De manifestações pontuais até a consolidação do Partido Verde, quem era e como agia a turma que primeiro juntou causa ambiental com política no Brasil
Uma multidão aglomerou-se em frente à Faculdade de Direito, numa manhã de fevereiro de 1975, na Avenida João Pessoa, em Porto Alegre. Funcionários da Secretaria Municipal de Obras estavam prontos para cortar dezenas de árvores para a construção de um viaduto. Um estudante de engenharia elétrica subiu em uma tipuana para impedir o trabalho das motosserras. O protesto terminou na delegacia, mas a foto de Carlos Alberto Dayrell em cima da árvore foi parar nas capas dos jornais no dia seguinte. O Caso Dayrell é considerado um marco do movimento ecopolítico no Brasil.
Em plena ditadura, impedir o corte de árvore era ameaça à segurança pública, mesmo que um corte dispensável, como era aquele. Tirando a ditadura, dá uma nostalgia do não vivido. Uma galera jovem, bacana, intelectualizada, ligada em natureza e trabalhando juntos, sem baias. A rede social das primeiras manifestações que uniram preservação ambiental e política se configurava em abraços na praia, caminhadas em Angra dos Reis, sonhos com liberdade, natureza, justiça, ar puro e paz. Uma turma do bem à qual dá vontade de ter pertencido naqueles idos.
Sim, os primeiros verdes eram tachados de românticos, bem “no clima” da descrição acima; ecochatos foi outra forma de se referir a eles já na década de 80. As pessoas envolvidas com o ambientalismo naquela época eram de uma classe média intelectualizada e falavam a esta mesma classe – o que não mudou tanto.
As manifestações eram pontuais e centradas em questões como as usinas nucleares de Angra dos Reis, a poluição em Cubatão, Amazônia, Pantanal, a caça às baleias.
Muitos chegavam de temporadas – forçadas ou não – no exterior, onde o debate estava mais avançado, impregnados de ideias e desejos de ver a prática na terra natal. A grande maioria vinha do movimento estudantil. Foi assim com Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis, jornalistas, voltando do exílio, cheios de energia para erguer o movimento verde no Brasil.
Mobilização civil
A jornalista Sandra Sinicco viveu a época das Brigadas Vermelhas [1], quando fazia estágios em jornalismo na Europa. Acompanhou movimentos radicais como o do grupo italiano e toda uma efervescência dos jovens em busca de novas formas de vida e política. De volta ao Brasil, em 1981, Sandra criou uma associação de bairro no sistema de autogestão inspirada na organização comunitária e valorização do verde. “Conseguimos contratar jardineiros, colocar lombadas na rua, conversar entre nós”, conta Sandra, que hoje cuida de projetos editoriais ligados à sustentabilidade, como a agência Ecopress.
[1] Organização guerrilheira comunista italiana surgida em 1970, formada por universitários e integrantes do movimento operário. De pequenos atentados, o grupo chegou ao extremo de sequestrar e matar o ex-primeiro ministro Aldo Moro em 1978, o que marcou o declínio da organização.
O advogado da associação era o jovem Fabio Feldmann, com quem Sandra fundou, um pouco mais tarde, a Oikos, uma das primeiras e mais combativas ONGs ambientalistas do Brasil. Feldmann, hoje candidato ao governo de São Paulo pelo PV, é essencial nesse pequeno álbum da família verde no Brasil. Iniciou seu envolvimento com a causa ainda na década de 70 em protestos contra a instalação de um aeroporto em São Paulo, e depois lutou contra a poluição em Cubatão, na Baixada Santista. Nesse percurso inicial, também se encontrou com Marco Antonio Mróz, que vinha do movimento estudantil, mas percebera que as conexões propostas pelos verdes eram maiores do que a esquerda propunha naquele momento. Feldmann atuou como protagonista em uma série de ONGs brasileiras que pavimentaram um caminho para a discussão da sustentabilidade como é entendida hoje e mesmo para a formação do Partido Verde.
