A seguir, entrevista com James Jackson Griffith, professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Federal de Viçosa (UFV):
Que trabalho o sr. Desenvolve na Universidade Federal de Viçosa com relação à Filosofia Ambiental e qual é a sua proposta?
Leciono uma disciplina de Filosofia Ambiental, em nível de graduação, que atende os estudantes interessados em pensar de maneira alternativa aquilo que é ensinado na maior parte dos seus cursos. A UFV é uma excelente instituição de ensino, mas ainda existe muito Positivismo comteano (de Auguste Comte) embutido nas disciplinas das Ciências Agrárias, Biológicas e Exatas que lidam com o uso da terra e com saneamento. Os estudantes querem outras formas de entender a relação entre o ser humano e a natureza, além das equações de regressão linear. Aprecio muito a contribuição científica de pesquisas que procuram mostrar como “A” causa “B”, mas acho que podemos formar profissionais com pensamentos mais abrangentes. Assim, haverá melhoria na qualidade da gestão ambiental do País.
Que contribuição essa Filosofia pode dar à sustentabilidade e que falta ela faz nessa discussão?
Equilíbrios, e as buscas por eles, são conceitualmente interessantes, porque quase sempre envolvem uma interação complexa de forças e resistências naturais e sociais. “Desenvolvimento sustentável”, à primeira vista, parece ser um bom exemplo de um oxímoro de palavras contraditórias, mas a Filosofia pode esclarecer melhor a relação entre esses dois termos. A Filosofia prospera e cresce com tais dualismos e dilemmas. A tensão conceitual entre opiniões diferentes é capaz de produzir uma dialética (no sentido usado por Sócrates e Platão) de pensamento entre as pessoas e grupos envolvidos. Desse diálogo intelectual podem surgir maneiras tão criativas de pensar que aparecerão soluções não enxergadas anteriormente.
Por que houve, até agora, distanciamento entre Filosofia e sustentabilidade? Essa falta de atuação pelos filósofos não contribuiu para essa agenda mais utilitarista e técnico-científica?
Vejo dois problemas com a Filosofia no Brasil que vêm dificultando o desenvolvimento de uma Filosofia Ambiental própria. Concordo com o filósofo Amós Nascimento, para quem os filósofos ficaram na retaguarda, atrás das outras profissões praticadas no Brasil. Os juristas, economistas e educadores, por exemplo, já assimilaram o assunto “meio ambiente”, enquanto os filósofos ainda não. Ele sugere que a aparente desvantagem atual dos filósofos seja consequência do fato de a classe ter perdido sua cause celèbre, ou seja, o protesto contra o governo militar. Essa força unificadora acabou com o retorno à democracia em 1985. Quem sabe a questão ambiental não poderia ser, hoje, uma nova liga entre filósofos brasileiros?
O segundo problema é que há preocupação entre alguns filósofos tradicionais em manter o “purismo” da sua profissão. Eles não consideram legítima a aplicação da Filosofia aos assuntos tão “mundanos” como meio ambiente. Pessoalmente, não vejo nada errado em aplicar a Filosofia ao meio ambiente; considero especialmente importante incorporar as considerações éticas da Filosofia clássica. E, historicamente falando, sabemos de muitos exemplos em que ideias inicialmente consideradas “puras” se transformaram, depois, em importantes descobrimentos científicos e até movimentos sociais.
Em resumo, na falta de atuação dos filósofos, acabou preenchendo esse espaço o discurso empresarialou, como você mesma disse, a visão dos utilitaristas e tecnocratas da sustentabilidade.
Agora falando especificamente sobre estética: em 1979, o sr. Publicou um artigo na Revista Brasil Florestal descrevendo como analisar a paisagem brasileira por meio da detecção de linhas, formas e texturas no campo de visão. O sr. Ainda defende essa abordagem estética fundamentada na geometria euclidiana?
Hoje reconheço a influência da geometria euclidiana naquele trabalho. É, de fato, uma geometria muita restritiva quanto à representação dos fenômenos naturais. Acho que acertei em apontar naquele artigo de 1979 a importância do que chamei de “o efeito da vivacidade da paisagem” nos olhos do observador. Mas, agora acredito que a causa da vivacidade não seja tanto a geometria estática do lugar, como é uma expressão visual da dinâmica da sua complexidade. Estou me referindo à Teoria da Complexidade e, especificamente, à ideia da existência de “refletáforas” na paisagem.
O que é “refletáfora”?
