Grandes cidades buscam alternativas para desestimular o uso do carro, como o pedágio urbano. Mas a medida tem prós e contras que precisam ser bem avaliados
Em janeiro de 2012, o governo federal sancionou a Lei de Mobilidade Urbana, que prevê a elaboração de planos de mobilidade até 2015 por cidades com mais de 20 mil habitantes e autoriza cobrança de tributos pelo uso da infraestrutura urbana. Na prática, abre a possibilidade de implantação do pedágio urbano, estabelecendo que a arrecadação seja destinada à melhoria do transporte coletivo e a estímulos ao uso de outros modais que não o automóvel.
Em São Paulo, boa parte das pessoas leva até duas horas para chegar ao trabalho e a velocidade média dos carros é de 15 km por hora entre as 17 e as 20 horas. Em 2011, ganharam as ruas 400 mil novos veículos. Londres, onde o pedágio no centro é cobrado desde 2003, teve no seu primeiro ano de implantação queda de 30% nos congestionamentos, o dobro do declínio previsto.
Embora a medida não seja unanimidade na prefeitura de São Paulo, o médico sanitarista Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, atual secretário do Verde e do Meio Ambiente, defende o pedágio urbano desde 2005: “Londres, Estocolmo e cidades asiáticas como Cingapura têm muito bons resultados com o uso desse instrumento. Isso não é necessário só para São Paulo, que é um caso óbvio. Se você conhece Salvador, por exemplo, sabe que não consegue chegar do centro da cidade até Ondina às 17h com menos de uma hora e meia de carro. É mais fácil chegar a pé”.
Eduardo Jorge destaca iniciativas municipais na área de transportes, como renovação da frota de ônibus, cooperação para ampliação da rede metroviária e modernização de trens, além da recuperação dos trólebus e experiências com combustíveis mais limpos e tecnologias alternativas em 16% dos 15 mil ônibus da frota de transporte público municipal, com objetivo de exterminar dessa frota o uso de combustível fóssil até 2018. Mas avalia que São Paulo e outras cidades precisam do pedágio urbano como atitude de restrição do uso do transporte individual e para levantar recursos novos para a expansão mais rápida do transporte público.
OPINIÃO PÚBLICA É CONTRA
A pesquisa Dia Mundial Sem Carro 2011 (Rede Nossa São Paulo/Ibope) demonstra que 60% dos entrevistados deixariam de usar o carro diariamente para usar outros meios de transporte. Entre as medidas mais importantes apontadas por eles estão: construção de mais linhas de metrô e trem, melhoria da qualidade do transporte por ônibus e vans e construção de mais corredores de ônibus e/ou ampliação dos já existentes (29% afirmam que usariam ônibus caso houvesse mais e melhores corredores).
Realizada desde 2007, a pesquisa revela que a opinião pública se mostra desfavorável ao pedágio: em 2007, 13% dos entrevistados eram a favor; em 2008, 24%; em 2009, o percentual favorável foi de 26%. Em 2010, caiu para 20% e, em 2011, para 19%.
O engenheiro e perito de trânsito Sergio Ejzenberg é contrário ao pedágio sem investimento pesado na expansão da malha metroviária. “Pedágio urbano é ferramenta para mudar modal. Isso pressupõe que exista modal para ser mudado. Em São Paulo não temos alternativas. As pessoas não cabem no Metrô nem nos ônibus.”
Outra preocupação de Ejzenberg é com a arrecadação: “O centro expandido tem circulação de aproximadamente um milhão de veículos/dia. Se eu cobrar R$ 1, arrecado R$ 1 milhão/dia. Tenho anualmente R$ 300 milhões a mais de sangria do particular para os cofres públicos. E o governo historicamente não tem gasto essas verbas com inteligência: as opções são feitas pensando no viário, no carro, em solucionar aquilo que nunca vai ter solução, que é o congestionamento urbano”.
PEBLICITOS
Mas Eduardo Jorge questiona: “De onde virá o dinheiro novo para, em vez de triplicar o esforço do metrô, quadruplicar, quintuplicar, que é do que São Paulo precisa? Ou para acelerar ainda mais a retirada dos ônibus a diesel na cidade?” O secretário argumenta que esse recurso adicional não pode sair do orçamento municipal da saúde, ou da educação e da área de assistência social. “É preciso ter o pedágio vinculado a um fundo de transporte especial e se avançar muito mais rapidamente na expansão do transporte público na cidade.” Ele defende a realização de plebiscitos a respeito do tema, sugerindo que a questão seja precedida de discussões nas Câmaras Municipais e prefeituras.
O professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Ricardo Abramovay, que se desloca predominantemente de bicicleta, é favorável ao pedágio: “A ocupação do espaço coletivo com um bem individual da maneira como é feita pelo automóvel tem de ser paga. O argumento de que não temos alternativa é forte, mas não justifica o uso da cidade da forma predatória como ocorre atualmente”.
Tanto Abramovay quanto Eduardo Jorge avaliam que o Metrô atende relativamente bem os bairros centrais, mas que serão necessários investimentos substanciais para ampliar a mobilidade nos bairros periféricos. “Quem tem razão de reclamar de transporte público é quem está nos extremos. A região central e o centro expandido têm um bom sistema de transporte”, pondera o secretário.
Para Renata Florentino, do Observatório das Metrópoles, São Paulo já experimentou medida mais igualitária que o pedágio – o sistema de rodízio –, ao qual todos os motoristas estão sujeitos e não se paga a mais por isso. Decorridos 17 anos de sua implantação, as pessoas continuam usando o carro, alterando o horário de deslocamento ou comprando um segundo automóvel.
ELITIZAÇÃO
“O pedágio urbano é uma solução que, se não for bem estruturada, pode não resolver o problema e elitizar ainda mais o uso do carro”, alerta Renata. Ela cita como exemplo o aumento do IPVA, já experimentado por alguns governos para inibir a compra de veículos, mas que apenas surte efeito nas camadas com menor poder aquisitivo, que moram longe do trabalho, não têm renda para moradia mais bem localizada e nem conseguem arcar com o IPVA alto, tendo de realizar deslocamentos longos em coletivos.
“Há que se pensar no impacto real de uma medida dessas, e não no impacto desejado. Baratear o acesso ao transporte coletivo e expandir seu alcance e capacidade pode surtir o mesmo efeito de diminuição do congestionamento sem a externalidade excludente que o pedágio urbano possui”, completa.[:en]
Grandes cidades buscam alternativas para desestimular o uso do carro, como o pedágio urbano. Mas a medida tem prós e contras que precisam ser bem avaliados
Em janeiro de 2012, o governo federal sancionou a Lei de Mobilidade Urbana, que prevê a elaboração de planos de mobilidade até 2015 por cidades com mais de 20 mil habitantes e autoriza cobrança de tributos pelo uso da infraestrutura urbana. Na prática, abre a possibilidade de implantação do pedágio urbano, estabelecendo que a arrecadação seja destinada à melhoria do transporte coletivo e a estímulos ao uso de outros modais que não o automóvel.
Em São Paulo, boa parte das pessoas leva até duas horas para chegar ao trabalho e a velocidade média dos carros é de 15 km por hora entre as 17 e as 20 horas. Em 2011, ganharam as ruas 400 mil novos veículos. Londres, onde o pedágio no centro é cobrado desde 2003, teve no seu primeiro ano de implantação queda de 30% nos congestionamentos, o dobro do declínio previsto.
Embora a medida não seja unanimidade na prefeitura de São Paulo, o médico sanitarista Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, atual secretário do Verde e do Meio Ambiente, defende o pedágio urbano desde 2005: “Londres, Estocolmo e cidades asiáticas como Cingapura têm muito bons resultados com o uso desse instrumento. Isso não é necessário só para São Paulo, que é um caso óbvio. Se você conhece Salvador, por exemplo, sabe que não consegue chegar do centro da cidade até Ondina às 17h com menos de uma hora e meia de carro. É mais fácil chegar a pé”.
Eduardo Jorge destaca iniciativas municipais na área de transportes, como renovação da frota de ônibus, cooperação para ampliação da rede metroviária e modernização de trens, além da recuperação dos trólebus e experiências com combustíveis mais limpos e tecnologias alternativas em 16% dos 15 mil ônibus da frota de transporte público municipal, com objetivo de exterminar dessa frota o uso de combustível fóssil até 2018. Mas avalia que São Paulo e outras cidades precisam do pedágio urbano como atitude de restrição do uso do transporte individual e para levantar recursos novos para a expansão mais rápida do transporte público.
