Formas diretas e participativas de democracia têm sido responsáveis por grandes avanços, mas também precisam de aprimoramento
Impedir os fichas sujas de se candidatarem custou mais de um ano de campanha nacional e 1,3 milhão de assinaturas – 1% do eleitorado brasileiro. A aprovação da Lei Ficha Limpa [1] no Congresso é considerada uma das grandes vitórias da democracia direta, mas o instrumento precisa de ajustes. Para a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política, é preciso que os projetos de iniciativa popular tenham prioridade na tramitação e votação no Legislativo, com previsão de trancamento de pauta e votação em caráter de urgência, para não repetir o que aconteceu com o Fundo Nacional de Habitação Popular, que levou 13 anos para ser aprovado.
[1] Lei Complementar 135/2010 torna inelegível por oito anos um candidato que for cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado por crimes contra o patrimônio, entre outros
A Constituição de 1988 garante várias formas de participação para a população: direta, por meio de plebiscitos, referendos e projetos de lei iniciativa popular; e participativa, por meio de conselhos e conferências. As formas diretas são pouco usadas e necessitam de ajustes, como o referendo do desarmamento em 2005 mostrou. Além da questão apresentada de forma confusa , a campanha permitia financiamento privado. A chamada Bancada da Bala arrecadou das empresas Taurus e Companhia Brasileira de Cartuchos mais de R$ 5 milhões para a campanha a favor da venda de armas. A arrecadação da frente pelo desarmamento não chegou a R$ 2 milhões.
O Orçamento Participativo (OP) de Porto Alegre é um dos exemplos mais emblemáticos tanto do poder quanto das fragilidades da democracia participativa. Nascido na primeira gestão do PT, em 1990, tornou-se referência internacional durante os 16 anos de gestão petista. Todos achavam que a efervescência popular em torno do OP asseguraria sua continuidade quando José Fogaça, então do PPS, assumiu a prefeitura, em 2005.
Não foi o que ocorreu. Márcia Ribeiro Dias, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-RS, acredita que parte da explicação está na origem. “O OP foi um método de governo criado para implementar um projeto político de inversão de prioridades, favorecendo a população mais pobre”, explica.
Com a assinatura da participação popular, o Executivo garantia a aprovação no Legislativo, onde tinha minoria no primeiro mandato. Para a pesquisadora, o OP existiu porque havia vontade política de fazer a parceria com a participação, e tornou-se uma experiência robusta ao longo dos seus primeiros 16 anos.
A fragilidade, no entanto, parece estar no marco institucional. “O OP ajudou a institucionalizar a participação, diminuindo a capacidade de mobilização direta”, diz Daniela Tolfo, membro do conselho diretor da ONG Cidade – Centro de Assessoria e Estudos Urbanos, organização que acompanha o OP desde seu surgimento. “Precisava de asfalto, de semáforo, de escola, levava para essa esfera. O cidadão se acostumou a ver o governo resolver seu problema por ali, com muito menos conflito e mais garantia de solução.”
Além disso, o OP foi concebido como um instrumento autogestionário, ou seja, o processo de participação das pessoas sempre foi decidido dentro da própria estrutura do OP, e não por lei. Embora a nova administração tenha mantido seu funcionamento, como prometido em campanha, conseguiu concentrar o poder de decisão nas mãos dos conselheiros, diminuindo o poder de interferência dos delegados, considerados as formiguinhas do processo, aqueles que recolhem as demandas da comunidade.
Mesmo assim, Daniela diz que o volume de participação nas assembleias não diminuiu, o que declinou foi o poder das pessoas da base. “Os problemas hoje são levados para o conselho, onde lideranças se cristalizaram de tal forma que se fecharam para a participação de novas pessoas e novas demandas”, critica Daniela.
Em um estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) sobre os conselhos locais de saúde da cidade de São Paulo, a pesquisadora Vera Schattam Coelho aponta como um fator-chave para o sucesso das experiências participativas o investimento das autoridades e instituições públicas no efeito demonstração, ou seja, o cidadão precisa ver sua participação se materializar em obras, ações e projetos em sua vida cotidiana.
Para que esses espaços funcionem como instrumentos de participação e controle social, é preciso não só cidadãos dispostos a participar, mas gestores comprometidos com o projeto de participação social. “Sem poder público engajado, o sujeito prefere não assumir os custos da participação”, completa Márcia