O conceito de “refletáfora” vem emprestado da teoria da arte fractal. Segundo J. F. Briggs (Fractals. New York, Touchstone, 1992), existem em grandes obras de arte justaposições de fractais, ou padrões, repetidas em várias escalas. As múltiplas formas e cores autossemelhantes criam tensão entre similaridades e diferenças que estimula a experiência da vivacidade visual. Os fractais que produzem esse efeito visual podem ser chamados de refletáforas: como são autossemelhantes, as suas formas e cores refletem umas as outras. Essa justaposição de padrões nas artes visuais produz uma tensão prazerosa de beleza semelhante ao uso das metáforas nas artes literárias.
Esse fenômeno estético das refletáforas pode ocorrer na natureza?
Sim, o efeito estético da refletáfora pode ocorrer em paisagens naturais. Fico admirado, por exemplo, ao ver a quantidade de fractais bonitos nas imagens de satélite do Quadrilátero Ferrífero mineiro, uma região de grande valor paisagístico por causa dos complexos de múltiplos fractais sobrepostos atuando como refletáforas. As formações geológicas, aliadas pela força da gravidade, vêm orientando rios e córregos praticamente no mesmo padrão. As matas ciliares, influenciadas pelas fontes de água tão próximas e necessárias para seu desenvolvimento, acabam repetindo o padrão. O uso tradicional da terra – inclusive a forma de muitas das minas a céu aberto, comuns no Quadrilátero de Minas – complementava a geometria natural da região, embora algumas das obras mais recentes não sejam mais assim. Como afirma Briggs, a tensão refletafórica dessas repetições é tão dinâmica que “ela balança nossa mente em admiração, assombro, perplexidade e com senso de verdade ou beleza inesperadas”.
Admito que, em 1979, quando publiquei o artigo na Revista Brasil Florestal, eu não estava ciente, pelo menos analiticamente, da arte fractal. Hoje, devemos aprofundar tanto na geometria da complexidade quanto na geometria euclidiana quando formos avaliar o recurso paisagístico.
Em suas palestras, o sr. Frequentemente usa as gravuras do artista holandês M. C. Escher para ilustrar suas ideias sobre Filosofia Ambiental. Por quê?
Nas obras do M. C. Escher, enxergo a mesma vivacidade visual que descrevi anteriormente como a arte fractal em paisagens. Em especial, aprecio, artística e filosoficamente, os chamados “fenômenos emergentes” nas suas gravuras de paisagens do uso da terra (por exemplo, Dia e noite, de 1938) e de revoadas de animais silvestres (Verbum, 1942; Libertação, 1955). Em minha opinião, as obras de Escher revelam o que alguns filósofos contemporâneos têm chamado de “o terceiro incluído”, um conceito nitidamente não aristotélico e, certamente, mais dinâmico que a geometria euclidiana.
Escher tipicamente começa com objetos representados num tom neutro de cinza. Seguindo trajetórias diferentes, desenhadas por Escher, no espaço bidimensional da gravura, esses objetos também se tornam diferenciados. Tipicamente evoluem ora para o preto, ora para o branco.
Se fôssemos discípulos da lógica clássica de Aristóteles, poderíamos rotular os objetos pretos sendo da identidade “A” é “A”. Na mesma lógica, os objetos brancos poderiam ser chamados de “Não A” (não preto). Desse modo, se Escher tivesse parado aí na confecção da gravura, a obra poderia expressar perfeitamente o axioma aristotélico da não contradição: “A” (preto) não é “Não A” (branco). Ou seja, não existiria nenhum terceiro termo que fosse, ao mesmo tempo, “A” e “Não A”.
Mas o preto acaba interagindo em sinergia com o branco, criando sinergia entre aves, peixes, répteis, campos agrícolas e outros objetos. Às vezes, há tanta interação entre as partes das suas obras de tal ponto que não existe clara distinção entre figura e fundo.
Muitas das gravuras de Escher retratam evoluções de co-dependência e integrativas desse modo cíclico, criando assim novos fenômenos relacionais e emergentes. Em Dia e noite, por exemplo, no lado esquerdo fundem-se as silhuetas de aves de tal maneira que formam céu e paisagem de dia, enquanto no lado direito formam céu e paisagem de noite. Diferente da lógica aristotélica, essa obra parece seguir o que pode ser chamado de “o terceiro incluído”. É a lógica da contradição e da complementaridade.
Além do seu aspecto estético, qual é a mensagem das obras de Escher sobre conservação da natureza e proteção ambiental?