Mas como foi falar desse assunto quando meio ambiente ainda era um tema de pouca credibilidade? “Nos anos 80, éramos ‘inimigos do desenvolvimento’, ‘românticos’ aos olhos da comunidade empresarial, da mídia e dos políticos tradicionais. A esquerda era feroz: ‘Meio ambiente é coisa de país rico. Aqui temos que resolver a fome e a miséria primeiro, para depois cuidar dessas frescuras e perfumaria’”, conta Alfredo Sirkis, um dos fundadores do PV.
O confronto com a esquerda começou a mudar a partir da campanha de Gabeira para o governo do estado do Rio, em 1986, quando os verdes se uniram aos vermelhos, numa coligação PT/PV em que temas como drogas, legalização do aborto e casamento gay, pela primeira vez, eram debatidos com a sociedade. É bom lembrar que o debate para criar ou não um Partido Verde foi longo e caloroso. Alguns não acreditavam que a instância partidária era o melhor caminho. Finalmente, no início de 1986, um grupo liderado por Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis, Herbert Daniel, Carlos Minc, o maestro John Neschling, o engenheiro Guido Gelli e a atriz Lucélia Santos decidiu tomar a frente e organizar o partido. (Gabeira, Sirkis e Minc são, respectivamente, candidatos a governador, a deputado federal e a deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PV).
Corrente humana
A campanha de Gabeira naquele ano teve dois momentos marcantes: a passeata “Fala, Mulher”, que reuniu cerca de 80 mil pessoas no Centro do Rio, e o “Abraço à Lagoa”, quando uma corrente humana se formou em torno de poluída Lagoa Rodrigo de Freitas. Gabeira não se elegeu, mas o PV fez seu primeiro deputado estadual, Carlos Minc.
O ano de 1988 foi considerado o melhor para os verdes na política até agora, quando a legenda fez 20 vereadores em diferentes cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Paraíba. No Rio, Sirkis foi o mais votado, com 43 mil votos. O ano de 1988 marcou ainda a expansão do partido para a Região Amazônica, onde ganhou um importante aliado: o líder seringueiro Chico Mendes. Para completar, Feldmann, como deputado, foi o representante da causa verde na Constituinte de 1988 e responsável pelo capítulo ambientalista na Constituição.
As manifestações continuavam em causas específicas. Sandra Sinicco lembra-se de ter ido a Brasília protestar contra a liberação da caça às baleias em mares brasileiros, que estava sendo discutida. “Compramos uns plásticos vermelhos para fazer manchas de sangue em cima da cúpula do Congresso, simbolizando a morte das baleias, colocamos pedrinhas, não tinha segurança nenhuma. Daí veio a polícia, mas no final terminou tudo bem e conseguimos revogar o projeto”, lembra a jornalista.
Apesar das resistências encontradas pelos verdes em bancadas conservadoras do Congresso, organizações de direita da sociedade e até da Justiça Eleitoral – que chegou a negar a renovação do registro do PV em 1990 –, a causa se expandia, conquistava novos aliados e ampliava a abrangência de suas propostas.
A conferência Eco 92 teve um grande efeito, sobretudo nas áreas empresarial e de mídia. “As ONGs conquistaram um reconhecimento que não existia antes. Falar de ONG na década de 80 era pouco usual. A esquerda sempre teve preconceito com a questão ambiental, porque tirava atenção do choque entre classes sociais, e isso até hoje é residual em alguns setores da política”, avalia Feldmann.
Para Sirkis, o período pós-Eco 92 foi a oportunidade de implantar uma Secretaria de Meio Ambiente no Rio e tirar do papel sonhos dos verdes, como o projeto dos mutirões de reflorestamento e as ciclovias. Ele conta que, a partir daí, passaram a ter “a dimensão do fazer, não apenas do protestar e denunciar”. “Passamos a enviar uma mensagem socioambiental positiva”, analisa.
