Excesso de luz artificial também é poluição, que afeta a saúde humana, a biodiversidade, a pesquisa científica – e o singelo prazer de ver as estrelas
A escuridão – o breu total essencial à observação das estrelas e ao bemestar de humanos e animais – poderá desaparecer de nossas vidas ao longo deste século. Mais de dois terços dos americanos já não conseguem enxergar a Via Láctea.
E, segundo um estudo global promovido pela Universidade de Pádua, na Itália, se a poluição luminosa continuar a se expandir no ritmo atual, em 2025 as estrelas praticamente terão desaparecido do campo de visão nos céus dos EUA – com exceção, talvez, de áreas mais remotas do Havaí e do Alasca.
A Grã-Bretanha corre risco semelhante. No início deste ano, 2 mil britânicos postaram-se ao ar livre no meio da noite, em diversos pontos do país, para ver quantas estrelas de Órion conseguiriam avistar. A constelação tem mais de 80 estrelas de diferentes magnitudes, inclusive as chamadas Três Marias. Apenas 1% dos observadores conseguiu avistar mais de 30 estrelas, enquanto 59% enxergaram menos de 10 astros.
“É como um véu de luz que está sendo colocado sobre o céu noturno”, declarou Bob Mizon, coordenador da Campaign for Dark Skies (CfDS), que promoveu esse exercício de mapeamento celeste. “Muitas crianças nunca verão a glória inimaginável de bilhões de estrelas visíveis brilhando sobre elas.”
Astrônomos foram dos primeiros a acusar o baque. Cientistas do Observatório de Fred Lawrence Whipple, no estado americano do Arizona, não têm conseguido trabalhar por causa da expansão do sistema de iluminação usado para coibir o tráfico de drogas e o fluxo ilegal de imigrantes na fronteira com o México. Eles declararam recentemente ao jornal The New York Times que os holofotes dos helicópteros da polícia estão interferindo no trabalho de seus quatro gigantescos telescópios.
O observatório foi inaugurado, nos anos 60, em uma área escolhida a dedo por ser quase deserta e sem nuvens, ideal para a prática da astronomia. Depois disso, a região viu a expansão de condomínios e shopping centers que tiraram a tranquilidade dos pesquisadores.
A perda do brilho das estrelas é a consequência mais visível da poluição luminosa – mas a lista dos seus impactos é extensa. A começar pela sua capacidade de perturbar a vida animal.
Muitas espécies de hábitos noturnos têm sua vida transtornada pelo excesso de exposição à luz artificial. A luminosidade não permite que elas cacem, que se reproduzam ou se escondam de predadores. Tartarugas que põem seus ovos em praias desertas ficam intimidadas quando a costa está iluminada. Além disso, quando os seus ovos eclodem, os filhotes buscam o oceano iluminado pela Lua. Quando a praia também está iluminada, eles não sabem ao certo para onde ir e acabam morrendo, desnorteados.
Num outro exemplo, insetos atraídos por luminárias de rua são alvo fácil de morcegos e pássaros. Também há estudos que mostram como o excesso de luz artificial muda os hábitos dos gansos da Sibéria, que migram durante o inverno para a Inglaterra. Eles passaram a ganhar peso mais rápido que de costume, o que acelera o seu retorno à Rússia. O problema é que, ao chegar ao seu ponto de origem, não encontram a temperatura ideal para a sua reprodução, o que compromete a conservação da espécie.
Os impactos da poluição luminosa sobre a nossa própria espécie também são conhecidos pela ciência. Estresse, fadiga e ansiedade já foram associados a ambientes excessivamente iluminados. Alguns estudos sugerem, até mesmo, que enfermeiras que trocam o dia pela noite não conseguem manter o seu ritmo normal de produção do hormônio melatonina, e isso poderia ampliar o risco de incidência de câncer de mama. Há dois anos a associação médica dos Estados Unidos anunciou que começaria a trabalhar pela minimização da exposição excessiva à luz.
São impactos relativamente fáceis de minimizar. A poluição luminosa é produto do mau design e da falta de planejamento. Bastaria adotar soluções simples, como a redução da potência das luminárias a céu aberto e o desenvolvimento de modelos que projetassem a luz exclusivamente para baixo, com uma barreira física que evitasse perdas na direção do céu.
Melhorar a iluminação dos espaços públicos é uma das principais bandeiras das poucas organizações não governamentais que trabalham com esse tema. Uma das mais ativas, a International Dark-Sky Association dá seu aval a luminárias de baixo impacto e localidades excepcionalmente escuras. Entre estas, há várias Unidades de Conservação, como o Galloway Forest Park, na Escócia, e a Área de Proteção de Zselic, na Hungria.
Nos Estados Unidos, diversos parques nacionais treinaram guarda-parques para utilizarem telescópios e coordenarem tours com enfoque astronômico. Seus dirigentes perceberam que o céu estrelado é um bem tão ameaçado quanto a águia-careca ou o leão da montanha.