Os bancos que levam em conta critérios de sustentabilidade em suas operações de crédito ainda são minoria, mas uma bela mudança se arma no horizonte
O presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, pegou todo mundo meio de surpresa ao tornar público que em breve todo o sistema bancário brasileiro passará a ser obrigado a incorporar preceitos de responsabilidade socioambiental em suas operações. A revelação se deu durante uma palestra ministrada como parte do ciclo Brasil Sustentável – O Caminho para o Desenvolvimento, realizada em 13 de junho, como parte da agenda da Rio+20.
Naquele mesmo dia, o BC havia colocado no ar o edital para uma audiência pública que pretende debater dois atos normativos: o primeiro obriga todas as instituições financeiras autorizadas a funcionar no Brasil a elaborarem políticas de responsabilidade socioambiental; o segundo cria regras para a divulgação de relatórios de responsabilidade socioambiental dessas mesmas instituições. Ainda falta chão para que a proposta se consolide – o processo de consulta se estende até setembro –, mas são boas as perspectivas de que o sistema bancário brasileiro terá de passar por uma senhora transformação.
Protocolos e Princípios
As novas regulações não estão chegando a um setor bancário totalmente – com perdão do trocadilho – verde. Há um bom tempo que os bancos flertam com a ideia de incluir critérios socioambientais em seus processos, movimento, aliás, que tem resultado em regras de autorregulamentação, entre as quais se destacam os Princípios do equador [1], os Princípios para o Investimento Responsável [2], o Protocolo Verde [3] e, mais recentemente, a Declaração do Capital Natural [4]
[1] Os Princípios do Equador são uma plataforma para a mensuração e gerenciamento dos riscos sociais e ambientais envolvidos em operações de financiamento de grandes projetos
[2] Estabelecidos em 2005 com chancela das Nações Unidas, trata-se de um conjunto de seis princípios sobre governança socioambiental. Em abril passado, o documento já contava com mais de mil signatários, que, juntos, possuem US$ 30 trilhões em ativos
[3] O compromisso de incluir critérios ambientais no processo de análise e avaliação e priorizar o financiamento de projetos sustentáveis. Foi assinado em 1995 pelos cinco bancos públicos federais – BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia. Em 2009, a Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) firmaram uma versão privada do Protocolo
[4] Lançada durante a Rio+20, a Declaração estabelece o compromisso de passar a incorporar ativos ambientais (como, por exemplo, água, ar ou solo) na contabilidade das instituições financeiras
Nada disso está acontecendo por altruísmo. O superintendente de risco socioambiental do Santander, Christopher Wells, diz que há boas razões para ficar de olho se os tomadores de empréstimos estão se comportando bem. “Você consegue detectar uma série de riscos que não apareceria com uma análise simples. Uma fábrica que polui pode até estar ganhando um bom dinheiro no momento, mas pode acabar sendo acionada pelo Ministério Público ou ser atingida por uma campanha negativa de uma ONG que leve a um boicote de consumidores”, aponta.
Mas, apesar de encontrarem campo fértil para bons negócios e a multiplicação de iniciativas, as empresas dispostas a incorporar esses princípios em seu dia a dia ainda são uma minoria. O gerente-executivo da Uniethos, Reginaldo Sales Magalhães, fez um levantamento de quantas instituições financeiras no Brasil possuem políticas e relatórios de sustentabilidade. Apresentado durante um workshop sobre políticas e práticas socioambientais em instituições financeiras, realizado pelo próprio BC, em dezembro passado, o resultado da pesquisa não foi dos mais animadores. De um total de 210 instituições, só 32 já contam com políticas formalizadas. “Iniciativas como o Protocolo Verde são importantes, mas o número de instituições que estão se autoavaliando é relativamente pequeno”, estima.
Um alento vem do fato de que a dianteira da iniciativa está sendo tomada, exatamente, pelos maiores bancos nacionais – das 10 maiores empresas, oito estão na lista das “com política” elaborada por Magalhães. “Seguramente temos mais de 80% dos ativos em bancos que possuem políticas de sustentabilidade”, garante o pesquisador.
Apesar de as propostas de autorregulamentação não serem perfeitas, o diretor da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Roberto Smeraldi, reconhece que elas têm feito diferença. “Podemos considerá-las insuficientes e apontar problemas de implementação, mas a forma como eles [os bancos] olham hoje para os projetos tende a ser diferente”, explica. Como exemplo, cita o caso da Norte Energia, que precisou recorrer a um dos únicos grandes bancos privados brasileiros a não ter assinado os Princípios do Equador, o BTG Pactual, para conseguir afiançar o empréstimo-ponte do BNDES para Belo Monte.
Iniciativas ainda opacas
Um fator que tem sido criticado é a falta de transparência nessas iniciativas. A assessora do Programa de Eco-Finanças, da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Oriana Rey, reclama que ainda faltam indicadores padronizados que permitam fazer uma análise mais robusta do desempenho do setor bancário. No fim de 2010, a Febraban elaborou uma Matriz de Indicadores que deveria medir os avanços feitos no contexto do Protocolo Verde, mas os resultados nunca foram divulgados.
“Até o momento estamos aguardando a publicação das respostas de cada banco”, pontua, lembrando que, ironicamente, a necessidade de mais transparência é um dos princípios consagrados pelo Protocolo Verde.
A Febraban não nega que esteja em falta. O diretor de relações institucionais da organização, Mario Sérgio Vasconcelos, informa que, embora os questionários da matriz tenham sido devidamente preenchidos, a divulgação dos resultados acabou sendo feita de forma restrita. “Chegamos à conclusão de que o processo de avaliação se revelou inadequado. Como não previa qualquer segmentação entre os bancos, isso gerou muita inconsistência nos resultados”, argumenta. Ainda assim, ele assegura que o Protocolo Verde tem obtido sucesso em avançar uma agenda setorial para o desenvolvimento sustentável.
Nesse contexto, os atos do BC devem puxar a “barra” para cima. Segundo o chefe do Departamento de Normas do BC, Sérgio Odilon, as novas regras deverão afetar mais de 2 mil instituições. Nem tudo será igual para todo mundo, cada empresa terá liberdade para desenhar suas próprias políticas seguindo regras de proporcionalidade em relação ao porte e à sofisticação de cada organização. “Cada banco vai desenhar sua política olhando a própria complexidade. O que estamos fazendo é padronizar o mínimo e, se depois os bancos quiserem fazer mais, não tem problema. O que eles não podem é fazer menos”, diz.
O objetivo do BC é tornar o sistema como um todo um tanto mais seguro para todo mundo. “Isso faz parte de um processo de solidez e estabilidade do sistema financeiro como um todo”, arremata Odilon.