Nos gabinetes
Os verdes brasileiros foram muito ativos em 1992, ao mobilizar a população para o impeachment do presidente Fernando Collor, acusado de corrupção. Aquele momento provocou mudanças nas instituições brasileiras que levaram a investigações também no Congresso Nacional.
A descrença em relação aos partidos e instituições constituídas até então teve um efeito positivo para os verdes nas eleições de 1992. Nas eleições municipais, em outubro de 1992, eles elegeram 54 vereadores em diferentes Estados e três prefeitos em três pequenas cidades no estado paulista: Campina do Monte Alegre, Pederneiras e Macatuba. Depois das eleições, os membros do PV foram convidados a assumir secretarias ambientais em cerca de cem municípios, incluindo algumas capitais estaduais, como Rio de Janeiro (Alfredo Sirkis), Salvador (Juca Ferreira) e Natal (Eugenio Cunha).
Outras cidades importantes, como Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e Bauru, em São Paulo, também tiveram secretários do PV. Uma nova geração de executivos municipais surgiu como um interessante desenvolvimento político a partir das eleições de 1992.
O prefeito de Campina do Monte Alegre (SP), Carlos Eduardo Vieira, ganhou destaque na mídia por seu original estilo de administração. Ele aboliu a burocracia municipal e trabalhou apenas com cinco conselheiros do povo, os representantes da população de 7 mil habitantes, que decidiam como gastar o orçamento; e uma cooperativa, que substituía as secretarias. Mas esta foi uma experiência específica para uma pequena comunidade, e não sobreviveu.
Os verdes ganharam espaço crescente nos pleitos seguintes, na mobilização social, nas organizações. A própria natureza, em situação crítica, veio acenar com suas bandeiras. O tema restrito a um pequeno grupo na década de 80, praticamente iniciado em cima de uma árvore, hoje não escapa a qualquer cidadão.
____________________________
De Estocolmo a todas as cidades
A Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo, foi considerada um marco do movimento ambientalista mundial. Ali tomaram corpo as questões e contradições ligadas ao desenvolvimento e ao meio ambiente, e o debate sobre poluição e a conservação dos recursos naturais.
Já o Partido Verde surgiu como instituição política na Tasmânia (Austrália). Um grupo de ecologistas se reuniu pela primeira vez em 1972, com o objetivo de impedir o transbordamento do Lago Pedder. Hoje, o Partido Verde é parte decisiva na política australiana (mais em Análise, desta edição). De lá migrou para a Nova Zelândia e, depois, para a Europa e o restante do mundo. Hoje está constituído em 120 países e é a quarta maior bancada no Parlamento Europeu.
Dos temas primordiais que inspiraram e norteiam a atuação dos verdes, pouca coisa mudou. O ambientalista Aron Belinky (a criança da foto acima, hoje, secretário-executivo do Grupo de Articulação das ONGS brasileiras para a ISO 26000), mostra uma curiosidade: o “credo” da primeira ONG a que foi filiado, a National WildLife, em 1973, traz um texto incrivelmente atual que permeia temas como cidadania, cultura de paz e respeito à diversidade.
Assim, ele se pergunta se isso indica que não evoluímos em nada. “Temos avanços significativos, como o reconhecimento da necessidade de ter uma gestão ambiental mais saudável. Mas o nosso modelo de desenvolvimento ainda não incorporou isso, o que permanece como o grande desafio”, diz Aron.
