Para viabilizá-lo, as Nações Unidas precisam de um grande fundo desenvolvimento e redes de cooperação científica e técnica
POR IGNACY SACHS*
Neste ano de 2012 vamos celebrar duas efemérides: o tricentenário de nascimento de Jean-Jacques Rousseau e os 250 anos da publicação do seu Du Contrat Social, uma feliz coincidência com a segunda Cúpula da Terra, que se reunirá em junho próximo no Rio de Janeiro.
O encontro na Cidade Maravilhosa poderia dar início a um processo de formulação de um contrato social para o século XXI, com dois andares:
– Contratos sociais em cada país-membro das Nações Unidas, construídos a partir do tripé justiça social, sustentabilidade ambiental e viabilidade econômica, esta última a ser implantada por meio de uma cooperação quadripartite entre os Estados desenvolvimentistas, os empresários e os trabalhadores dos setores público e privado, sem esquecer a sociedade civil organizada;
– Um megacontrato social em nível planetário baseado na cooperação entre os Estados-nações membros da ONU, subordinado a dois objetivos. Por um lado, assegurar a longo prazo oportunidades de trabalho decente para todos os tripulantes da nave espacial Terra, de maneira a reduzir as profundas disparidades sociais e econômicas prevalecentes no mundo de hoje. Por outro lado, legar às gerações futuras um planeta habitável do ponto de vista ambiental. Lembrando que somos hoje 7 bilhões e chegaremos em meados do século a 9 bilhões, com a perspectiva da estabilização subsequente da população mundial entre 9 bilhões e 10 bilhões.
Aos malthusianos e aos pessimistas em geral, direi – parafraseando o presidente Barack Obama – “Sim, podemos”, ainda temos tempo hábil de efetuar as mudanças de política indispensáveis para colocar a nave espacial Terra na trajetória de um desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável a longo prazo.
Para avançar nessa direção, devemos, no entanto, reaprender a planejar. Tanto mais que, sob o aspecto técnico, o ábaco – o primeiro instrumento de que dispunham os planejadores – foi substituído por computadores cada vez mais eficientes. O que falta é a superação das experiências negativas de planejamento, frequentemente associadas no passado com o poder autoritário. As condições estão dadas para que o planejamento futuro passe a ser exercido em base a um diálogo democrático entre todos os atores do processo de desenvolvimento.
Isto em todos os níveis, dentro de cada país; entre grupos de nações e na esfera planetária, cabendo à ONU a difícil porém indispensável tarefa de coordenar o conjunto dos planos nacionais e regionais de maneira a evitar choques e contradições e promover sinergias positivas entre eles.
Para tanto, as Nações Unidas poderiam contar com duas ferramentas essenciais:
– Um grande fundo de desenvolvimento includente e sustentável com a seguinte composição: 0,7% a 1% do PIB dos países desenvolvidos; uma parcela de recursos arrecadados pela Taxa Tobin a ser instituída sobre as especulações financeiras; um imposto a ser cobrado sobre as emissões de carbono, com a dupla finalidade de atuar no sentido de reduzir essas emissões e gerar recursos públicos para o financiamento do desenvolvimento; por fim, pedágios sobre oceanos e ares, justificados pela utilização desses bens comuns da humanidade, com a possibilidade de isentar parcial ou totalmente os navios e as aeronaves efetivamente pertencentes aos países menos desenvolvidos;
– Redes de cooperação científica e técnica organizadas a partir da geografia de biomas, de maneira a dispor de programas transcontinentais sobre o aproveitamento dos recursos renováveis das florestas tropicais da América Latina, da África e da Ásia, dos cerrados e das savanas etc.
Um tema central é o da energia. As energias fósseis estão se esgotando. Mesmo se este não fosse o caso, deveríamos estar pensando na redução da nossa dependência com relação a elas, para evitar as emissões excessivas de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global portador de catástrofes climáticas com consequências deletérias para as condições de vida humana neste planeta.
Pacto de Fausto [1]– a expansão da produção da energia nuclear – tampouco constitui uma opção segura. Por pequena que seja a probabilidade de um acidente numa usina nuclear, os precedentes de Chernobyl e Fukushima aí estão para nos alertar sobre a gravidade de uma tal ocorrência, sem falar do perigo que representam as armas atômicas.
Segundo uma lenda alemã, Fausto teria com o Diabo a troca de sua alma pelo conhecimento de todas as possibilidades da experiência humana
O futuro está, portanto, em políticas energéticas baseadas em uma maior sobriedade no consumo, busca de eficiência e ênfase sobre todo o elenco das energias renováveis: a energia hidráulica, a solar, a eólica, a maremotriz, sem esquecer os diferentes tipos de bioenergia.
A segurança energética deve andar de mãos dadas com a segurança alimentar, o que nos remete por sua vez aos potenciais das revoluções verde e azul e à questão fundamental de reformas agrárias que não perdeu a sua atualidade no mundo contemporâneo.
