“É possível um capitalismo capaz de levar o mundo em conta?”, pergunta Ricardo Abramovay em um dos capítulos do recém-publicado Muito Além da Economia Verde. Sim, defende o professor de sociologia econômica da USP. Mas, para tanto, dois reencontros se fazem necessários: da sociedade com a natureza e da economia com a ética.
A relação entre sociedade e natureza traz consigo dois conceitos adjacentes: limite e inovação. Limite diz respeito ao reconhecimento da biocapacidade do planeta, cuja finitude e taxa de regeneração impõem restrições à expansão contínua do aparato produtivo. A inovação – mais especificamente, os sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade – torna-se um tema de fundamental importância para assegurar o respeito aos limites do planeta à luz da luta global contra a desigualdade no uso da riqueza e do atendimento das necessidades básicas de bilhões de pessoas hoje desassistidas (e algumas delas ascendendo economicamente).
Muito além de sua responsabilidade social, “pôr a ética no centro da vida econômica” trata, pelo lado das empresas, da criação de valor compartilhado – expressão popularizada por artigo de Michael Porter e Mark Kramer na Harvard Business Review. Também diz respeito às profundas transformações trazidas pelas tecnologias de informação e comunicação, que alteraram a forma de organização da sociedade em rede (título da trilogia literária de Manuel Castells), tendo como consequência o aumento do potencial de participação social na vida pública e nos negócios.
Tudo isso dialoga, por fim, com o turvamento da fronteira entre produção, distribuição e consumo, o que Jeremy Rifkin batizou de “terceira revolução industrial”: um modelo mais colaborativo de produção e consumo constituiria hoje um “poder lateral”, ou seja, “uma organização econômica com base na cooperação social em larga escala que pode alcançar eficiência alocativa por meio do uso partilhado e descentralizado dos recursos”.
O livro de Abramovay traça um contundente diagnóstico dos problemas e limites do modelo econômico prevalecente, mas também não economiza exemplos de caminhos e alternativas possíveis para superá-los, oferecendo uma leitura esperançosa para aqueles decepcionados com os resultados da Rio+20.
Chamou-me a atenção uma passagem em especial, entretanto: “[O] fato de haver limites impõe como urgente a pergunta: produzir para que e para quem? Essas questões perderiam muito de sua relevância, em um mundo de recursos infinitos”. Será? o livro cita o “Paradoxo de Easterlin”, que lançou dúvidas sobre a relação entre aumento de renda e felicidade e satisfação de longo prazo – o aumento momentâneo de felicidade é rapidamente estabilizado. Ou como bem coloca Abramovay: “Os bens e serviços não são finalidades por si só, mas meios, instrumentos de realização de algo mais importante que é uma vida saudável e significativa para si e para a comunidade com a qual as pessoas se relacionam”.
Se a necessidade é a mãe das invenções, um dos motores do dinamismo social e econômico no mundo é justamente o desafio imposto por tais limites. Nesse sentido, o livro deveria ser lido até mesmo pelos mais céticos quanto aos limites naturais do planeta: um mundo de abundância talvez nos distraísse e desviasse de perseguir o que realmente importa para nosso bem-estar e felicidade.
Fábio F. Storino é coordenador de TI e gestão do conhecimento do Centro de Estudos em sustentabilidade (GVces).