Nos últimos tempos, a ecologia urbana tem ganhado espaço nesse debate, entendendo as cidades como natureza transformada – tema do livro de Alfredo Sirkis, Ecologia Urbana e Poder Local (Editora Tix), que inclui capítulo fundamental sobre a questão climática, além de outros sobre mobilidade, ar, áreas verdes, águas e lixo (mais aqui).[:en]De manifestações pontuais até a consolidação do Partido Verde, quem era e como agia a turma que primeiro juntou causa ambiental com política no Brasil
Uma multidão aglomerou-se em frente à Faculdade de Direito, numa manhã de fevereiro de 1975, na Avenida João Pessoa, em Porto Alegre. Funcionários da Secretaria Municipal de Obras estavam prontos para cortar dezenas de árvores para a construção de um viaduto. Um estudante de engenharia elétrica subiu em uma tipuana para impedir o trabalho das motosserras. O protesto terminou na delegacia, mas a foto de Carlos Alberto Dayrell em cima da árvore foi parar nas capas dos jornais no dia seguinte. O Caso Dayrell é considerado um marco do movimento ecopolítico no Brasil.
Em plena ditadura, impedir o corte de árvore era ameaça à segurança pública, mesmo que um corte dispensável, como era aquele. Tirando a ditadura, dá uma nostalgia do não vivido. Uma galera jovem, bacana, intelectualizada, ligada em natureza e trabalhando juntos, sem baias. A rede social das primeiras manifestações que uniram preservação ambiental e política se configurava em abraços na praia, caminhadas em Angra dos Reis, sonhos com liberdade, natureza, justiça, ar puro e paz. Uma turma do bem à qual dá vontade de ter pertencido naqueles idos.
Sim, os primeiros verdes eram tachados de românticos, bem “no clima” da descrição acima; ecochatos foi outra forma de se referir a eles já na década de 80. As pessoas envolvidas com o ambientalismo naquela época eram de uma classe média intelectualizada e falavam a esta mesma classe – o que não mudou tanto.
As manifestações eram pontuais e centradas em questões como as usinas nucleares de Angra dos Reis, a poluição em Cubatão, Amazônia, Pantanal, a caça às baleias.
Muitos chegavam de temporadas – forçadas ou não – no exterior, onde o debate estava mais avançado, impregnados de ideias e desejos de ver a prática na terra natal. A grande maioria vinha do movimento estudantil. Foi assim com Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis, jornalistas, voltando do exílio, cheios de energia para erguer o movimento verde no Brasil.
Mobilização civil
A jornalista Sandra Sinicco viveu a época das Brigadas Vermelhas [1], quando fazia estágios em jornalismo na Europa. Acompanhou movimentos radicais como o do grupo italiano e toda uma efervescência dos jovens em busca de novas formas de vida e política. De volta ao Brasil, em 1981, Sandra criou uma associação de bairro no sistema de autogestão inspirada na organização comunitária e valorização do verde. “Conseguimos contratar jardineiros, colocar lombadas na rua, conversar entre nós”, conta Sandra, que hoje cuida de projetos editoriais ligados à sustentabilidade, como a agência Ecopress.
[1] Organização guerrilheira comunista italiana surgida em 1970, formada por universitários e integrantes do movimento operário. De pequenos atentados, o grupo chegou ao extremo de sequestrar e matar o ex-primeiro ministro Aldo Moro em 1978, o que marcou o declínio da organização.
O advogado da associação era o jovem Fabio Feldmann, com quem Sandra fundou, um pouco mais tarde, a Oikos, uma das primeiras e mais combativas ONGs ambientalistas do Brasil. Feldmann, hoje candidato ao governo de São Paulo pelo PV, é essencial nesse pequeno álbum da família verde no Brasil. Iniciou seu envolvimento com a causa ainda na década de 70 em protestos contra a instalação de um aeroporto em São Paulo, e depois lutou contra a poluição em Cubatão, na Baixada Santista. Nesse percurso inicial, também se encontrou com Marco Antonio Mróz, que vinha do movimento estudantil, mas percebera que as conexões propostas pelos verdes eram maiores do que a esquerda propunha naquele momento. Feldmann atuou como protagonista em uma série de ONGs brasileiras que pavimentaram um caminho para a discussão da sustentabilidade como é entendida hoje e mesmo para a formação do Partido Verde.
