Uma carta de boas intenções, com pouca ousadia, quase nenhuma decisão e muito aquém do que seria necessário para enfrentar os atuais desafios da humanidade. Esta é a avaliação praticamente unânime da declaração resultante do processo oficial da Rio+20, intitulada O Futuro Que Queremos. Apesar disso, é um documento de peso, assinado por representantes de alto nível em nome de 188 países, e que será referência para a agenda global da sustentabilidade nos próximos anos. É preciso, portanto, conhecer suas limitações e potenciais, e fazer desse limão a melhor limonada possível.
Para isso, sugerimos duas perspectivas fundamentais: a explicitação da narrativa embutida no documento, e a identificação dos “ganchos” a partir dos quais várias agendas podem ser impulsionadas, se devidamente trabalhadas pelas partes interessadas
NARRATIVA
Com 283 parágrafos distribuídos em 53 páginas, o documento pode ser visto de forma matricial: um conjunto de fundamentos, estratégias e diretrizes (capítulos 1, 2, 3, 4 e 6) aplicam-se a um bloco de 26 temas, identificados como prioridades para efetivação do desenvolvimento sustentável (capítulo 5) e que devem ser sintetizados em uma série de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A declaração, portanto, tem uma lógica interna, apesar do baixo nível de ambição, visível na linguagem pouco assertiva: em quase todos os parágrafos, os signatários apenas reconhecem os problemas e reafirmam compromissos já assumidos, em vez de tomar decisões ou apresentar demandas firmes. Os efeitos práticos desse documento dependerão, assim, da dedicação dos interessados em cada assunto.
FUNDAMENTOS – capítulos 1 e 2
Visão Comum / Renovação do Compromisso Político
CAMINHOS PARA A AÇÃO – capítulos 3 e 4
Economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza / Quadro institucional para o desenvolvimento sustentável
TEMAS A SEREM ENFOCADOS – capítulo 5
ODS: Erradicação da pobreza / Agricultura sustentável, segurança alimentar e nutricional / Água e saneamento / Energia / Turismo sustentável / Transporte sustentável / Cidades e assentamentos humanos sustentáveis / Saúde e população / Promoção de emprego pleno e produtivo, trabalho decente para todos, e proteção social / Mares e oceanos / Pequenos Estados insulares em desenvolvimento / Países menos desenvolvidos / Países em desenvolvimento sem acesso ao mar / África / Esforços regionais /Redução do risco de desastres / Mudança climática / Florestas / Biodiversidade / Desertificação, degradação de solos e seca / Montanhas / Produtos químicos e resíduos / Produção e consumo sustentáveis / Mineração / Educação / Igualdade de gêneros e empoderamento da mulher
MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO – capítulo 6
Financiamento, Tecnologia, Capacitação, Comércio / Registro de compromissos voluntários
GANCHOS
Em vários parágrafos são identificáveis possibilidades de encaminhamentos futuros. Exemplos:
Parágrafo 38: requer à ONU que inicie um programa de trabalho sobre métricas de progresso além do PIB, tendo como base iniciativas existentes.
Parágrafos 42 a 44: reconhecem a importância do acesso da sociedade civil à informação e ao Sistema Judiciário, comprometendo-se a melhorar formas de participação no sistema multilateral.
Parágrafo 47: incentiva o setor privado, em conjunto com a sociedade civil e com apoio do sistema ONU, a desenvolver modelos para difusão de informações sobre sustentabilidade das empresas, tendo como base as melhores práticas e iniciativas existentes.
Parágrafos 50 e 86: reconhecem a necessidade do diálogo intergeracional e de considerar melhor os interesses das futuras gerações nas decisões do presente sobre desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, convidam o secretário-geral da ONU a produzir um relatório sobre o assunto, abrindo uma porta para aprofundamento desse tema no sistema multilateral.
Parágrafos 82 a 86: estabelecem um fórum político intergovernamental de alto nível para tratar dos temas do desenvolvimento sustentável, a ser instalado em setembro de 2013 (início da 68ª Assembleia-Geral da ONU), com participação da sociedade civil (mas apenas consultiva).
Parágrafo 88: trata do fortalecimento do Pnuma, apontando uma série de medidas e convidando a 67ª Assembleia-Geral da ONU (set/2012 a set/2013) a adotar resolução nesse sentido.
Parágrafo 226: adota o “programa-quadro de 10 anos para produção e consumo sustentáveis” (resultado do Processo de Marrakesh e travado na ONU desde 2011) e convidam a Assembleia-Geral da ONU a designar, em setembro de 2012, um Estado-membro para operacionalizá-lo.
Parágrafo 248: estabelece um grupo de trabalho, a ser criado no máximo até setembro/2012, para avançar processo intergovernamental, aberto a todas as partes interessadas, visando desenvolver os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, de forma consistente com as Metas do Milênio e para implementação a partir de 2015.
Parágrafos 255 a 257: estabelecem um comitê intergovernamental, com participação das partes interessadas, para analisar a situação e a efetividade das diversas fontes de financiamento relacionadas ao desenvolvimento sustentável, e recomendar até 2014 medidas de melhoria.
Parágrafo 283: recebe os compromissos voluntários para o desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza registrados durante a Rio+20, e convida o secretário-geral da ONU a compilá-los e a manter uma base na internet para seu acompanhamento e continuidade.
Há, porém, graves omissões que despertaram atenção e críticas, como a ausência de menção ao conceito de limites planetários e aos direitos reprodutivos das mulheres, e o fraco encaminhamento de temas como a proteção aos oceanos e a eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis.