A ferramenta do ecotributo
Na Europa, ela incentiva a indústria de energia limpa. No Brasil, debate é incipiente
Diante das evidências da gravidade das mudanças climáticas, a indústria, os setores de energia e de transportes e a agricultura enfrentam em todo o mundo o desafio de transformar-se. No Brasil não é diferente: aprovada a Política Nacional de Mudanças Climáticas [1], o País tem diante de si compromissos formais de redução de emissões de gases de efeito estufa até 2020. Para garantir o cumprimento das metas, um dos instrumentos que os tomadores de decisão certamente terão de lançar mão é a chamada tributação verde.
[1] Aprovada como lei federal em dezembro de 2009, estabelece meta de 36% a 38% de redução de emissões sobre a trajetória de crescimento até 2020.
Impostos com funções ambientais têm sido utilizados há anos em diversos países da Europa e também no Brasil. Estudiosos do direito tributário explicam a prática como uma política de “extrafiscalidade” [2], por meio da qual o tributo deixa de ter uma função meramente arrecadatória e passa a incentivar ou inibir certas atividades econômicas de acordo com parâmetros sociais e ambientais. “Metas ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa somente serão atingidas se as políticas públicas propostas para energia, transporte, proteção florestal, reciclagem etc. forem acompanhadas de vigorosa política tributária indutora de comportamento ambientalmente desejado e inibidora de comportamento poluidor”, escreveu, em artigo recente, James Marins, professor da PUC-PR e especialista em ecotributos.
[2] Um dos exemplos mais conhecidos da função extrafiscal é o alto imposto cobrado sobre o cigarro. Lida-se com um problema de saúde pública sobretaxando o produto.
Um estudo do Centro de Economia Sustentável, de Washington, mostra que, na Europa, reformas tributárias foram implementadas em diversos países ao longo da década de 1990 sobretaxando as emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes como o dióxido de enxofre (mais aqui). Os resultados revelam que houve crescimento significativo de uma indústria de energia alternativa em países escandinavos e na Alemanha, algo que também contribuiu para aumentar a própria arrecadação. Em simulações, os autores mostraram que, na maioria dos casos, as taxas ambientais acabam gerando mais emprego e até maior crescimento econômico.
No Brasil, os impostos verdes têm sido usados de forma isolada, sem uma estrutura tributária geral que incorpore o conceito. “A discussão no momento toca em coisas absolutamente tópicas, mas o que falta é a regulamentação do artigo 170 da Constituição, que trata dos princípios da ordem econômica e da obrigatoriedade de tratamentos diferenciados de serviços e produtos”, avalia o ambientalista Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, que há anos estuda o tema.
Ele pondera que, quando se trata de emissões de carbono ou consumo de energia, apertar apenas um setor e relaxar outros pode criar um “vazamento”. Por exemplo, é possível reprimir as emissões de combustíveis fósseis, mas ao mesmo tempo facilitar o crescimento das emissões pelo consumo geral de veículos. Outra questão é o equilíbrio fiscal da economia. Iniciativas só serão viáveis se mantiverem a arrecadação em patamares sustentáveis para a atividade pública.
Até o momento, o setor de transportes é o principal laboratório para políticas de tributação ambiental no Brasil, uma vez que existem taxas ou benefícios sobre combustíveis e veículos. Muitos acadêmicos consideram a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) um dos primeiros tributos de natureza ambiental introduzidos no País, pois a lei que a criou (n.º 10.336/01) prevê alíquotas conforme o potencial poluidor de cada um dos combustíveis.
Por outro lado, ao longo dos anos, diversos incentivos tributários foram concedidos ao setor automobilístico, o que gerou um salto no consumo de veículos, aumentando o peso do setor de transportes nas emissões brasileiras – que dobraram entre 1995 e 2005 (mais aqui). A recente isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos, vigente entre fins de 2008 e março passado, foi responsável pelo nível histórico de vendas no setor – 3,2 milhões de unidades em 2009, um crescimento de 11% em relação ao ano anterior. Como as condições eram ainda melhores para carros flex e movidos somente a álcool, 88% do total das vendas foi de veículos nessas categorias.
