Tempo livre é um dos artigos raros diante de conexões, informações e outros excessos
Na cidade grande, estender uma rede entre uma árvore e outra para tirar um cochilo pode ser considerado um luxo. Mesmo porque, se você pedir uma rede a alguém, é possível que a pessoa lhe indique o ponto mais próximo de conexão à internet. Mais difícil, porém, do que conseguir a rede certa, talvez seja encontrar uma hora para descansar. Afinal, pode olhar na agenda: hoje, mais do que nunca – além das árvores e do cochilo – o tempo livre também tornou-se uma raridade.
Não é apenas pelo tempo que se passa nos caminhos entupidos de automóveis nem pelo excesso de trabalho até as 10 da noite. Faz também toda a diferença a maneira como o volume de informações e a própria busca por estar 24 horas on-line influenciam a humanidade e o seu tempo livre. “Percebi que havia algo errado quando saí para jantar com seis amigos e em determinado momento todos nós substituímos o bate-papo na mesa pela troca de mensagens em nossos smartphones”, diz o designer Marcelo Bohrer, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Mas o despertar para algum tipo de mudança em sua vida ocorreu somente depois de Bohrer ter sentido na própria saúde os impactos do estresse. Assim, em 2006, ele criou o Clube do Nadismo, que já conta com mais de 7 mil sócios no Brasil e em oito países. “Se você quiser identificar um objetivo na prática do nadismo é a melhora da qualidade de vida, mas o verdadeiro objetivo é simplesmente passar um tempo sem fazer nada”, explica o designer.
Para praticar o nadismo, o fundador do clube diz que o ideal é procurar um lugar mais tranquilo e próximo à natureza, como um parque ou uma praça, embora o ambiente urbano não seja um empecilho. Não vale ler, escrever, conversar, checar e-mails nem falar ao telefone. Apenas caminhar e observar ao redor. Como orienta o manifesto nadista, “é algo para ser absolutamente sem utilidade, não produtivo, sem expectativas, sem controle. Simplesmente relaxar e deixar acontecer”. O tempo para isso, inclusive, é bem flexível. O recomendado para que a mente relaxe, no entanto, é reservar à prática pelo menos entre 10 e 15 minutos do dia.
Para quem se assustou, vale destacar que Bohrer tampouco é um líder radical do clube, entendendo que cada um tem o seu ritmo para se adaptar e deixar de realizar as tarefas por certo tempo. O designer observa ainda que a maior dificuldade das pessoas que tentam seguir o nadismo não é nem se permitir parar uns instantes, mas confundir a interrupção das atividades com perda de tempo. Desse modo, a dica é tentar reduzir a sensação de culpa. Daí, aliás, a importância de não fazer absolutamente nada, em vez de se dar o privilégio de seguir com pequenas atribuições. “Ao não fazer nada, você entende que isso também pode ser produtivo”, justifica.
Se ainda está difícil encontrar pretexto para se dar ao luxo de não fazer nada, o Clube do Nadismo organiza também atividades para ajudar as pessoas a quebrarem essa barreira de achar que isso tudo é um tempo jogado fora. Uma vez por mês são realizados encontros em parques para, digamos, uma boa pausa. “Em grupo e com menos inibições, a pessoa se motiva a praticar”, afirma Bohrer. As reuniões costumam durar 45 minutos nos parques.
De acordo com ele, esta época do ano é também uma das melhores para tentar se desligar. A explicação está na corrida para as compras de Natal, quando, com as buscas incessantes das pessoas por preços baixos e sonhos de consumo, os shoppings centers, abertos por períodos mais longos e extensas filas, há sérios picos de estresse na população, em todas as idades.
COOL HUNTERS
A professora Janiene Santos, mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), é também coordenadora do curso de Cool Hunters do Instituto Europeo Di Design (IED). Por meio de técnicas que envolvem a análise de pesquisas, a observação nas ruas e o debate de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento humano, os cool hunters são capazes de identificar diferentes tendências na sociedade.
E, desta vez, não faz parte de qualquer sentimento saudosista. Sem dúvida, a especialista atesta que, diante das transformações tecnológicas e no modo de vida urbano, sim, tem faltado mais tempo livre do que jamais faltou em outras décadas. No fim das contas, acesso rápido, automatização, industrialização e informação não trouxeram a felicidade e a tranquilidade que todos almejavam. Em excesso, esses fatores acabaram criando outras dores de cabeça, sendo a falta de tempo livre uma delas. Evidentemente, isso acaba se refletindo no comportamento e no consumo de diversas pessoas.
