Do Oriente Médio vêm notícias sobre revoluções que se espalham quase que por minuto a países que há tempos não figuravam no noticiário político.
A revolta popular começou na Tunísia, transmitiu-se para o Egito, onde um turbilhão popular para derrubar o governo tem desfecho incerto, e agora caminha para Iêmen, Jordânia, Síria e Arábia Saudita.
Para quem se interessa por sistemas complexos – como as sociedades humanas –, um dos aspectos mais interessantes dos acontecimentos recentes talvez seja a materialização, diante de nossos olhos, do conceito de tipping point, ou limiar.
O conceito foi formulado por pesquisadores de ecossistemas que perceberam a dinâmica não-linear desses sistemas e a impossibilidade de prever seu futuro, explicou o ecólogo Brian Walker em entrevista à Página 22 em 2008. Os sistemas podem alcançar limiares e, ao ultrapassá-los, mudam sua auto-organização e passam a funcionar de maneira diferente. “As coisas podem mudar muito devagar e, quando o sistema chega a um limiar, de repente o comportamento muda”, disse Walker.
No caso da Tunísia, o limiar – ou a gota d’água – foi o caso de um camelô na província de Sidi Bouzid que, cassado e humilhado por uma policial, reagiu. Tentou reclamar, obter seu equipamento de volta, requereu uma audiência com autoridades, tudo em vão.
Seu passo seguinte, incendiar o próprio corpo, mudou a situação política de um país inteiro. Protestos se alastraram de sua província para a capital e, em questão de semanas, derrubaram o presidente e se espalharam a outros países. Hoje a ordem estabelecida em boa parte do mundo islâmico está em xeque – com efeitos importantes para a política externa e os interesses do Estados Unidos e o restante do mundo ocidental. É de se maravilhar.
Oficialmente uma democracia, a Tunísia era presidida desde 1987 por Zine El Abidine Ben Ali, que comandava um regime corrupto e autoritário, com supressão de direitos humanos e de expressão. Até recentemente a mudança parecia distante – Ben Ali venceu eleições, que observadores independentes foram proibidos de acompanhar, em 2009.
Mas eis que um mero camelô chegou ao limite de sua paciência e ajudou o país a cruzar um limiar. O que virá da reorganização da Tunísia e de outros países do Oriente Médio é impossível prever, mas com certeza o mundo não será o mesmo.
Segundo os cientistas, o mundo está a beira de limiares também nos processos que mantêm a Terra um planeta habitável. Em artigo publicado em 2009 na revista Nature, pesquisadores de diversas áreas identificaram sete parâmetros que, se atingirem limiares, podem mudar o modo de funcionamento de sistemas importantes do planeta. Os eventos na Tunísia e em outras partes do Oriente Médio indicam que áreas que parecem imunes à mudança, como o comportamento humano, também têm seus limiares.