Para mim, a arte de M. C. Escher é muito relacionada à busca pela estabilidade. Muitos ecólogos (veja páginas 355 e 356 do livro de E. P. Odum e G. W. Barrett, Fundamentos de Ecologia, São Paulo, Cengage Learning, 2008) concordam que o conceito da auto-organização é a chave principal do desenvolvimento de um ecossistema. As evidências da auto-organização são frequentemente encontradas na natureza. Indo do caos para a ordem, é o funcionamento das múltiplas partes em sinergia que resulta na determinação de uma estabilidade dinâmica. Esse fenômeno, por causa da sinergia envolvida entre as partes, também pode ser chamado de “emergência”.
É fundamental para um gestor ambiental em busca da estabilidade entender e aprofundar seus conhecimentos sobre emergência.
O sr. Tem encontrado algum modelo conceitual capaz de integrar todas as ideias discutidas até agora nesta entrevista?
Nos últimos 10 anos, eu estava muito convicto quanto à utilidade do modelo do pensamento sistêmico aplicado às questões ambientais. Continuo acreditando ser possível modelar a maioria dos fenômenos naturais e sociais por meio de círculos de causalidade de reforço e balanceamento. Procuro capacitar todos os meus estudantes de Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental para que possam diagnosticar qualquer problema ambiental dessa maneira.
Mas, agora, vejo algumas limitações do pensamento sistêmico. O principal é que esse modelo é muito bom para descrever situações de entropia, porém algo restrito para modelar fenômenos emergentes. Na hora de lidar com questões de síntese, muitas situações acabam sendo interpretadas em volteios de entropia e desgaste. As suas descrições sobre deterioração sistêmica – fundamentadas na chamada “economia de retornos decrescentes” – podem nos levar ao pessimismo.
Recentemente, encontrei o modelo “panarquia” descrito por L. H. Gunderson e C. S. Holling (Panarchy, Washington DC, Island Press, 2002), que oferece opção de diagnóstico mais positivo por meio do seu conceito teórico de ciclos adaptativos. Para Gunderson e Holling, a ecologia tradicional tem ignorado um ciclo maior quando concentra seus esforços em estudar apenas as etapas da sucessão ecológica de rápido crescimento e posterior conservação. O que recebe atenção, normalmente, é a transição de espécies pioneiras para um estágio ecossistêmico mais conservador, em que espécies mais duradouras acumulam energia e material. Para esses criadores do modelo panárquico, de igual importância são as fases ecossistêmicas de liberação e reorganização. Portanto, o modelo panárquico ciclo de adaptabilidade é diagramado como uma figura na forma de 8 deitado consistindo de quatro segmentos em movimento praticamente perpétuo: crescimento, conservação, liberação e reorganização. Por sinal, a figura na forma de 8 deles assemelha às gravuras Cisnes (1956) e Laço de Moebius II (1963), de Escher.
Então, o sr. está trocando o pensamento sistêmico pelo modelo da panarquia?
Em vez de substituir por inteiro o pensamento sistêmico, a abordagem “panárquica” pode perfeitamente complementá-lo. O modelo “panarquia” faz essa complementação, reconhecendo conceitualmente que um processo contínuo de retroalimentação, ocorrendo em múltiplas escalas, é típico de situações problemáticas que em geral são sociais, naturais ou uma combinação do social e do natural. Em cada escala, o padrão de comportamento em todos os níveis é idêntico ou muito semelhante, mesmo sendo em magnitudes diferentes.
Existe alguma consideração estética no modelo “panarquia”?
Acho que sim, e de maneira surpreendente. Veja o seguinte: Gunderson e Holling observaram que as transformações em sistemas naturais e humanos acontecem numa entrelaçada de sistemas pequenos, médios e grandes (há interconexões entre os diversos níveis); e embora existam ricas variações, a dinâmica encontrada em cada escala de ocorrência costuma assemelhar-se ao mesmo padrão das quatro fases de crescimento, conservação, liberação e reorganização. Em outras palavras, as dinâmicas encontradas em cada escala são autossemelhantes.
Não lhe parecem familiares essas colocações deles sobre autossemelhança, interconexões entre diversos níveis e repetições de padrão entre várias escalas? É território já conhecido porque estamos, mais uma vez, lidando com refletáforas e com a arte fractal!
Assim é Filosofia, uma série de volteios de pensamento que acabam nos fazendo refletir sobre nossas próprias reflexões anteriores! Na verdade, você e eu, ao longo desta entrevista, criamos espontaneamente uma série de refletáforas de pensamento. Acho isso bonito.[:en]A seguir, entrevista com James Jackson Griffith, professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Federal de Viçosa (UFV):
Que trabalho o sr. Desenvolve na Universidade Federal de Viçosa com relação à Filosofia Ambiental e qual é a sua proposta?
