Em entrevista a Página22, Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, fala sobre a velha política brasileira e a nova – em processo de descobrimento e criação.
Nas últimas eleições para presidência, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva recebeu 20% dos votos mesmo pertencendo a um pequeno partido em comparação a seus concorrentes. Para o filósofo político da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro, este resultado é um indício de que a sociedade brasileira anseia por mudanças mesmo que parte dela discorde das ideias da líder verde.
Marina, que se desligou do Partido Verde em julho deste ano, agora encabeça um grupo que se diz cansado da política praticada em Brasília e propõe sua reinvenção. Seus membros querem mais ética, transparência e participação da população nas decisões do poder com discussão horizontal. O grupo é chamado de Movimento Por Uma Nova Política. Eles se reúnem e discutem novas formas de fazer política, mas ainda há poucas pautas definidas.
“No começo as mudanças são apenas desvios, precisamos observar o que deve prosperar. Eu não quero que prospere o desvio dos jovens enfurecidos para consumir em Londres, nem que quando alguém chega ao poder as minorias sejam massacradas. Eu quero que prospere aquilo que eu acho que seja melhor para humanidade”, discursou a ex-ministra em um dos encontros do grupo em novembro. O movimento segue em discussão por mais definições de qual será sua identidade e seus meios de ação.
O movimento ao qual a senhora pertence propõe reinvenção do jogo de poder. Qual seu diagnóstico sobre a política brasileira?
A qualidade de nossa representação se degradou muito. Tivemos avanços históricos na questão social, mas tudo está ameaçado por uma política que está na Pré-história, cujo poder se acaba em si mesmo. Quem resumiu da melhor forma foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que diz que “os partidos ficam coligando com todo mundo para ver quem vai liderar o atraso”. E os partidos acabam governando de forma fragmentada as partes do país que têm mais influência.
A política está em crise. Nós temos vivido em um mundo com múltiplas crises. Há uma econômica, uma social, uma ambiental, uma política e uma de valores. Parece que nós chegamos àquilo que na psicanálise se chama Princípio do Absurdo, que é quando se tem algo que extrapola seu próprio limite e começa a produzir o contrário a si mesmo. Entre essas crises as mais graves são a ambiental e a de valores, que está na base de todas as outras. O sistema de valores foi por um caminho de ética de conveniência que é letal para humanidade. As pessoas parecem que não conseguem perceber que em nome de lucros de apenas algumas décadas são comprometidos os recursos de milhares de anos. Assim, sacrificamos a economia do planeta e a própria condição humana. Se nós temos dois milhões de seres humanos que vivem com até dois dólares por dia é como sacrificar a dignidade da condição humana.
E a política é o meio de mediar os diferentes interesses e conflitos. Só que ela foi para um processo de acomodação, estabelecendo uma forma de defesa do establishment e não consegue perceber outras visões, processos e estruturas para si mesma. As costuras, as alianças e os discursos se mostram junto com as incoerências de defender uma coisa e depois falar ou fazer outra. É só ver agora, a presidente Dilma se comprometeu no 2º turno a não sancionar nenhum projeto que significasse anistia para desmatadores. E, no entanto, não moveu uma palha para que sua base no governo evitasse que as mudanças do Código Florestal não fossem aprovadas nas instâncias do governo. Ou seja, as pessoas, com a mesma facilidade com que fazem a promessa, desvencilham-se dela para assumir os verdadeiros interesses.
E qual o efeito disso na sociedade?
Essa visão antiga da política de manutenção do poder pelo poder e administração pelo sucesso está fazendo com que boa parte das pessoas se descolem disso e se juntem para questionar essa forma estagnada. E, assim, para se sentirem mais fortes, deve-se buscar uma nova agenda com novas prioridades. As pessoas que estão na borda não querem mais ser espectadoras da política e só receber aquilo que os políticos estabelecem que vão fazer para eles e não com eles. As pessoas agora querem ser protagonistas.
E por isso foi criado o Movimento Por Uma Nova Política?