Mas como foi falar desse assunto quando meio ambiente ainda era um tema de pouca credibilidade? “Nos anos 80, éramos ‘inimigos do desenvolvimento’, ‘românticos’ aos olhos da comunidade empresarial, da mídia e dos políticos tradicionais. A esquerda era feroz: ‘Meio ambiente é coisa de país rico. Aqui temos que resolver a fome e a miséria primeiro, para depois cuidar dessas frescuras e perfumaria’”, conta Alfredo Sirkis, um dos fundadores do PV.
O confronto com a esquerda começou a mudar a partir da campanha de Gabeira para o governo do estado do Rio, em 1986, quando os verdes se uniram aos vermelhos, numa coligação PT/PV em que temas como drogas, legalização do aborto e casamento gay, pela primeira vez, eram debatidos com a sociedade. É bom lembrar que o debate para criar ou não um Partido Verde foi longo e caloroso. Alguns não acreditavam que a instância partidária era o melhor caminho. Finalmente, no início de 1986, um grupo liderado por Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis, Herbert Daniel, Carlos Minc, o maestro John Neschling, o engenheiro Guido Gelli e a atriz Lucélia Santos decidiu tomar a frente e organizar o partido. (Gabeira, Sirkis e Minc são, respectivamente, candidatos a governador, a deputado federal e a deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PV).
Corrente humana
A campanha de Gabeira naquele ano teve dois momentos marcantes: a passeata “Fala, Mulher”, que reuniu cerca de 80 mil pessoas no Centro do Rio, e o “Abraço à Lagoa”, quando uma corrente humana se formou em torno de poluída Lagoa Rodrigo de Freitas. Gabeira não se elegeu, mas o PV fez seu primeiro deputado estadual, Carlos Minc.
O ano de 1988 foi considerado o melhor para os verdes na política até agora, quando a legenda fez 20 vereadores em diferentes cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Paraíba. No Rio, Sirkis foi o mais votado, com 43 mil votos. O ano de 1988 marcou ainda a expansão do partido para a Região Amazônica, onde ganhou um importante aliado: o líder seringueiro Chico Mendes. Para completar, Feldmann, como deputado, foi o representante da causa verde na Constituinte de 1988 e responsável pelo capítulo ambientalista na Constituição.
As manifestações continuavam em causas específicas. Sandra Sinicco lembra-se de ter ido a Brasília protestar contra a liberação da caça às baleias em mares brasileiros, que estava sendo discutida. “Compramos uns plásticos vermelhos para fazer manchas de sangue em cima da cúpula do Congresso, simbolizando a morte das baleias, colocamos pedrinhas, não tinha segurança nenhuma. Daí veio a polícia, mas no final terminou tudo bem e conseguimos revogar o projeto”, lembra a jornalista.
Apesar das resistências encontradas pelos verdes em bancadas conservadoras do Congresso, organizações de direita da sociedade e até da Justiça Eleitoral – que chegou a negar a renovação do registro do PV em 1990 –, a causa se expandia, conquistava novos aliados e ampliava a abrangência de suas propostas.
A conferência Eco 92 teve um grande efeito, sobretudo nas áreas empresarial e de mídia. “As ONGs conquistaram um reconhecimento que não existia antes. Falar de ONG na década de 80 era pouco usual. A esquerda sempre teve preconceito com a questão ambiental, porque tirava atenção do choque entre classes sociais, e isso até hoje é residual em alguns setores da política”, avalia Feldmann.
Para Sirkis, o período pós-Eco 92 foi a oportunidade de implantar uma Secretaria de Meio Ambiente no Rio e tirar do papel sonhos dos verdes, como o projeto dos mutirões de reflorestamento e as ciclovias. Ele conta que, a partir daí, passaram a ter “a dimensão do fazer, não apenas do protestar e denunciar”. “Passamos a enviar uma mensagem socioambiental positiva”, analisa.
