O depoimento de Kazuko Tsudaka, que depois de um câncer, faz hemodiálises a cada dois dias. Para ela, saúde também é uma questão de serenidade
Da boca de Kazuko Tsudaka escuto um interessante termo: “estar em situação de doença”. É dessa forma que ela mesma se denomina há 10 anos, desde que sua saúde foi fragilizada por um câncer no estômago e, na sequência, pela falência dos rins.
Aos 40 anos, Kazuko estava em plena atividade, cursando o último ano e semestre de Letras. Todo seu empenho pessoal e intelectual se voltava para planos futuros. A interrupção da jornada veio de forma abrupta. Depois de um período de intenso mal estar, ela vomitou sangue. Internada inicialmente para uma bateria de exames, só deixou o hospital 40 dias depois, com o diagnóstico de câncer e 2/3 do estômago extirpados.
A quimioterapia não foi necessária mas, um ano depois, quando ela começava a retomar o antigo ritmo, a falência total dos rins a deixou diante de uma realidade inexorável: teria que fazer hemodiálise para o resto da vida. “A sensação foi como ganhar na loteria ao contrário”, brinca.
Sem dramas, ela desistiu da fila do transplante, se aposentou e encarou a hemodiálise como seu novo trabalho. Há cada dois dias, fica cerca de 4 horas naquela cadeira quase como “em uma reunião interminável com aquele chefe insuportável”, diz sorrindo. Complementa afirmando que ganha bem pela nova “profissão”. “É vida nova toda a vez que você vai lá bater o cartão de ponto”.
Kazuko admite que trocar a agitação social que tinha pela pacata rotina casa-clínica, foi pesado. A relação com o corpo, contudo, foi a ruptura mais profunda. Largas cicatrizes, inchaços frequentes no corpo e a dependência de uma máquina para viver são só algumas das transformações que ela viu tomando seu espaço íntimo. Para evitar qualquer sentimento de autopiedade ou depressão, decidiu parar de olhar seu corpo no espelho. “Eu comecei a desprezar muita coisa, entre elas o conceito de beleza. Para mim esse corpo é só uma carcaça”.
Kazuko nunca pensou em filhos, talvez por isso, como ela conta, nunca tenha ficado frustrada com o fato de não poder mais tê-los. Sua vida sexual, parada desde o começo do diagnóstico, entretanto, dá sinais de volta à ativa. Depois de um longo jejum de 15 anos, se encontrou com alguém 20 anos mais novo e se rendeu à experiência. “Foi bom. Na hora eu pensei: ‘Não adianta fingir que é a primeira vez que não vai dar certo. Também não adianta querer inventar demais. Então vai e seja o que Deus quiser’”.
Para ela, o desenvolvimento da medicina ajudou a aumentar nossa expectativa de vida. “Mas se estamos vivendo mais, estamos vivendo melhor?”, eu pergunto. Em sua opinião o avanço dos equipamentos, medicamentos, etc foram positivos. “As pessoas têm uma sobrevida e essa sobrevida em muitos casos é boa, não dá para negar”. Ela reconhece, no entanto, o outro lado da moeda. “Ao mesmo tempo em que você tem esses avanços significativos, pessoas ainda morrem de diarreia e sífilis, essas doenças que não têm nada a ver”. Descrente de linhas alternativas de tratamento médico, ela afirma que a maior cura que a pessoa pode se proporcionar é o conhecimento formal. “Informação é um apoio não-ilusório”.
Hoje, Kazuko não faz planos para o futuro. Vive o agora. Se ela se considera feliz? Não. Para ela existe algo melhor: a paz de espírito. “Não dá para ser feliz sempre, já se sentir em paz é diferente. E é como eu me sinto hoje: em paz”.
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