Estaríamos caminhando – todos – para um estado de fartura universal em 2040. Acredite ou não, é o que advoga o livro Abundância, o Futuro é Melhor do Que Você Pensa
O conhecimento e a tecnologia entraram numa fase de crescimento e democratização exponenciais. Hoje, um guerreiro Masai, do Quênia, dispõe de mais informação, pelo Google, ou o celular, que o presidente Bill Clinton há 15 anos. Essa revolução tornou o sequenciamento genético prosaico e barateou os computadores e as novas energias alternativas. Ela também estaria criando condições ótimas para que atinjamos, até 2040, um estado de fartura universal, em que todos terão acesso aos direitos básicos, da alimentação à energia de baixo impacto e à democracia. Repito: todos.
Esta é a premissa – para uns utópica; para outros, reconfortante – do livro Abundance (Abundância, o Futuro é Melhor do Que Você Pensa), lançado nos Estados Unidos em fevereiro, com passagem rápida pela lista de best-sellers do New York Times e ainda sem tradução brasileira. Para os desconfiados, um alerta: não se trata de obra ingênua, edulcorada, mas de um levantamento minucioso de tendências promissoras em vias de amadurecer.
Peter Diamandis, autor, junto com o jornalista Steven Kotler, está bem posicionado para um exercício consistente de futurologia. Com passagem pelo Massachusetts Institute of Technology e a Universidade Harvard, onde estudou Medicina, Biologia Molecular e Engenharia Espacial, ele criou uma dezena de empresas hi-tech voltadas para a construção de astronaves privadas. Diamandis também dirige a X Prize Foundation, que levanta fortunas a serem doadas a quem encontrar soluções para desafios em várias áreas, da educação à biotecnologia.
O cenário de abundância descrito no livro estaria sendo favorecido por três fenômenos novos. Primeiro, a multiplicação de doações generosas dos chamados tecnofilantropos, multibilionários como Bill Gates que estão investindo em inovação e transparência, com foco global. Eles parecem dispostos a atacar problemas crônicos, como a fome, as doenças tropicais e a corrupção, que até aqui eram atribuição exclusiva de governos. É o caso de Mo Ibrahim, magnata das telecomunicações do Sudão que criou um prêmio de US$ 5 milhões (mais uma anuidade de US$ 200 mil pelo resto da vida) para presidentes africanos que encerrem seu mandato voluntariamente, dentro dos limites constitucionais.
O segundo fator que estaria potencializando a fartura é a mobilização dos inovadores domésticos. São indivíduos e pequenos grupos capazes de brincar com genética e desenvolver engenhocas no fundo do quintal e que franqueiam suas descobertas na web. O livro conta, por exemplo, como Chris Anderson, editor da revista Wired, desenvolveu um drone – avião manejado remotamente –, similar ao usado hoje em operações militares. Anderson utilizou informação da internet, materiais disponíveis no mercado e blocos Lego para montar uma pequena aeronave. Interessado em aperfeiçoá-la, criou uma comunidade virtual que acabou desenvolvendo uma unidade similar ao Raven, um drone para fins bélicos à venda por US$ 35 mil. Mas a aeronave concebida por Anderson e a rede de inovadores domésticos custou apenas US$ 300.
O terceiro fator é a emergência do que o livro chama de “bilhão emergente” – a fração da população global até aqui excluída do consumo, do empreendedorismo e da educação. Mas os extremamente pobres estariam se integrando a esse universo de riqueza potencial, graças, mais uma vez, à tecnologia. Diamandis lembra, por exemplo, que qualquer um que tenha um telefone conectado à rede, como os Masai, pode receber uma educação universitária. Demanda não falta. Os vídeos tutoriais da Khan Academy, publicados no YouTube, versam sobre mais de 3.200 tópicos, da álgebra à zoologia, e já recebem mais de 2 milhões de visitas mensais.
A explosão tecnológica, os tecnofilantropos, os inovadores domésticos e o bilhão que começa a ascender constroem um círculo virtuoso em que os avanços se entrelaçam e se potencializam. Com mais educação e saúde, as famílias garantem a sobrevivência de seus filhos e aceitam reduzir as taxas de natalidade. Com energia barata, abundante e limpa, comunidades em áreas desérticas viabilizam unidades de dessalinização de água marinha, ganham qualidade de vida e a capacidade de empreender.
A cornucópia de Abundance é inebriante, sobretudo nestes dias de ressaca da Rio+20. O livro é, também, altamente convincente e inspirador. Mas a tecnologia não tem ideologia – seus usuários, sim. A disseminação do conhecimento não é, necessariamente, inofensiva. O drone de fundo de quintal pode ser um instrumento para monitorar incêndios e enchentes – ou uma arma. Por isso, enquanto esse dia de fartura total não chega, melhor não baixar a guarda.