Leciono uma disciplina de Filosofia Ambiental, em nível de graduação, que atende os estudantes interessados em pensar de maneira alternativa aquilo que é ensinado na maior parte dos seus cursos. A UFV é uma excelente instituição de ensino, mas ainda existe muito Positivismo comteano (de Auguste Comte) embutido nas disciplinas das Ciências Agrárias, Biológicas e Exatas que lidam com o uso da terra e com saneamento. Os estudantes querem outras formas de entender a relação entre o ser humano e a natureza, além das equações de regressão linear. Aprecio muito a contribuição científica de pesquisas que procuram mostrar como “A” causa “B”, mas acho que podemos formar profissionais com pensamentos mais abrangentes. Assim, haverá melhoria na qualidade da gestão ambiental do País.
Que contribuição essa Filosofia pode dar à sustentabilidade e que falta ela faz nessa discussão?
Equilíbrios, e as buscas por eles, são conceitualmente interessantes, porque quase sempre envolvem uma interação complexa de forças e resistências naturais e sociais. “Desenvolvimento sustentável”, à primeira vista, parece ser um bom exemplo de um oxímoro de palavras contraditórias, mas a Filosofia pode esclarecer melhor a relação entre esses dois termos. A Filosofia prospera e cresce com tais dualismos e dilemmas. A tensão conceitual entre opiniões diferentes é capaz de produzir uma dialética (no sentido usado por Sócrates e Platão) de pensamento entre as pessoas e grupos envolvidos. Desse diálogo intelectual podem surgir maneiras tão criativas de pensar que aparecerão soluções não enxergadas anteriormente.
Por que houve, até agora, distanciamento entre Filosofia e sustentabilidade? Essa falta de atuação pelos filósofos não contribuiu para essa agenda mais utilitarista e técnico-científica?
Vejo dois problemas com a Filosofia no Brasil que vêm dificultando o desenvolvimento de uma Filosofia Ambiental própria. Concordo com o filósofo Amós Nascimento, para quem os filósofos ficaram na retaguarda, atrás das outras profissões praticadas no Brasil. Os juristas, economistas e educadores, por exemplo, já assimilaram o assunto “meio ambiente”, enquanto os filósofos ainda não. Ele sugere que a aparente desvantagem atual dos filósofos seja consequência do fato de a classe ter perdido sua cause celèbre, ou seja, o protesto contra o governo militar. Essa força unificadora acabou com o retorno à democracia em 1985. Quem sabe a questão ambiental não poderia ser, hoje, uma nova liga entre filósofos brasileiros?
O segundo problema é que há preocupação entre alguns filósofos tradicionais em manter o “purismo” da sua profissão. Eles não consideram legítima a aplicação da Filosofia aos assuntos tão “mundanos” como meio ambiente. Pessoalmente, não vejo nada errado em aplicar a Filosofia ao meio ambiente; considero especialmente importante incorporar as considerações éticas da Filosofia clássica. E, historicamente falando, sabemos de muitos exemplos em que ideias inicialmente consideradas “puras” se transformaram, depois, em importantes descobrimentos científicos e até movimentos sociais.
Em resumo, na falta de atuação dos filósofos, acabou preenchendo esse espaço o discurso empresarialou, como você mesma disse, a visão dos utilitaristas e tecnocratas da sustentabilidade.
Agora falando especificamente sobre estética: em 1979, o sr. Publicou um artigo na Revista Brasil Florestal descrevendo como analisar a paisagem brasileira por meio da detecção de linhas, formas e texturas no campo de visão. O sr. Ainda defende essa abordagem estética fundamentada na geometria euclidiana?
Hoje reconheço a influência da geometria euclidiana naquele trabalho. É, de fato, uma geometria muita restritiva quanto à representação dos fenômenos naturais. Acho que acertei em apontar naquele artigo de 1979 a importância do que chamei de “o efeito da vivacidade da paisagem” nos olhos do observador. Mas, agora acredito que a causa da vivacidade não seja tanto a geometria estática do lugar, como é uma expressão visual da dinâmica da sua complexidade. Estou me referindo à Teoria da Complexidade e, especificamente, à ideia da existência de “refletáforas” na paisagem.
O que é “refletáfora”?