“Há vezes em que, inconscientemente, os produtos feitos à mão remetem a um passado romantizado, quando se tinha tempo e energia para confeccionar um belo objeto. Eles hoje se tornam luxo e são mais caros porque se trata de raridades que não estão na linha de montagem das fábricas, mas têm o toque pessoal e o esforço de quem os fez”, exemplifica Janiene.
Segundo a professora, outro hábito que faz referência a uma época menos atribulada e por isso conquista cada vez mais adeptos são as hortas – que na cidade ganham versões compactas com vasos na área de serviço ou na própria janela dos apartamentos, onde se veem pimentinhas, orégano, cebolinha e salsa, entre outros. “O cultivo de hortas é um hábito de nossos avós que, por estar associado ao campo, tem a ver com a vida mais calma e em contato com a natureza, na qual as pessoas colhiam seus próprios alimentos”, analisa. Além do apelo saudável, nessa mesma linha segue o consumo dos produtos orgânicos, livre dos males e do dinamismo da industrialização.
Nessa esfera, cresce ainda entre alguns grupos a valorização da vida mais simples e rústica de outras épocas, quando os objetos eram feitos de modo artesanal e o ser humano tinha tempo de experimentar o mundo de diversas maneiras. Assim, conforme Janiene constata, hoje até o presente do aniversário de casamento muda com maior frequência.
Em determinadas situações, é comum, em vez de ganhar uma joia, a esposa preferir viajar com o marido para uma praia, onde poderá calmamente ver a chuva cair e pisar descalça a areia. “Ainda que o casal fique em um hotel cinco-estrelas, isso é a troca de um símbolo concreto da riqueza e da eternidade por um presente que tem a ver com a experiência rara de colocar a mão na massa”, compara a professora, que também dá aula no curso de Joias e Acessórios do IED.
Nessa mesma linha, ganham pontos hábitos como deixar o carro em casa e ir para o trabalho de bicicleta, e preparar o jantar para os amigos, em vez de ir ao restaurante. “Cozinhar em casa e ter as pessoas de que gostamos ao redor do fogão e da mesa é uma cena que fortalece os laços afetivos”, interpreta Janiene, diante de um mundo povoado de relações superficiais.
Assim, passam a ser bem-vistas também as atividades que envolvem o compartilhamento de informações, como as empresas que desenvolvem produtos com base nas sugestões dos próprios consumidores. “Um hábito que vem ganhando popularidade são os noivos que preferem encomendar a aliança no ateliê de um ourives a comprar os anéis prontos. Mais do que tudo, é uma experiência compartilhada, misturada ao caráter artesanal do produto”, diz.
Janiene destaca, porém, que a sociedade assiste a um emaranhado de tendências, claro. Enquanto há pessoas que convivem com a necessidade de desacelerar de alguma forma, outras nutrem ansiedade sem igual por adquirir as maiores novidades da tecnologia e acelerar o ritmo.
Se você faz parte do primeiro grupo, eis uma boa notícia: nos EUA, já existem hotéis que propõem uma desintoxicação digital. O hóspede guarda seus apetrechos eletrônicos na portaria e fica livre para desfrutar da vida sem conexão, pelo menos até o fim das férias.
SILÊNCIO E ESCURIDÃO
entre uma árvore e outra para tirar um
cochilo pode ser considerado um luxo.
Mesmo porque, se você pedir uma rede
a alguém, é possível que a pessoa lhe indique
o ponto mais próximo de conexão à internet. Mais
difícil, porém, do que conseguir a rede certa, talvez seja
encontrar uma hora para descansar. Afinal, pode olhar na
agenda: hoje, mais do que nunca – além das árvores e do
cochilo – o tempo livre também tornou-se uma raridade.
Não é apenas pelo tempo que se passa nos caminhos
entupidos de automóveis nem pelo excesso de trabalho
até as 10 da noite. Faz também toda a diferença a maneira
como o volume de informações e a própria busca por
estar 24 horas on-line influenciam a humanidade e o seu
tempo livre. “Percebi que havia algo errado quando saí
para jantar com seis amigos e em determinado momento
todos nós substituímos o bate-papo na mesa pela troca
de mensagens em nossos smartphones”, diz o designer
Marcelo Bohrer, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Mas o despertar para algum tipo de mudança em
sua vida ocorreu somente depois de Bohrer ter sentido
na própria saúde os impactos do estresse. Assim, em
2006, ele criou o Clube do Nadismo, que já conta com
mais de 7 mil sócios no Brasil e em oito países. “Se você
quiser identificar um objetivo na prática do nadismo
é a melhora da qualidade de vida, mas o verdadeiro
objetivo é simplesmente passar um tempo sem fazer
nada”, explica o designer.