Nos gabinetes
Os verdes brasileiros foram muito ativos em 1992, ao mobilizar a população para o impeachment do presidente Fernando Collor, acusado de corrupção. Aquele momento provocou mudanças nas instituições brasileiras que levaram a investigações também no Congresso Nacional.
A descrença em relação aos partidos e instituições constituídas até então teve um efeito positivo para os verdes nas eleições de 1992. Nas eleições municipais, em outubro de 1992, eles elegeram 54 vereadores em diferentes Estados e três prefeitos em três pequenas cidades no estado paulista: Campina do Monte Alegre, Pederneiras e Macatuba. Depois das eleições, os membros do PV foram convidados a assumir secretarias ambientais em cerca de cem municípios, incluindo algumas capitais estaduais, como Rio de Janeiro (Alfredo Sirkis), Salvador (Juca Ferreira) e Natal (Eugenio Cunha).
Outras cidades importantes, como Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e Bauru, em São Paulo, também tiveram secretários do PV. Uma nova geração de executivos municipais surgiu como um interessante desenvolvimento político a partir das eleições de 1992.
O prefeito de Campina do Monte Alegre (SP), Carlos Eduardo Vieira, ganhou destaque na mídia por seu original estilo de administração. Ele aboliu a burocracia municipal e trabalhou apenas com cinco conselheiros do povo, os representantes da população de 7 mil habitantes, que decidiam como gastar o orçamento; e uma cooperativa, que substituía as secretarias. Mas esta foi uma experiência específica para uma pequena comunidade, e não sobreviveu.
Os verdes ganharam espaço crescente nos pleitos seguintes, na mobilização social, nas organizações. A própria natureza, em situação crítica, veio acenar com suas bandeiras. O tema restrito a um pequeno grupo na década de 80, praticamente iniciado em cima de uma árvore, hoje não escapa a qualquer cidadão.
____________________________
De Estocolmo a todas as cidades
A Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo, foi considerada um marco do movimento ambientalista mundial. Ali tomaram corpo as questões e contradições ligadas ao desenvolvimento e ao meio ambiente, e o debate sobre poluição e a conservação dos recursos naturais.
Já o Partido Verde surgiu como instituição política na Tasmânia (Austrália). Um grupo de ecologistas se reuniu pela primeira vez em 1972, com o objetivo de impedir o transbordamento do Lago Pedder. Hoje, o Partido Verde é parte decisiva na política australiana (mais em Análise, desta edição). De lá migrou para a Nova Zelândia e, depois, para a Europa e o restante do mundo. Hoje está constituído em 120 países e é a quarta maior bancada no Parlamento Europeu.
Dos temas primordiais que inspiraram e norteiam a atuação dos verdes, pouca coisa mudou. O ambientalista Aron Belinky (a criança da foto acima, hoje, secretário-executivo do Grupo de Articulação das ONGS brasileiras para a ISO 26000), mostra uma curiosidade: o “credo” da primeira ONG a que foi filiado, a National WildLife, em 1973, traz um texto incrivelmente atual que permeia temas como cidadania, cultura de paz e respeito à diversidade.
Assim, ele se pergunta se isso indica que não evoluímos em nada. “Temos avanços significativos, como o reconhecimento da necessidade de ter uma gestão ambiental mais saudável. Mas o nosso modelo de desenvolvimento ainda não incorporou isso, o que permanece como o grande desafio”, diz Aron.
Nos últimos tempos, a ecologia urbana tem ganhado espaço nesse debate, entendendo as cidades como natureza transformada – tema do livro de Alfredo Sirkis, Ecologia Urbana e Poder Local (Editora Tix), que inclui capítulo fundamental sobre a questão climática, além de outros sobre mobilidade, ar, áreas verdes, águas e lixo (mais aqui).