O conceito de “refletáfora” vem emprestado da teoria da arte fractal. Segundo J. F. Briggs (Fractals. New York, Touchstone, 1992), existem em grandes obras de arte justaposições de fractais, ou padrões, repetidas em várias escalas. As múltiplas formas e cores autossemelhantes criam tensão entre similaridades e diferenças que estimula a experiência da vivacidade visual. Os fractais que produzem esse efeito visual podem ser chamados de refletáforas: como são autossemelhantes, as suas formas e cores refletem umas as outras. Essa justaposição de padrões nas artes visuais produz uma tensão prazerosa de beleza semelhante ao uso das metáforas nas artes literárias.
Esse fenômeno estético das refletáforas pode ocorrer na natureza?
Sim, o efeito estético da refletáfora pode ocorrer em paisagens naturais. Fico admirado, por exemplo, ao ver a quantidade de fractais bonitos nas imagens de satélite do Quadrilátero Ferrífero mineiro, uma região de grande valor paisagístico por causa dos complexos de múltiplos fractais sobrepostos atuando como refletáforas. As formações geológicas, aliadas pela força da gravidade, vêm orientando rios e córregos praticamente no mesmo padrão. As matas ciliares, influenciadas pelas fontes de água tão próximas e necessárias para seu desenvolvimento, acabam repetindo o padrão. O uso tradicional da terra – inclusive a forma de muitas das minas a céu aberto, comuns no Quadrilátero de Minas – complementava a geometria natural da região, embora algumas das obras mais recentes não sejam mais assim. Como afirma Briggs, a tensão refletafórica dessas repetições é tão dinâmica que “ela balança nossa mente em admiração, assombro, perplexidade e com senso de verdade ou beleza inesperadas”.
Admito que, em 1979, quando publiquei o artigo na Revista Brasil Florestal, eu não estava ciente, pelo menos analiticamente, da arte fractal. Hoje, devemos aprofundar tanto na geometria da complexidade quanto na geometria euclidiana quando formos avaliar o recurso paisagístico.
Em suas palestras, o sr. Frequentemente usa as gravuras do artista holandês M. C. Escher para ilustrar suas ideias sobre Filosofia Ambiental. Por quê?
Nas obras do M. C. Escher, enxergo a mesma vivacidade visual que descrevi anteriormente como a arte fractal em paisagens. Em especial, aprecio, artística e filosoficamente, os chamados “fenômenos emergentes” nas suas gravuras de paisagens do uso da terra (por exemplo, Dia e noite, de 1938) e de revoadas de animais silvestres (Verbum, 1942; Libertação, 1955). Em minha opinião, as obras de Escher revelam o que alguns filósofos contemporâneos têm chamado de “o terceiro incluído”, um conceito nitidamente não aristotélico e, certamente, mais dinâmico que a geometria euclidiana.
Escher tipicamente começa com objetos representados num tom neutro de cinza. Seguindo trajetórias diferentes, desenhadas por Escher, no espaço bidimensional da gravura, esses objetos também se tornam diferenciados. Tipicamente evoluem ora para o preto, ora para o branco.
Se fôssemos discípulos da lógica clássica de Aristóteles, poderíamos rotular os objetos pretos sendo da identidade “A” é “A”. Na mesma lógica, os objetos brancos poderiam ser chamados de “Não A” (não preto). Desse modo, se Escher tivesse parado aí na confecção da gravura, a obra poderia expressar perfeitamente o axioma aristotélico da não contradição: “A” (preto) não é “Não A” (branco). Ou seja, não existiria nenhum terceiro termo que fosse, ao mesmo tempo, “A” e “Não A”.
Mas o preto acaba interagindo em sinergia com o branco, criando sinergia entre aves, peixes, répteis, campos agrícolas e outros objetos. Às vezes, há tanta interação entre as partes das suas obras de tal ponto que não existe clara distinção entre figura e fundo.
Muitas das gravuras de Escher retratam evoluções de co-dependência e integrativas desse modo cíclico, criando assim novos fenômenos relacionais e emergentes. Em Dia e noite, por exemplo, no lado esquerdo fundem-se as silhuetas de aves de tal maneira que formam céu e paisagem de dia, enquanto no lado direito formam céu e paisagem de noite. Diferente da lógica aristotélica, essa obra parece seguir o que pode ser chamado de “o terceiro incluído”. É a lógica da contradição e da complementaridade.
Além do seu aspecto estético, qual é a mensagem das obras de Escher sobre conservação da natureza e proteção ambiental?