A indústria brasileira tem-se envolvido há alguns anos na discussão do tema, mas, no momento, seus representantes a consideram estagnada. “Nada está acontecendo”, diz Grace Dalla Pria, gerente de meio ambiente da Confederação Nacional da Indústria. Longe de discutir uma reforma tributária ambiental, o Ministério da Fazenda considerou fazer pacotes de incentivo a setores menos poluidores. Em 2006, pouco antes do lançamento de um conjunto de benesses, o plano foi abortado por objeções da Receita Federal.
Quanto custa um projeto de carbono?
Em fevereiro, a FAO lançou um documento de apoio para projetos de carbono de pequena escala para apoiar sua utilização em comunidades rurais. Os custos são altos e o processo complexo, mas o valor pago atualmente (de US$ 4 a US$ 4,5/t) pode contribuir muito para o desenvolvimento dessas comunidades. O documento recomenda projetos para o mercado voluntário, mais fáceis que o MDL.
Os custos variam conforme a modalidade e as características do projeto – incluindo variáveis como clima local, tipo de solo, culturas agrícolas e espécies utilizadas. Os projetos para a Bolsa de Chicago têm os custos mais baixos e não exigem validação e verificação inicial. As taxas de registro também variam. Baixe o documento aqui.
Entrevista: Glenn Hurowitz
Restauração ambiental: eficaz na geração de empregos
Reflorestamento, recuperação de áreas degradadas e de cursos de água geram mais empregos que atividades convencionais. Esse é um dos motivos pelos quais os governos deveriam ver a economia da restauração como um setor que merece investimentos e subsídios. Glenn Hurowitz, diretor do programa de florestas do Center for International Policy, dos Estados Unidos, falou sobre o tema à Página22:
Por que a economia da restauração é tão eficaz na criação de empregos? Porque a natureza providencia o capital necessário para a atividade. Além disso, sempre haverá demanda por produtos florestais, e para supri-la é melhor investir em projetos de reflorestamento. Na Indonésia, os sindicatos de trabalhadores hoje lutam para que qualquer atividade madeireira seja feita em áreas reflorestadas. Idealmente você não quer derrubar áreas reflorestadas, mas é melhor fazer isso nelas do que em áreas nativas.
O papel da restauração pode ir além da mitigação e adaptação às mudanças climáticas? A melhor coisa das florestas é que elas oferecem múltiplos benefícios, não somente para o clima. Elas garantem diversidade biológica, água limpa, ar limpo. Mas podemos ver além e medir muito bem seus benefícios econômicos em termos de empregos gerados. As atividades de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas criam 74% mais empregos do que qualquer outra atividade econômica nos EUA. Se pesquisarmos globalmente, vamos encontrar resultados semelhantes.
Por que a restauração não é percebida como um setor econômico? Os governos ainda não percebem o valor da natureza – água e biodiversidade são consideradas recursos exploráveis sem custos. Não é difícil ver os benefícios econômicos da natureza e da restauração. Se você for a um parque, verá guardasparque trabalhando; em um projeto de recuperação, há operadores de máquinas; numa área de reflorestamento, há pessoas plantando. Se os governos abrirem os olhos, verão claramente.
A questão é mais política do que econômica? Sim. E de educação também. Todos os anos temos uma conferência nacional sobre empregos verdes que sempre aborda os setores de energia e transportes e deixa de ver os empregos criados por atividades ligadas à terra ou à água. Talvez porque muitas pessoas ocupadas em proteger e restaurar ambientes naturais estão mais preocupadas com os benefícios ecológicos. Podemos ajudá-las a ver os benefícios econômicos do que estão fazendo.
Como engendrar um ambiente político mais favorável para o crescimento da restauração? Um passo é a criação de subsídios econômicos para gerar empregos nesse setor. Na crise financeira, o governo dos EUA criou um pacote de estímulos centrado em energia, transportes e educação, e destinou pouco dinheiro para reflorestamento e recuperação de áreas úmidas, que oferecem níveis altos de geração de emprego por dólar investido. Acho que essa é a realidade no mundo todo, porque as pessoas não se deram conta dos benefícios da economia verde.