Para praticar o nadismo, o fundador do clube diz que
o ideal é procurar um lugar mais tranquilo e próximo
Além da falta de tempo livre, os habitantes do meio urbano também precisam lidar com outros problemas. O excesso de barulho e a poluição do ar estão entre os mais conhecidos. Mas a poluição luminosa, embora menos citada, faz parte do dia a dia (ou melhor, noite a noite) urbano e é capaz de gerar transtornos à vida dos animais e dos seres humanos – além de causar prejuízos econômicos. “Nos EUA, 30% da iluminação pública é desperdiçada sob forma de projetos malfeitos. Se essa porcentagem se repetir no Brasil, precisaremos de uma turbina de Itaipu funcionando apenas para dar conta do desperdício”, diz o engenheiro André Izecson, de São Paulo.
Entende-se por projetos malfeitos luminárias que jogam a luz para cima, como alguns modelos instalados em estacionamentos abertos, clubes e condomínios. Seriam mais eficientes se direcionassem a luz para baixo. O excesso de claridade à noite nas praias próximas às cidades, por exemplo, desorienta as próprias tartarugas marinhas, que, em vez de irem na direção do mar – a água reflete a luz dos astros –, vão em direção às luzes dos postes da cidade, que são mais fortes. “Tanto que em alguns locais com tartarugas marinhas a iluminação é proibida”, ressalta Izecson.
No caso dos seres humanos, não experimentar adequadamente momentos de escuridão na hora de dormir pode influenciar na produção de hormônios como a melatonina. Isso afeta não apenas a qualidade do sono, mas, segundo alguns estudos, favorece o aparecimento de doenças ligadas à pressão arterial e a altos níveis de glicose. (mais na Coluna “O fim da noite”)
Outro problema relacionado ao excesso de luminosidade é a maior dificuldade de observação do céu, até mesmo por parte dos astrônomos. “Percebe-se a poluição luminosa à noite, quando há vezes em que o céu ganha até cores alaranjadas e fica difícil avistar as estrelas tanto a olho nu quanto com os equipamentos específicos”, explica Izecson, que também é fundador do Clube de Astronomia de São Paulo.
Em cidades cujo ar tem qualidade ruim, as partículas de poeira suspensas no céu refletem a luz urbana e ainda pioram a situação. Fazendo questão de frisar que a constatação não tem qualquer caráter político, o engenheiro, que também é astrônomo amador, destaca que a lei Cidade Limpa (responsável por retirar outdoors e algumas das placas publicitárias da paisagem paulistana) contribuiu para a observação dos astros. “Nesse tipo de propaganda, havia muita luz sendo jogada para o alto”, esclarece.
Com o crescimento das cidades, a visibilidade dos céus no Brasil vem sendo tão prejudicada que, segundo o fundador do Clube de Astronomia, até mesmo telescópios antes considerados excelentes para os estudos são deixados de lado pelos astrônomos que desejam realizar pesquisas mais bem apuradas. “Há pesquisadores brasileiros que preferem usar a estrutura de um observatório localizado no deserto do Atacama, no Chile, do que o de Brazópolis, no sul de Minas Gerais”, destaca.
A questão é que, com a baixa visibilidade dos céus brasileiros, o País perde know-how na construção e manutenção de grandes observatórios, bem como no desenvolvimento de tecnologia relacionada ao setor.
Para se ter uma ideia da importância de se enxergar o céu com clareza, Izecson lembra que a astronomia ajudou a desvendar um mistério envolvendo o planeta Vênus, que mesmo mais distante do Sol tem temperaturas superiores às de Mercúrio. “A atmosfera de Vênus é mais densa e cheia de gases, como nitrogênio e gás carbônico. Esse tipo de percepção abriu caminho para a descoberta do efeito estufa na Terra”, recorda o engenheiro. Ou seja, embora à primeira vista não seja tão claro, a escuridão nas grandes cidades também pode se tratar de um luxo.[:en]Tempo livre é um dos artigos raros diante de conexões, informações e outros excessos
Na cidade grande, estender uma rede entre uma árvore e outra para tirar um cochilo pode ser considerado um luxo. Mesmo porque, se você pedir uma rede a alguém, é possível que a pessoa lhe indique o ponto mais próximo de conexão à internet. Mais difícil, porém, do que conseguir a rede certa, talvez seja encontrar uma hora para descansar. Afinal, pode olhar na agenda: hoje, mais do que nunca – além das árvores e do cochilo – o tempo livre também tornou-se uma raridade.
Não é apenas pelo tempo que se passa nos caminhos entupidos de automóveis nem pelo excesso de trabalho até as 10 da noite. Faz também toda a diferença a maneira como o volume de informações e a própria busca por estar 24 horas on-line influenciam a humanidade e o seu tempo livre. “Percebi que havia algo errado quando saí para jantar com seis amigos e em determinado momento todos nós substituímos o bate-papo na mesa pela troca de mensagens em nossos smartphones”, diz o designer Marcelo Bohrer, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Mas o despertar para algum tipo de mudança em sua vida ocorreu somente depois de Bohrer ter sentido na própria saúde os impactos do estresse. Assim, em 2006, ele criou o Clube do Nadismo, que já conta com mais de 7 mil sócios no Brasil e em oito países. “Se você quiser identificar um objetivo na prática do nadismo é a melhora da qualidade de vida, mas o verdadeiro objetivo é simplesmente passar um tempo sem fazer nada”, explica o designer.
Para praticar o nadismo, o fundador do clube diz que o ideal é procurar um lugar mais tranquilo e próximo à natureza, como um parque ou uma praça, embora o ambiente urbano não seja um empecilho. Não vale ler, escrever, conversar, checar e-mails nem falar ao telefone. Apenas caminhar e observar ao redor. Como orienta o manifesto nadista, “é algo para ser absolutamente sem utilidade, não produtivo, sem expectativas, sem controle. Simplesmente relaxar e deixar acontecer”. O tempo para isso, inclusive, é bem flexível. O recomendado para que a mente relaxe, no entanto, é reservar à prática pelo menos entre 10 e 15 minutos do dia.
Para quem se assustou, vale destacar que Bohrer tampouco é um líder radical do clube, entendendo que cada um tem o seu ritmo para se adaptar e deixar de realizar as tarefas por certo tempo. O designer observa ainda que a maior dificuldade das pessoas que tentam seguir o nadismo não é nem se permitir parar uns instantes, mas confundir a interrupção das atividades com perda de tempo. Desse modo, a dica é tentar reduzir a sensação de culpa. Daí, aliás, a importância de não fazer absolutamente nada, em vez de se dar o privilégio de seguir com pequenas atribuições. “Ao não fazer nada, você entende que isso também pode ser produtivo”, justifica.
Se ainda está difícil encontrar pretexto para se dar ao luxo de não fazer nada, o Clube do Nadismo organiza também atividades para ajudar as pessoas a quebrarem essa barreira de achar que isso tudo é um tempo jogado fora. Uma vez por mês são realizados encontros em parques para, digamos, uma boa pausa. “Em grupo e com menos inibições, a pessoa se motiva a praticar”, afirma Bohrer. As reuniões costumam durar 45 minutos nos parques.
De acordo com ele, esta época do ano é também uma das melhores para tentar se desligar. A explicação está na corrida para as compras de Natal, quando, com as buscas incessantes das pessoas por preços baixos e sonhos de consumo, os shoppings centers, abertos por períodos mais longos e extensas filas, há sérios picos de estresse na população, em todas as idades.
COOL HUNTERS
A professora Janiene Santos, mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), é também coordenadora do curso de Cool Hunters do Instituto Europeo Di Design (IED). Por meio de técnicas que envolvem a análise de pesquisas, a observação nas ruas e o debate de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento humano, os cool hunters são capazes de identificar diferentes tendências na sociedade.
E, desta vez, não faz parte de qualquer sentimento saudosista. Sem dúvida, a especialista atesta que, diante das transformações tecnológicas e no modo de vida urbano, sim, tem faltado mais tempo livre do que jamais faltou em outras décadas. No fim das contas, acesso rápido, automatização, industrialização e informação não trouxeram a felicidade e a tranquilidade que todos almejavam. Em excesso, esses fatores acabaram criando outras dores de cabeça, sendo a falta de tempo livre uma delas. Evidentemente, isso acaba se refletindo no comportamento e no consumo de diversas pessoas.