* ECOSSOCIOECONOMISTA DA ÉCOLE DES HAUTES ÉTUDES EN SCIENCES SOCIALES[:en]Para viabilizá-lo, as Nações Unidas precisam de um grande fundo desenvolvimento e redes de cooperação científica e técnica
POR IGNACY SACHS*
Neste ano de 2012 vamos celebrar duas efemérides: o tricentenário de nascimento de Jean-Jacques Rousseau e os 250 anos da publicação do seu Du Contrat Social, uma feliz coincidência com a segunda Cúpula da Terra, que se reunirá em junho próximo no Rio de Janeiro.
O encontro na Cidade Maravilhosa poderia dar início a um processo de formulação de um contrato social para o século XXI, com dois andares:
– Contratos sociais em cada país-membro das Nações Unidas, construídos a partir do tripé justiça social, sustentabilidade ambiental e viabilidade econômica, esta última a ser implantada por meio de uma cooperação quadripartite entre os Estados desenvolvimentistas, os empresários e os trabalhadores dos setores público e privado, sem esquecer a sociedade civil organizada;
– Um megacontrato social em nível planetário baseado na cooperação entre os Estados-nações membros da ONU, subordinado a dois objetivos. Por um lado, assegurar a longo prazo oportunidades de trabalho decente para todos os tripulantes da nave espacial Terra, de maneira a reduzir as profundas disparidades sociais e econômicas prevalecentes no mundo de hoje. Por outro lado, legar às gerações futuras um planeta habitável do ponto de vista ambiental. Lembrando que somos hoje 7 bilhões e chegaremos em meados do século a 9 bilhões, com a perspectiva da estabilização subsequente da população mundial entre 9 bilhões e 10 bilhões.
Aos malthusianos e aos pessimistas em geral, direi – parafraseando o presidente Barack Obama – “Sim, podemos”, ainda temos tempo hábil de efetuar as mudanças de política indispensáveis para colocar a nave espacial Terra na trajetória de um desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável a longo prazo.
Para avançar nessa direção, devemos, no entanto, reaprender a planejar. Tanto mais que, sob o aspecto técnico, o ábaco – o primeiro instrumento de que dispunham os planejadores – foi substituído por computadores cada vez mais eficientes. O que falta é a superação das experiências negativas de planejamento, frequentemente associadas no passado com o poder autoritário. As condições estão dadas para que o planejamento futuro passe a ser exercido em base a um diálogo democrático entre todos os atores do processo de desenvolvimento.
Isto em todos os níveis, dentro de cada país; entre grupos de nações e na esfera planetária, cabendo à ONU a difícil porém indispensável tarefa de coordenar o conjunto dos planos nacionais e regionais de maneira a evitar choques e contradições e promover sinergias positivas entre eles.
Para tanto, as Nações Unidas poderiam contar com duas ferramentas essenciais:
– Um grande fundo de desenvolvimento includente e sustentável com a seguinte composição: 0,7% a 1% do PIB dos países desenvolvidos; uma parcela de recursos arrecadados pela Taxa Tobin a ser instituída sobre as especulações financeiras; um imposto a ser cobrado sobre as emissões de carbono, com a dupla finalidade de atuar no sentido de reduzir essas emissões e gerar recursos públicos para o financiamento do desenvolvimento; por fim, pedágios sobre oceanos e ares, justificados pela utilização desses bens comuns da humanidade, com a possibilidade de isentar parcial ou totalmente os navios e as aeronaves efetivamente pertencentes aos países menos desenvolvidos;
– Redes de cooperação científica e técnica organizadas a partir da geografia de biomas, de maneira a dispor de programas transcontinentais sobre o aproveitamento dos recursos renováveis das florestas tropicais da América Latina, da África e da Ásia, dos cerrados e das savanas etc.
Um tema central é o da energia. As energias fósseis estão se esgotando. Mesmo se este não fosse o caso, deveríamos estar pensando na redução da nossa dependência com relação a elas, para evitar as emissões excessivas de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global portador de catástrofes climáticas com consequências deletérias para as condições de vida humana neste planeta.
Pacto de Fausto [1]– a expansão da produção da energia nuclear – tampouco constitui uma opção segura. Por pequena que seja a probabilidade de um acidente numa usina nuclear, os precedentes de Chernobyl e Fukushima aí estão para nos alertar sobre a gravidade de uma tal ocorrência, sem falar do perigo que representam as armas atômicas.
Segundo uma lenda alemã, Fausto teria com o Diabo a troca de sua alma pelo conhecimento de todas as possibilidades da experiência humana
O futuro está, portanto, em políticas energéticas baseadas em uma maior sobriedade no consumo, busca de eficiência e ênfase sobre todo o elenco das energias renováveis: a energia hidráulica, a solar, a eólica, a maremotriz, sem esquecer os diferentes tipos de bioenergia.
A segurança energética deve andar de mãos dadas com a segurança alimentar, o que nos remete por sua vez aos potenciais das revoluções verde e azul e à questão fundamental de reformas agrárias que não perdeu a sua atualidade no mundo contemporâneo.
* ECOSSOCIOECONOMISTA DA ÉCOLE DES HAUTES ÉTUDES EN SCIENCES SOCIALES