O movimento está no começo. O movimento está neste estágio de convocação e debate para nos convencer e ser convencidos por outros olhares, outros grupos. E de fato realizar uma escuta interessada do que está sendo dito. Não é para pensar que vamos juntar essas forças políticas para gerar um partido para próxima eleição. Isso já é uma diferença. Qualquer força política que acaba de sair das urnas com quase 20 milhões de votos pensaria “o que devo fazer a partir disso?” Se eu pensasse que é só criar um partido para participar das eleições em 2012 e 2014 não seria novo, é uma ação da velha política.
Afinal, o que seria uma nova visão para política? Como diz Edgar Morin: “no início as mudanças são apenas pequenos desvios. E é preciso ficar atento para avaliar quais deles a gente quer que prospere.” Se o que estamos fazendo é a melhor ou a pior resposta, aprenderemos no caminho. No meu entendimento, [com o movimento] a política terá uma força muito grande de se alimentar de ideais e sonhos e da leitura dos processos históricos vivenciados.
Mas a descrença de que a política possa ser feita com ética aumentou. Como convencer as pessoas a participarem?
É importante traduzir tudo isto na força do exemplo. A liderança pelo exemplo será cada vez mais demandada para expor o que pensa e age, só assim poderá ser identificado se aquilo que se diz é aquilo que se vive. Cada vez menos as pessoas vão levar a idéia “faça o que eu digo, mas não faça o que faço”. Um dos grandes desafios que nós temos é melhorar a qualidade de nossa representação. Também é preciso fazer um esforço enorme para aperfeiçoar o sistema educacional e cultural da população.
O movimento defende a discussão horizontal. Como deliberar desta forma com o mínimo de hierarquia?
A dificuldade de pensar algo que não tem fórmulas existe e é muito grande. Mas é aí que consiste a maior riqueza do movimento. Eu não tenho nenhuma ansiedade tóxica que nós vamos dar a resposta a priori. Vamos encontrar a resposta no processo. E ter uma organização que esteja estruturada e ao mesmo tempo se basear no sistema horizontal quando não se faz as coisas para as pessoas, mas com as pessoas. É um desafio. Mas quem foi que disse que os desafios não são constitutivos das alternativas?
Eu acho que a riqueza é exatamente do ponto de vista da linguagem, estrutura e visão em contraposição as dos partidos que são verticalizadas com a ideia de centralismo democrático. O problema é que essas instâncias se burocratizaram. Viraram empresas do poder pelo poder e quem está no comando dessas empresas partidárias, não abre espaço para oxigenação dos núcleos vivos da sociedade. É por isso que gostaríamos de experimentar a ideia das candidaturas avulsas que já existem em outros países. Também podemos experimentar alguma forma mais oxigenada de competição com os próprios partidos políticos para ver se eles também se oxigenam, porque eles não têm concorrentes.
E qual o papel das tecnologias para esses agentes políticos que estão fora do governo?
Graças à internet o que está acontecendo é um estágio muito particular e sui generis da democracia, que eu estou chamando democracia prospectiva. Antes as pessoas só tinham os partidos, o governo, as ONGs e os sindicatos para prospectar os aplicativos da democracia. Com o advento da internet e as possibilidades de se fazer circular suas opiniões, ideias e conhecimentos, surgem novos aplicativos para democracia no mundo todo.
Um exemplo disso é o que acontece no Chile. Lá os jovens estão prospectando novos modelos para discutir o que está sendo imposto no sistema de ensino. Também os jovens da Espanha que não querem viver sem a esperança de emprego. E talvez um dos aplicativos mais interessantes e dos mais antigos é esse das pessoas se juntarem e se sentirem mais fortes. Eu acho que o caminho é de nos tornarmos cada vez mais colaborativos. Estamos juntos no processo mesmo com diferenças, mas reunidos baseados em princípios.
É possível prever um pouco como será essa forma de Nova Política?
Uma fórmula da Nova Política, isso não se tem. Aliás, a ideia de não ter fórmulas já é nova. E nada é totalmente novo. Nós vamos examinar nossas experiências e cumulativamente estabelecer novas conquistas.