Para mim, a arte de M. C. Escher é muito relacionada à busca pela estabilidade. Muitos ecólogos (veja páginas 355 e 356 do livro de E. P. Odum e G. W. Barrett, Fundamentos de Ecologia, São Paulo, Cengage Learning, 2008) concordam que o conceito da auto-organização é a chave principal do desenvolvimento de um ecossistema. As evidências da auto-organização são frequentemente encontradas na natureza. Indo do caos para a ordem, é o funcionamento das múltiplas partes em sinergia que resulta na determinação de uma estabilidade dinâmica. Esse fenômeno, por causa da sinergia envolvida entre as partes, também pode ser chamado de “emergência”.
É fundamental para um gestor ambiental em busca da estabilidade entender e aprofundar seus conhecimentos sobre emergência.
O sr. Tem encontrado algum modelo conceitual capaz de integrar todas as ideias discutidas até agora nesta entrevista?
Nos últimos 10 anos, eu estava muito convicto quanto à utilidade do modelo do pensamento sistêmico aplicado às questões ambientais. Continuo acreditando ser possível modelar a maioria dos fenômenos naturais e sociais por meio de círculos de causalidade de reforço e balanceamento. Procuro capacitar todos os meus estudantes de Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental para que possam diagnosticar qualquer problema ambiental dessa maneira.
Mas, agora, vejo algumas limitações do pensamento sistêmico. O principal é que esse modelo é muito bom para descrever situações de entropia, porém algo restrito para modelar fenômenos emergentes. Na hora de lidar com questões de síntese, muitas situações acabam sendo interpretadas em volteios de entropia e desgaste. As suas descrições sobre deterioração sistêmica – fundamentadas na chamada “economia de retornos decrescentes” – podem nos levar ao pessimismo.
Recentemente, encontrei o modelo “panarquia” descrito por L. H. Gunderson e C. S. Holling (Panarchy, Washington DC, Island Press, 2002), que oferece opção de diagnóstico mais positivo por meio do seu conceito teórico de ciclos adaptativos. Para Gunderson e Holling, a ecologia tradicional tem ignorado um ciclo maior quando concentra seus esforços em estudar apenas as etapas da sucessão ecológica de rápido crescimento e posterior conservação. O que recebe atenção, normalmente, é a transição de espécies pioneiras para um estágio ecossistêmico mais conservador, em que espécies mais duradouras acumulam energia e material. Para esses criadores do modelo panárquico, de igual importância são as fases ecossistêmicas de liberação e reorganização. Portanto, o modelo panárquico ciclo de adaptabilidade é diagramado como uma figura na forma de 8 deitado consistindo de quatro segmentos em movimento praticamente perpétuo: crescimento, conservação, liberação e reorganização. Por sinal, a figura na forma de 8 deles assemelha às gravuras Cisnes (1956) e Laço de Moebius II (1963), de Escher.
Então, o sr. está trocando o pensamento sistêmico pelo modelo da panarquia?
Em vez de substituir por inteiro o pensamento sistêmico, a abordagem “panárquica” pode perfeitamente complementá-lo. O modelo “panarquia” faz essa complementação, reconhecendo conceitualmente que um processo contínuo de retroalimentação, ocorrendo em múltiplas escalas, é típico de situações problemáticas que em geral são sociais, naturais ou uma combinação do social e do natural. Em cada escala, o padrão de comportamento em todos os níveis é idêntico ou muito semelhante, mesmo sendo em magnitudes diferentes.
Existe alguma consideração estética no modelo “panarquia”?
Acho que sim, e de maneira surpreendente. Veja o seguinte: Gunderson e Holling observaram que as transformações em sistemas naturais e humanos acontecem numa entrelaçada de sistemas pequenos, médios e grandes (há interconexões entre os diversos níveis); e embora existam ricas variações, a dinâmica encontrada em cada escala de ocorrência costuma assemelhar-se ao mesmo padrão das quatro fases de crescimento, conservação, liberação e reorganização. Em outras palavras, as dinâmicas encontradas em cada escala são autossemelhantes.
Não lhe parecem familiares essas colocações deles sobre autossemelhança, interconexões entre diversos níveis e repetições de padrão entre várias escalas? É território já conhecido porque estamos, mais uma vez, lidando com refletáforas e com a arte fractal!
Assim é Filosofia, uma série de volteios de pensamento que acabam nos fazendo refletir sobre nossas próprias reflexões anteriores! Na verdade, você e eu, ao longo desta entrevista, criamos espontaneamente uma série de refletáforas de pensamento. Acho isso bonito.