*Jornalista especializada em meio ambiente[:en]Estaríamos caminhando – todos – para um estado de fartura universal em 2040. Acredite ou não, é o que advoga o livro Abundância, o Futuro é Melhor do Que Você Pensa
O conhecimento e a tecnologia entraram numa fase de crescimento e democratização exponenciais. Hoje, um guerreiro Masai, do Quênia, dispõe de mais informação, pelo Google, ou o celular, que o presidente Bill Clinton há 15 anos. Essa revolução tornou o sequenciamento genético prosaico e barateou os computadores e as novas energias alternativas. Ela também estaria criando condições ótimas para que atinjamos, até 2040, um estado de fartura universal, em que todos terão acesso aos direitos básicos, da alimentação à energia de baixo impacto e à democracia. Repito: todos.
Esta é a premissa – para uns utópica; para outros, reconfortante – do livro Abundance (Abundância, o Futuro é Melhor do Que Você Pensa), lançado nos Estados Unidos em fevereiro, com passagem rápida pela lista de best-sellers do New York Times e ainda sem tradução brasileira. Para os desconfiados, um alerta: não se trata de obra ingênua, edulcorada, mas de um levantamento minucioso de tendências promissoras em vias de amadurecer.
Peter Diamandis, autor, junto com o jornalista Steven Kotler, está bem posicionado para um exercício consistente de futurologia. Com passagem pelo Massachusetts Institute of Technology e a Universidade Harvard, onde estudou Medicina, Biologia Molecular e Engenharia Espacial, ele criou uma dezena de empresas hi-tech voltadas para a construção de astronaves privadas. Diamandis também dirige a X Prize Foundation, que levanta fortunas a serem doadas a quem encontrar soluções para desafios em várias áreas, da educação à biotecnologia.
O cenário de abundância descrito no livro estaria sendo favorecido por três fenômenos novos. Primeiro, a multiplicação de doações generosas dos chamados tecnofilantropos, multibilionários como Bill Gates que estão investindo em inovação e transparência, com foco global. Eles parecem dispostos a atacar problemas crônicos, como a fome, as doenças tropicais e a corrupção, que até aqui eram atribuição exclusiva de governos. É o caso de Mo Ibrahim, magnata das telecomunicações do Sudão que criou um prêmio de US$ 5 milhões (mais uma anuidade de US$ 200 mil pelo resto da vida) para presidentes africanos que encerrem seu mandato voluntariamente, dentro dos limites constitucionais.
O segundo fator que estaria potencializando a fartura é a mobilização dos inovadores domésticos. São indivíduos e pequenos grupos capazes de brincar com genética e desenvolver engenhocas no fundo do quintal e que franqueiam suas descobertas na web. O livro conta, por exemplo, como Chris Anderson, editor da revista Wired, desenvolveu um drone – avião manejado remotamente –, similar ao usado hoje em operações militares. Anderson utilizou informação da internet, materiais disponíveis no mercado e blocos Lego para montar uma pequena aeronave. Interessado em aperfeiçoá-la, criou uma comunidade virtual que acabou desenvolvendo uma unidade similar ao Raven, um drone para fins bélicos à venda por US$ 35 mil. Mas a aeronave concebida por Anderson e a rede de inovadores domésticos custou apenas US$ 300.
O terceiro fator é a emergência do que o livro chama de “bilhão emergente” – a fração da população global até aqui excluída do consumo, do empreendedorismo e da educação. Mas os extremamente pobres estariam se integrando a esse universo de riqueza potencial, graças, mais uma vez, à tecnologia. Diamandis lembra, por exemplo, que qualquer um que tenha um telefone conectado à rede, como os Masai, pode receber uma educação universitária. Demanda não falta. Os vídeos tutoriais da Khan Academy, publicados no YouTube, versam sobre mais de 3.200 tópicos, da álgebra à zoologia, e já recebem mais de 2 milhões de visitas mensais.
A explosão tecnológica, os tecnofilantropos, os inovadores domésticos e o bilhão que começa a ascender constroem um círculo virtuoso em que os avanços se entrelaçam e se potencializam. Com mais educação e saúde, as famílias garantem a sobrevivência de seus filhos e aceitam reduzir as taxas de natalidade. Com energia barata, abundante e limpa, comunidades em áreas desérticas viabilizam unidades de dessalinização de água marinha, ganham qualidade de vida e a capacidade de empreender.
A cornucópia de Abundance é inebriante, sobretudo nestes dias de ressaca da Rio+20. O livro é, também, altamente convincente e inspirador. Mas a tecnologia não tem ideologia – seus usuários, sim. A disseminação do conhecimento não é, necessariamente, inofensiva. O drone de fundo de quintal pode ser um instrumento para monitorar incêndios e enchentes – ou uma arma. Por isso, enquanto esse dia de fartura total não chega, melhor não baixar a guarda.
*Jornalista especializada em meio ambiente