De sustentável, a construção tem apenas o sonho. O que está ao alcance da mão, por enquanto, são maneiras de reduzir os impactos socioambientais de uma obra
A ideia de morar em uma casa sustentável é encantadora. Mas, antes de usar e abusar da expressão “sustentável”, vale saber: o que é uma moradia verde e quão próxima ela está da realidade?
Sustentabilidade implica viver de maneira permanente em equilíbrio com os recursos gerados pelo planeta. Mas, na área de construção civil, os edifícios e as casas estão sempre destruindo o ambiente natural para criar o urbano, e nossas cidades ainda estão em crescimento. “Por isso, ainda estamos longe da sustentabilidade – podemos fazer coisas mais sustentáveis, mas não uma construção sustentável”, afirma o engenheiro Vanderley John, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e membro do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS).
Partilha da mesma opinião o engenheiro Airton Dudzevich, especialista em materiais sustentáveis e sócio-diretor da SuperGreen, empresa que comercializa produtos, sistemas e soluções em eficiência de água e energia. Segundo ele, uma casa com impacto zero seria uma caverna, lugar onde nada foi criado, só aproveitado. “Mas, quando construímos algo em um terreno, é uma ação que modifica a natureza, então conseguimos uma moradia sustentável desde que façamos ações compensatórias.”
Como tudo o que fazemos deixa uma pegada ecológica, e uma ação só pode ser considerada sustentável de fato se a natureza conseguir “apagar” essa pegada, o que está ao nosso alcance neste momento é buscar formas de reduzir impactos.
Na visão da arquiteta Eloise Amado, membro do Comitê de Projetos do CBCS, a sustentabilidade em construções significa, sobretudo, um investimento que dá ao usuário um retorno garantido de redução dos impactos sociais e no meio ambiente e de economia de dinheiro a médio e longo prazo.
Mesmo assim, esse é um entendimento em geral pouco claro na sociedade. Para se ter ideia, “muitas pessoas já me perguntaram se um telhado verde – superfície vegetal que diminui a temperatura dentro da construção e contribui para absorver a água da chuva – é o mesmo que pintar o telhado de verde”, conta Eloise.
Para John, apesar de a sustentabilidade ser uma meta ainda inatingível, uma pessoa decidida a fazer uma casa que impacte menos outras pessoas e o meio ambiente já encontra uma série de materiais à disposição no mercado brasileiro.
E, antes que pense em construir, há uma solução ainda menos impactante: uma nova obra causa muito mais impactos do que a utilização de um imóvel existente. Por isso, John defende que uma boa reforma é a maneira mais simples, fácil e barata de ter uma casa “verde”. “Em um edifício construído, os principais elementos que causam impacto são o uso de água e energia e o descarte de esgoto e resíduos. Então as soluções precisam ser pensadas em torno desses quatro elementos”, observa.
Como se orientar
Por conta da quantidade de detalhes envolvidos e do desconhecimento técnico do morador, Dudzevich afirma que é ideal contratar profissionais – arquitetos, designers, engenheiros – especializados e familiarizados com construções “verdes” e que possam orientar o cliente desde o projeto no papel – ou da ideia da reforma. “Mas, se não existe a possibilidade de contar com esse apoio profissional, a internet é a melhor ferramenta para chegar às empresas que vendem produtos e tecnologias sustentáveis, e que também vão guiar o consumidor”, aponta.
O CBCS, por exemplo, criou uma ferramenta on-line gratuita que permite a verificação da existência legal do fornecedor (por meio de seu CNPJ), se ele cumpre a legislação ambiental, se os produtos fornecidos obedecem às normas técnicas (e se são, consequentemente, de boa qualidade), se ele possui um perfil confiável de responsabilidade socioambiental, se ele faz o greenwashing (“maquiagem verde”), e ainda ensina a analisar a durabilidade do produto escolhido para o projeto (acesse a ferramenta aqui).
Outra opção é o Selo Sustentax, que analisa produtos, materiais, equipamentos e serviços (inscritos no selo) do ponto de vista da sustentabilidade. Da mesma forma, a Caixa Econômica Federal promete lançar em julho um manual impresso gratuito ao público, voltado para a realidade brasileira, que orienta, de maneira simples e detalhada, para que o consumidor consiga avaliar e minimizar o impacto de sua residência e maximizar os benefícios sociais de quem trabalha na obra.
Coordenado pelo professor John, o guia reúne 53 ideias que abrangem diversas etapas do projeto, desde a escolha do terreno até a seleção de materiais e fornecedores. No fim do processo, se o imóvel for financiado pelo banco, ainda ganha gratuitamente o Selo Casa Azul.
A arquiteta Eloise, do CBCS, sugere que o consumidor se oriente pelos selos e certificações, ainda que não tenha interesse em adquirir o título. “É uma informação fácil e disponível, e a pessoa pode usar os critérios que lhe interessarem como checklist para seus próprios projetos”, constata. Ela sugere o selo americano Leed e o francês Aqua (mais abaixo). John observa que algumas certificações bem conhecidas e respeitadas podem também guiar o consumidor na hora da compra, como o selo Forest Stewardship Council (FSC) para produtos de madeira. “Mas temos que ter cuidado, porque tem uma quantidade enorme de selos no mercado que a gente não sabe o que eles significam”, alerta.
O engenheiro aponta, no entanto, que, por existirem milhares de materiais dentro de uma casa, ele observa certa dificuldade dos moradores em conseguir reunir toda a informação sobre cada produto e fornecedor e identificar, em um “mar de ofertas”, quais são os mais indicados para seu projeto.
Por isso, Dudzevich recomenda três passos para identificar o material mais alinhado com a sustentabilidade: observar a eficiência e os resultados oferecidos; a relação entre custo e benefício; e a distância para acessá-lo. Quanto menor, melhor, pois são emitidos menos gases de efeito estufa no transporte. “Hoje, muitos produtos ainda vêm da China, porque não há alternativa nacional”, explica.
David Douek, arquiteto e consultor especializado em Green Building, membro do CBCS e do Instituto Ethos, complementa: “É preciso considerar o impacto no entorno, o consumo de energia, de água, os materiais utilizados, a responsabilidade social e ambiental e o conforto do usuário. Um exemplo de como fazer a escolha mais responsável é por meio da análise do ciclo de vida dos materiais, que permite, entre outras questões, comparar o consumo de energia ou a emissão de gases de efeito estufa. Dessa forma, é possível decidir entre um tipo ou outro de alvenaria”. Mas esta é uma informação pouco disponível ao consumidor, que precisa de orientação de um especialista.
John acrescenta, ainda, que, além de todos esses aspectos, um material só pode ser considerado sustentável se for produzido na economia formal, respeitando a legislação trabalhista, ambiental e fiscal. Débora Costa, especializada em habitação de interesse social e uma das arquitetas da Usina Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado, exemplifica que o tijolo de adobe é considerado sustentável por ter um baixo acúmulo de energia na sua produção, mas que o processo de fabricação exige esforço e tempo humanos que inviabiliza sua utilização em larga escala.
“Para uma família fazer sua própria casa com um tijolo de adobe é um sacrifício absurdo e ninguém calcula esse custo”, argumenta.
Para Débora, o fato de o conceito de sustentabilidade ter se desenvolvido primeiro na Europa deu ênfase a questões latentes do Velho Continente, como a escassez de recursos naturais. No Brasil, ela defende, o foco deve ser o social – sem perder de vista o ambiental. “Uma construção sustentável começa no canteiro de obras, em termos de segurança, do cumprimento da legislação trabalhista, boas condições adequadas de trabalho, e formação dos operários”, afirma.
Exemplo dessas práticas é a ONG Mestres da Obra, que realiza atividades socioculturais nos canteiros de obra com a missão de fortalecer o desenvolvimento humano do operário. O projeto, que começou aproveitando resíduos das construções para oficinas de artes plásticas com os trabalhadores, hoje promove o teatro, cinema, artes plásticas e fotografia, tudo com enfoque em educação ambiental.
