A visão mais complexa da realidade trazida pelas questões globais pede, cada vez mais, processos que sejam participativos
Existe hoje uma desilusão com as instituições políticas e uma queda nos níveis de confiança nos processos democráticos. Há quem proponha grandes reformas do sistema democrático, como o sociólogo Anthony Giddens. Ele tem defendido a “democratização da democracia” e a descentralização efetiva do poder em todos os níveis: entre as nações, dentro das nações e no nível subnacional.
Evidência dessa necessidade de mudanças, para Giddens, são as pressões, cada vez mais presentes, por reformas constitucionais, a demanda por mais transparência em assuntos políticos, a exigência de participação por meio de grupos e associações, e a promoção de cultura cívica. A seu ver, uma sociedade mais aberta e democrática não pode ser erigida de cima para baixo, mas deve ser construída a partir da base. Para isso, reforça o papel da sociedade civil na restauração da cultura cívica e na democratização da democracia.
Essa leitura de Giddens encaixa-se com a visão que tem embasado a criação de espaços públicos participativos, como comitês e conselhos de políticas públicas, ou a experiência do orçamento participativo, criados no Brasil a partir da década de 1990, após entrada em vigor da Constituição aprovada pós regime militar.
Esses espaços, que preveem a gestão dos desafios ambientais e sociais, são resultado da descentralização da gestão pública e sua eficácia depende do maior empoderamento da sociedade civil. Nessas iniciativas, a sociedade é convidada a participar da formulação de políticas e de sua implementação, com poder de deliberação (decisão) ou apenas de formular recomendações ao governo (poder consultivo).
Archon Fung, professor da Harvard Kennedy School, estuda iniciativas participativas, das quais reconhece como mérito a capacidade de antecipar preocupações centrais das visões em disputa, de promover educação para participação política, de construir uma visão de solidariedade social e, ainda, de formular críticas e controle público sobre ações de governo. Para ele, esses espaços permitem o aprimoramento da qualidade da participação e da deliberação em áreas significativas da vida pública.
Na prática, a promoção de participação pública em políticas de governo tornou-se um fenômeno comum em diferentes partes do mundo, estimulada principalmente pelos desafios na área ambiental. Exemplo disso é a previsão da participação pública em inúmeras normas, como a Convenção sobre Mudança do Clima, a Declaração do Rio de 1992, a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação, a Participação Pública na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matérias Ambientais (de 1998), a Diretiva Europeia 2003/4/CE e a Lei Brasileira de Acesso à Informação Ambiental.
Os estudiosos da gestão de recursos naturais têm defendido que a participação pública possibilita maior compromisso e implementação das normas. Formuladores de políticas públicas passaram a considerar relevante o papel da comunidade no uso e conservação de recursos naturais. Entre os princípios de desenho de Common Pool Resource Management (CPRM), ou Gerenciamento dos Recursos Comuns, listados pela ganhadora da Prêmio Nobel Elinor Ostrom, consta a participação pública como fator fundamental.
Outro exemplo é a Global Water Partnership (Parceria Global pela Água), que prevê participação como princípio da gestão integrada dos recursos hídricos. Os fóruns da Agenda 21 tornaram-se comuns após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente de 1992 e representam espaços desse tipo.
Para Pedro Roberto Jacobi, professor da USP que coordena pesquisas sobre democracia participativa no Brasil e tem como um dos focos de seus estudos a questão da água, a gestão participativa nas bacias hidrográficas facilita as interações de forma mais transparente e permeável entre os diferentes atores envolvidos (governo, empresas, usuários), o que limita as chances de abuso de poder. Ele salienta que esse tipo de gestão colegiada permite uma negociação de caráter social e técnico, em substituição à concepção tecnocrática [1].
[1] A tecnocracia é um sistema de organização política e social em que predominam os técnicos.
No âmbito do Executivo, existem os conselhos de meio ambiente, cuja composição costuma integrar representantes de entidades ambientalistas, dos trabalhadores, do setor produtivo, de universidades, entre outros. Alguns desses conselhos têm função de regulamentar leis, outros orientam ações do Executivo. Alguns têm poder deliberativo, no que tange ao licenciamento ambiental. Outros exercem papel figurativo. Há também conselhos extremamente ativos, verdadeiras instâncias de negociação social.
As sociedades são hoje mais complexas. Nesse contexto, os processos de participação pública tornam-se uma realidade aparentemente adequada para lidar com situações que envolvem múltiplos atores e interesses.