“Há vezes em que, inconscientemente, os produtos feitos à mão remetem a um passado romantizado, quando se tinha tempo e energia para confeccionar um belo objeto. Eles hoje se tornam luxo e são mais caros porque se trata de raridades que não estão na linha de montagem das fábricas, mas têm o toque pessoal e o esforço de quem os fez”, exemplifica Janiene.
Segundo a professora, outro hábito que faz referência a uma época menos atribulada e por isso conquista cada vez mais adeptos são as hortas – que na cidade ganham versões compactas com vasos na área de serviço ou na própria janela dos apartamentos, onde se veem pimentinhas, orégano, cebolinha e salsa, entre outros. “O cultivo de hortas é um hábito de nossos avós que, por estar associado ao campo, tem a ver com a vida mais calma e em contato com a natureza, na qual as pessoas colhiam seus próprios alimentos”, analisa. Além do apelo saudável, nessa mesma linha segue o consumo dos produtos orgânicos, livre dos males e do dinamismo da industrialização.
Nessa esfera, cresce ainda entre alguns grupos a valorização da vida mais simples e rústica de outras épocas, quando os objetos eram feitos de modo artesanal e o ser humano tinha tempo de experimentar o mundo de diversas maneiras. Assim, conforme Janiene constata, hoje até o presente do aniversário de casamento muda com maior frequência.
Em determinadas situações, é comum, em vez de ganhar uma joia, a esposa preferir viajar com o marido para uma praia, onde poderá calmamente ver a chuva cair e pisar descalça a areia. “Ainda que o casal fique em um hotel cinco-estrelas, isso é a troca de um símbolo concreto da riqueza e da eternidade por um presente que tem a ver com a experiência rara de colocar a mão na massa”, compara a professora, que também dá aula no curso de Joias e Acessórios do IED.
Nessa mesma linha, ganham pontos hábitos como deixar o carro em casa e ir para o trabalho de bicicleta, e preparar o jantar para os amigos, em vez de ir ao restaurante. “Cozinhar em casa e ter as pessoas de que gostamos ao redor do fogão e da mesa é uma cena que fortalece os laços afetivos”, interpreta Janiene, diante de um mundo povoado de relações superficiais.
Assim, passam a ser bem-vistas também as atividades que envolvem o compartilhamento de informações, como as empresas que desenvolvem produtos com base nas sugestões dos próprios consumidores. “Um hábito que vem ganhando popularidade são os noivos que preferem encomendar a aliança no ateliê de um ourives a comprar os anéis prontos. Mais do que tudo, é uma experiência compartilhada, misturada ao caráter artesanal do produto”, diz.
Janiene destaca, porém, que a sociedade assiste a um emaranhado de tendências, claro. Enquanto há pessoas que convivem com a necessidade de desacelerar de alguma forma, outras nutrem ansiedade sem igual por adquirir as maiores novidades da tecnologia e acelerar o ritmo.
Se você faz parte do primeiro grupo, eis uma boa notícia: nos EUA, já existem hotéis que propõem uma desintoxicação digital. O hóspede guarda seus apetrechos eletrônicos na portaria e fica livre para desfrutar da vida sem conexão, pelo menos até o fim das férias.
SILÊNCIO E ESCURIDÃO
entre uma árvore e outra para tirar um
cochilo pode ser considerado um luxo.
Mesmo porque, se você pedir uma rede
a alguém, é possível que a pessoa lhe indique
o ponto mais próximo de conexão à internet. Mais
difícil, porém, do que conseguir a rede certa, talvez seja
encontrar uma hora para descansar. Afinal, pode olhar na
agenda: hoje, mais do que nunca – além das árvores e do
cochilo – o tempo livre também tornou-se uma raridade.
Não é apenas pelo tempo que se passa nos caminhos
entupidos de automóveis nem pelo excesso de trabalho
até as 10 da noite. Faz também toda a diferença a maneira
como o volume de informações e a própria busca por
estar 24 horas on-line influenciam a humanidade e o seu
tempo livre. “Percebi que havia algo errado quando saí
para jantar com seis amigos e em determinado momento
todos nós substituímos o bate-papo na mesa pela troca
de mensagens em nossos smartphones”, diz o designer
Marcelo Bohrer, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Mas o despertar para algum tipo de mudança em
sua vida ocorreu somente depois de Bohrer ter sentido
na própria saúde os impactos do estresse. Assim, em
2006, ele criou o Clube do Nadismo, que já conta com
mais de 7 mil sócios no Brasil e em oito países. “Se você
quiser identificar um objetivo na prática do nadismo
é a melhora da qualidade de vida, mas o verdadeiro
objetivo é simplesmente passar um tempo sem fazer
nada”, explica o designer.