“A construção civil ainda está muito atrás na questão do investimento social, na questão do ser humano. Existe muito foco na questão ambiental, até por conta dos programas e selos de qualidade que essas construtoras precisam ter para receber financiamento de alguns bancos”, observa o arquiteto Arthur Pugliese, idealizador e um dos coordenadores da organização.
Medidas simples
De volta à busca pela edificação de residências mais sustentáveis, Débora alega que essas construções em geral não parecem “verdes” a olho nu, mas que com simples decisões tomadas ainda no projeto, como posição em relação ao Sol [1], podem ser muito eficientes, e por isso são acessíveis até para moradias populares.
[1] Um projeto benfeito explora a iluminação natural e, assim, economiza luz elétrica. Mas não pode receber muita luz direta para não esquentar a casa e levar ao uso de ventiladores e ar-condicionado.
O professor John concorda e acrescenta que, embora muitos especialistas digam que as tecnologias sustentáveis são pouco acessíveis, na verdade elas podem ser encontradas em qualquer loja de material de construção do País. “É só saber procurar. O mais importante hoje é saber selecionar o fornecedor e o produto adequado para a função específica no projeto. Muitas vezes materiais comuns reduzem o impacto ambiental significativamente se bem empregados”, ensina. “Talvez um dos maiores problemas é que a maioria das medidas sustentáveis em uma casa é de difícil percepção. Existem dois tipos de cimento, por exemplo, que são visivelmente iguais, mas um emite 250 quilos de CO2 por tonelada na sua produção e outro, 800.”
Além dos itens tradicionais, existe cada vez mais no mercado opções de produtos acessíveis ao bolso e facilmente encontrados – em geral, são sistemas de eficiência de água e energia, como chuveiros econômicos, vasos sanitários com ciclo de descargas diferentes, sistemas de aproveitamento de água de chuva e de aquecimento de água por energia solar e torneiras econômicas.
Claro que, quanto mais crescer a demanda, menor será o preço. “Hoje, muitos produtos são caros porque são importados ou têm pouca procura. Estou nesse ramo há dez anos e estimo que, em mais uns cinco anos, se continuarmos na tendência atual, teremos uma gama de produtos muito grande e todos terão de baixar seus preços para competir no mercado”, analisa Airton Dudzevich.
Os especialistas avaliam que o Brasil está na rota certa rumo a um mercado mais maduro, com mais oferta de materiais, equipamentos e serviços para as construções “verdes”. Segundo John, já podemos encontrar os produtos no País, mas ainda estamos num processo de criação de cultura e adaptação do conceito de sustentabilidade à realidade brasileira. Para Dudzevich, o interesse e a consciência cada vez maiores do consumidor tendem a pressionar o crescimento do mercado e a especialização dos profissionais. “É como uma rede, vai se espalhando, um vai contando para o outro o que funciona e que o investimento se recupera”, diz.
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A polêmica dos selos green building
Na área de edifícios comerciais, o tema da certificação aquece discussões. De um lado, os que defendem as certificações como estímulo a práticas sustentáveis e como boas diretrizes para as obras. De outro, os que acreditam que os selos internacionais são adaptações que não cabem na realidade brasileira e muitas vezes engessam o projeto ao estabelecer soluções rígidas que, talvez, não façam sentido para o projeto específico – mas que são obedecidas por “dar mais pontos”.
Hoje existem diversos selos, entre os quais os mais novos buscam se adaptar à realidade brasileira. Mas o Leed foi o primeiro a chegar ao Brasil, é ainda o mais usado e reconhecido, e não permite adaptações. “O Leed, por exemplo, estabelece o uso de carpetes e não fala sobre legislação trabalhista, porque essas coisas fazem parte da cultura norte-americana. Aqui, no Brasil, não faz sentido”, explica Eloise Amado, arquiteta membro do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS).