixar que o espaço fosse ocupado pela Marina (Silva, senadora). Mas, quando o Lula chegou, realmente, tanto a atitude na reunião que eles fizeram com o Obama quanto aquele discurso que ele fez de improviso foram muito bons. Mas acho que o Brasil só tem um papel realmente de liderança das chamadas potências florestais.
E quanto à transição para o que o senhor chamou de “a nova fase do capitalismo”?
Acho que ainda é um player de segunda ordem. O jogo todo é entre EUA, Europa e Japão, de um lado, China e Índia do outro. Mas é um problema muito mais sério para eles. O Brasil pode dizer que vai derrubar em 40% a expectativa de crescimento das emissões porque nós vamos ter um plano para a Amazônia e para o Cerrado de reduzir o desmatamento. Outra é dizer que precisa ter CCS para o carvão, uma tecnologia fundamentalmente britânica. Mas é um problema que o Brasil vai enfrentar provavelmente lá por 2020. Quando a gente zerar ou quase zerar o desmatamento, vamos ter um problema parecido com o deles. Tudo bem que a nossa matriz energética é relativamente limpa agora, mas ela tende a sujar, está piorando e tende a piorar mais.
A meta de redução de emissões assumida em lei pelo estado de São Paulo tem que influência sobre o restante do País? É possível São Paulo ir para um lado e o Brasil para o outro?
O desafio da meta assumida por São Paulo é muito sério. Nós não vimos ainda o inventário, mas a gente sabe mais ou menos porque tem o inventário nacional. Aqui em São Paulo não é uma coisa tão simples como deter o desmatamento e cuidar da pecuária. Aqui vai ser basicamente transporte e indústria. Sobre influência, a gente já vê sinais disso no Rio e em Minas. No Rio está na mesma linha de fazer inventário e algum tipo de proposta. E no caso de Minas, não chegaram a ter uma lei como esta, mas fizeram um inventário e chegaram à conclusão de que o problema maior deles é com o carvão para siderúrgicas e fizeram uma lei específica, assim como a gente tem, em São Paulo, para cana. Provavelmente vão acontecer coisas semelhantes nos próximos anos nos estados do Sul. No resto do País, acho difícil que seja dada prioridade para esse assunto, até porque em grande parte do País a questão vai ser o desmatamento, o problema é mais agropecuário.
Até que ponto o compromisso paulista é viável, considerando a franca oposição da Federação das Indústrias (Fiesp)?
Eu acho que a Fiesp se opõe provavelmente por representar os setores mais atrasados das empresas. Tem um grupo de empresas muito grande em São Paulo, principalmente influenciada pelo Ethos, que tem uma visão completamente diferente. Que, pelo contrário, pressionou nessa direção. É o pessoal que já enxergou que, se nos países para os quais eles exportam, ou em princípio terão de estar presentes, essa questão está rolando, eles não podem estar atrasados em relação a isso. Então a lei de São Paulo de certa forma contempla a exigência das empresas mais avançadas. Como vai ser o jogo, que tipo de dificuldades o governo de São Paulo vai ter para pôr isso em prática, acho que nem eles sabem responder. O que é importante que se diga é que a proposta não é do Serra. Na verdade, dentro do governo Serra houve um conflito muito forte entre quem propôs, que foi a Secretaria de Meio Ambiente influenciada pelo Fórum de Mudança Climática, e a Secretaria de Energia.
Tem um técnico envolvido nisso que sempre me procurou, porque ele queria saber se alguém alertava a imprensa. Pelo que eu pude entender, teve uma reunião conduzida pelo (vice-governador, Alberto) Goldman em que eles decidiram tirar a meta. Aí a estratégica foi o PV, na Assembleia, fazer uma emenda e, quando foi aprovado, passou o pacote. Mas não teve oposição dos tucanos. Então não é para dizer que os louros não são do governo Serra, mas a história não é tão simples quanto a imprensa passou. Aparentemente, além dessa iniciativa, parece que a participação do Serra em Copenhague foi muito razoável. A questão é se ele vai ouvir algumas pessoas que o assessoram, como o (presidente do Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro, Sergio) Besserman e o Roberto Smeraldi (diretor da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira).
Esta edição gira em torno de uma reflexão sobre o tempo. Na sua visão, o que significa o tempo para a sustentabilidade? A busca da sustentabilidade é uma luta contra o tempo, considerando a urgência de problemas ambientais? Ou o tempo da sustentabilidade é o da oportunidade, a brecha que se abre para rever e aprimorar modelos de desenvolvimento?
A própria definição de sustentabilidade ambiental embute uma questão central de tempo. Eu só posso entender o que significa isso se imediatamente raciocinar que nós temos algum tipo de compromisso ético com as próximas gerações. Isso é muito repetido, mas acho que as pessoas não param para pensar suficientemente nisso. O que é que nos faria ter preocupação com as futuras gerações? Por que é que nós deixaríamos de ser imediatistas e pensar que o ideal seria que não tivesse mais pobreza agora? E o que nos faria não pensar só assim, porque as coisas estão ligadas? Alguns dos desastres que a gente está vendo foram por incúria de coisas que não foram feitas anteriormente quando não se pensou no futuro. Por exemplo, São Luiz do Paraitinga estaria lá inteirinha se não tivessem feito tanta besteira. Sustentabilidade ambiental não tem como definir se você não envolver essa coisa intergeracional que bate num problema fundamentalmente ético. Mas nas opções que você colocou, acho que são os dois, tanto uma coisa quanto outra.