Para praticar o nadismo, o fundador do clube diz que
o ideal é procurar um lugar mais tranquilo e próximo
Além da falta de tempo livre, os habitantes do meio urbano também precisam lidar com outros problemas. O excesso de barulho e a poluição do ar estão entre os mais conhecidos. Mas a poluição luminosa, embora menos citada, faz parte do dia a dia (ou melhor, noite a noite) urbano e é capaz de gerar transtornos à vida dos animais e dos seres humanos – além de causar prejuízos econômicos. “Nos EUA, 30% da iluminação pública é desperdiçada sob forma de projetos malfeitos. Se essa porcentagem se repetir no Brasil, precisaremos de uma turbina de Itaipu funcionando apenas para dar conta do desperdício”, diz o engenheiro André Izecson, de São Paulo.
Entende-se por projetos malfeitos luminárias que jogam a luz para cima, como alguns modelos instalados em estacionamentos abertos, clubes e condomínios. Seriam mais eficientes se direcionassem a luz para baixo. O excesso de claridade à noite nas praias próximas às cidades, por exemplo, desorienta as próprias tartarugas marinhas, que, em vez de irem na direção do mar – a água reflete a luz dos astros –, vão em direção às luzes dos postes da cidade, que são mais fortes. “Tanto que em alguns locais com tartarugas marinhas a iluminação é proibida”, ressalta Izecson.
No caso dos seres humanos, não experimentar adequadamente momentos de escuridão na hora de dormir pode influenciar na produção de hormônios como a melatonina. Isso afeta não apenas a qualidade do sono, mas, segundo alguns estudos, favorece o aparecimento de doenças ligadas à pressão arterial e a altos níveis de glicose. (mais na Coluna “O fim da noite”)
Outro problema relacionado ao excesso de luminosidade é a maior dificuldade de observação do céu, até mesmo por parte dos astrônomos. “Percebe-se a poluição luminosa à noite, quando há vezes em que o céu ganha até cores alaranjadas e fica difícil avistar as estrelas tanto a olho nu quanto com os equipamentos específicos”, explica Izecson, que também é fundador do Clube de Astronomia de São Paulo.
Em cidades cujo ar tem qualidade ruim, as partículas de poeira suspensas no céu refletem a luz urbana e ainda pioram a situação. Fazendo questão de frisar que a constatação não tem qualquer caráter político, o engenheiro, que também é astrônomo amador, destaca que a lei Cidade Limpa (responsável por retirar outdoors e algumas das placas publicitárias da paisagem paulistana) contribuiu para a observação dos astros. “Nesse tipo de propaganda, havia muita luz sendo jogada para o alto”, esclarece.
Com o crescimento das cidades, a visibilidade dos céus no Brasil vem sendo tão prejudicada que, segundo o fundador do Clube de Astronomia, até mesmo telescópios antes considerados excelentes para os estudos são deixados de lado pelos astrônomos que desejam realizar pesquisas mais bem apuradas. “Há pesquisadores brasileiros que preferem usar a estrutura de um observatório localizado no deserto do Atacama, no Chile, do que o de Brazópolis, no sul de Minas Gerais”, destaca.
A questão é que, com a baixa visibilidade dos céus brasileiros, o País perde know-how na construção e manutenção de grandes observatórios, bem como no desenvolvimento de tecnologia relacionada ao setor.
Para se ter uma ideia da importância de se enxergar o céu com clareza, Izecson lembra que a astronomia ajudou a desvendar um mistério envolvendo o planeta Vênus, que mesmo mais distante do Sol tem temperaturas superiores às de Mercúrio. “A atmosfera de Vênus é mais densa e cheia de gases, como nitrogênio e gás carbônico. Esse tipo de percepção abriu caminho para a descoberta do efeito estufa na Terra”, recorda o engenheiro. Ou seja, embora à primeira vista não seja tão claro, a escuridão nas grandes cidades também pode se tratar de um luxo.