*Cordenadora adjunta do Gvces e autora de tese de doutorado sobre Democracia Participativa, pela FGV-Eaesp.[:en]A visão mais complexa da realidade trazida pelas questões globais pede, cada vez mais, processos que sejam participativos
Existe hoje uma desilusão com as instituições políticas e uma queda nos níveis de confiança nos processos democráticos. Há quem proponha grandes reformas do sistema democrático, como o sociólogo Anthony Giddens. Ele tem defendido a “democratização da democracia” e a descentralização efetiva do poder em todos os níveis: entre as nações, dentro das nações e no nível subnacional.
Evidência dessa necessidade de mudanças, para Giddens, são as pressões, cada vez mais presentes, por reformas constitucionais, a demanda por mais transparência em assuntos políticos, a exigência de participação por meio de grupos e associações, e a promoção de cultura cívica. A seu ver, uma sociedade mais aberta e democrática não pode ser erigida de cima para baixo, mas deve ser construída a partir da base. Para isso, reforça o papel da sociedade civil na restauração da cultura cívica e na democratização da democracia.
Essa leitura de Giddens encaixa-se com a visão que tem embasado a criação de espaços públicos participativos, como comitês e conselhos de políticas públicas, ou a experiência do orçamento participativo, criados no Brasil a partir da década de 1990, após entrada em vigor da Constituição aprovada pós regime militar.
Esses espaços, que preveem a gestão dos desafios ambientais e sociais, são resultado da descentralização da gestão pública e sua eficácia depende do maior empoderamento da sociedade civil. Nessas iniciativas, a sociedade é convidada a participar da formulação de políticas e de sua implementação, com poder de deliberação (decisão) ou apenas de formular recomendações ao governo (poder consultivo).
Archon Fung, professor da Harvard Kennedy School, estuda iniciativas participativas, das quais reconhece como mérito a capacidade de antecipar preocupações centrais das visões em disputa, de promover educação para participação política, de construir uma visão de solidariedade social e, ainda, de formular críticas e controle público sobre ações de governo. Para ele, esses espaços permitem o aprimoramento da qualidade da participação e da deliberação em áreas significativas da vida pública.
Na prática, a promoção de participação pública em políticas de governo tornou-se um fenômeno comum em diferentes partes do mundo, estimulada principalmente pelos desafios na área ambiental. Exemplo disso é a previsão da participação pública em inúmeras normas, como a Convenção sobre Mudança do Clima, a Declaração do Rio de 1992, a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação, a Participação Pública na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matérias Ambientais (de 1998), a Diretiva Europeia 2003/4/CE e a Lei Brasileira de Acesso à Informação Ambiental.
Os estudiosos da gestão de recursos naturais têm defendido que a participação pública possibilita maior compromisso e implementação das normas. Formuladores de políticas públicas passaram a considerar relevante o papel da comunidade no uso e conservação de recursos naturais. Entre os princípios de desenho de Common Pool Resource Management (CPRM), ou Gerenciamento dos Recursos Comuns, listados pela ganhadora da Prêmio Nobel Elinor Ostrom, consta a participação pública como fator fundamental.
Outro exemplo é a Global Water Partnership (Parceria Global pela Água), que prevê participação como princípio da gestão integrada dos recursos hídricos. Os fóruns da Agenda 21 tornaram-se comuns após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente de 1992 e representam espaços desse tipo.
Para Pedro Roberto Jacobi, professor da USP que coordena pesquisas sobre democracia participativa no Brasil e tem como um dos focos de seus estudos a questão da água, a gestão participativa nas bacias hidrográficas facilita as interações de forma mais transparente e permeável entre os diferentes atores envolvidos (governo, empresas, usuários), o que limita as chances de abuso de poder. Ele salienta que esse tipo de gestão colegiada permite uma negociação de caráter social e técnico, em substituição à concepção tecnocrática [1].
[1] A tecnocracia é um sistema de organização política e social em que predominam os técnicos.
No âmbito do Executivo, existem os conselhos de meio ambiente, cuja composição costuma integrar representantes de entidades ambientalistas, dos trabalhadores, do setor produtivo, de universidades, entre outros. Alguns desses conselhos têm função de regulamentar leis, outros orientam ações do Executivo. Alguns têm poder deliberativo, no que tange ao licenciamento ambiental. Outros exercem papel figurativo. Há também conselhos extremamente ativos, verdadeiras instâncias de negociação social.
As sociedades são hoje mais complexas. Nesse contexto, os processos de participação pública tornam-se uma realidade aparentemente adequada para lidar com situações que envolvem múltiplos atores e interesses.
*Cordenadora adjunta do Gvces e autora de tese de doutorado sobre Democracia Participativa, pela FGV-Eaesp.