OPINIÃO PÚBLICA É CONTRA
A pesquisa Dia Mundial Sem Carro 2011 (Rede Nossa São Paulo/Ibope) demonstra que 60% dos entrevistados deixariam de usar o carro diariamente para usar outros meios de transporte. Entre as medidas mais importantes apontadas por eles estão: construção de mais linhas de metrô e trem, melhoria da qualidade do transporte por ônibus e vans e construção de mais corredores de ônibus e/ou ampliação dos já existentes (29% afirmam que usariam ônibus caso houvesse mais e melhores corredores).
Realizada desde 2007, a pesquisa revela que a opinião pública se mostra desfavorável ao pedágio: em 2007, 13% dos entrevistados eram a favor; em 2008, 24%; em 2009, o percentual favorável foi de 26%. Em 2010, caiu para 20% e, em 2011, para 19%.
O engenheiro e perito de trânsito Sergio Ejzenberg é contrário ao pedágio sem investimento pesado na expansão da malha metroviária. “Pedágio urbano é ferramenta para mudar modal. Isso pressupõe que exista modal para ser mudado. Em São Paulo não temos alternativas. As pessoas não cabem no Metrô nem nos ônibus.”
Outra preocupação de Ejzenberg é com a arrecadação: “O centro expandido tem circulação de aproximadamente um milhão de veículos/dia. Se eu cobrar R$ 1, arrecado R$ 1 milhão/dia. Tenho anualmente R$ 300 milhões a mais de sangria do particular para os cofres públicos. E o governo historicamente não tem gasto essas verbas com inteligência: as opções são feitas pensando no viário, no carro, em solucionar aquilo que nunca vai ter solução, que é o congestionamento urbano”.
PEBLICITOS
Mas Eduardo Jorge questiona: “De onde virá o dinheiro novo para, em vez de triplicar o esforço do metrô, quadruplicar, quintuplicar, que é do que São Paulo precisa? Ou para acelerar ainda mais a retirada dos ônibus a diesel na cidade?” O secretário argumenta que esse recurso adicional não pode sair do orçamento municipal da saúde, ou da educação e da área de assistência social. “É preciso ter o pedágio vinculado a um fundo de transporte especial e se avançar muito mais rapidamente na expansão do transporte público na cidade.” Ele defende a realização de plebiscitos a respeito do tema, sugerindo que a questão seja precedida de discussões nas Câmaras Municipais e prefeituras.
O professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Ricardo Abramovay, que se desloca predominantemente de bicicleta, é favorável ao pedágio: “A ocupação do espaço coletivo com um bem individual da maneira como é feita pelo automóvel tem de ser paga. O argumento de que não temos alternativa é forte, mas não justifica o uso da cidade da forma predatória como ocorre atualmente”.
Tanto Abramovay quanto Eduardo Jorge avaliam que o Metrô atende relativamente bem os bairros centrais, mas que serão necessários investimentos substanciais para ampliar a mobilidade nos bairros periféricos. “Quem tem razão de reclamar de transporte público é quem está nos extremos. A região central e o centro expandido têm um bom sistema de transporte”, pondera o secretário.
Para Renata Florentino, do Observatório das Metrópoles, São Paulo já experimentou medida mais igualitária que o pedágio – o sistema de rodízio –, ao qual todos os motoristas estão sujeitos e não se paga a mais por isso. Decorridos 17 anos de sua implantação, as pessoas continuam usando o carro, alterando o horário de deslocamento ou comprando um segundo automóvel.
ELITIZAÇÃO
“O pedágio urbano é uma solução que, se não for bem estruturada, pode não resolver o problema e elitizar ainda mais o uso do carro”, alerta Renata. Ela cita como exemplo o aumento do IPVA, já experimentado por alguns governos para inibir a compra de veículos, mas que apenas surte efeito nas camadas com menor poder aquisitivo, que moram longe do trabalho, não têm renda para moradia mais bem localizada e nem conseguem arcar com o IPVA alto, tendo de realizar deslocamentos longos em coletivos.
“Há que se pensar no impacto real de uma medida dessas, e não no impacto desejado. Baratear o acesso ao transporte coletivo e expandir seu alcance e capacidade pode surtir o mesmo efeito de diminuição do congestionamento sem a externalidade excludente que o pedágio urbano possui”, completa.